Acórdão nº 1594/14.9TJVNF.2.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 26 de Janeiro de 2017

Magistrado ResponsávelLINA CASTRO BAPTISTA
Data da Resolução26 de Janeiro de 2017
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Sumário I – A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida em instrução e julgamento ou documento superveniente impuserem decisão diversa.

II - Face ao rigor dos princípios e normas legais e às consequências gravosas decorrentes da opção do Administrador prevista no art. 102.º do CIRE, não se deverá presumir uma postura deste no sentido no não cumprimento, esperando – ao invés – que o mesmo tome efetiva e objectiva decisão a tal respeito.

III – Para a eventualidade de o Administrador vir a recusar o cumprimento do contrato-promessa dos autos, a norma do art. 755.º, n.º 1, alínea f), do Código Civil tem o seu campo de aplicação restrito a consumidores, com fundamentos relacionados com a ratio do preceito de protecção do consumidor como parte mais débil e desprotegida na relação jurídica. Cumulativamente deve ter-se em conta o precedente qualificado que constitui o Acórdão de Uniformização de 20/03/2014, proferido no Processo n.º 92/05.6TYYVNG-M.P1.S1.

IV - Estamos na presença de um conceito de consumidor em sentido estrito, sendo dois os elementos que delimitam a respetiva noção: o elemento relacional (sujeito de uma relação jurídica de consumo) e o elemento teleológico (aquisição de bens ou serviços para fins não profissionais).

V - A circunstância de o promitente-comprador ter acabado por arrendar as frações prometidas comprar deve considerar-se um ato isolado e não comercial, não tendo a virtualidade de lhe retirar a qualidade de consumidor em sentido estrito.

* Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I - RELATÓRIO Na sequência da decretação da insolvência de “C, LIMITADA”, foi fixado prazo para a respetiva reclamação de créditos.

A “G, S.A.” veio impugnar a lista definitiva de credores reconhecidos e não reconhecidos elaborada pelo Sr. Administrador da Insolvência, designadamente no que concerne ao crédito reconhecido ao credor M e N Em sede de tentativa de conciliação, ordenou-se que, quanto aos credores M e N se procedesse à criação de um Apenso chamado F2, tendo como partes o credor M, a Massa Insolvente e eventualmente a “G, S.A,” e fixando-se como Temas da Prova o incumprimento integral do contrato celebrado com o respetivo pagamento do preço e a existência ou não de tradição.

No presente apenso de reclamação de créditos, foi proferida sentença com a seguinte parte decisória: “Termos em que, vistos os factos assentes, as disposições legais e os ensinamentos doutrinários e jurisprudenciais analisados: A – Julgo reconhecido e verificado o crédito dos reclamantes M e esposa D. N sobre a insolvência, do montante de 690.000,00 Euros; B – Reconheço e declaro que este crédito dos Reclamantes está garantido por direito de retenção, nos termos do disposto no art. 755.º, n.º 1, alínea f) e 759.º, do Código Civil, sobre as frações autónomas identificadas no Auto de apreensão sob as verbas 70, 73 e 81 (fração autónoma designada pelas letras “AO” correspondente a apartamento T2 destinado a habitação sito no prédio urbano (Parque da Cidade-Fase II), fracção autónoma designada pela letra “AR”correspondente a apartamento T2 destinado a habitação sito no prédio urbano (Parque da Cidade – Fase II) e fração autónoma designada pelas letras “BP”correspondente a apartamento T2 destinado a habitação sito no prédio urbano (Parque da Cidade – Fase II) do Prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Famalicão sob o n.º … da União de Freguesias de Antas e Abade de Vermoim (artigo 257); C – Mando que este crédito dos Autores seja pago pelo produto da venda dos imóveis identificados na alínea anterior – Auto de Apreensão sob as verbas 70, 73 e 81 -, após graduação do mesmo crédito, nos termos dos art. 759.º e 751.º do CC, ou seja, a seguir a privilégios especiais mas antes de eventual crédito hipotecário, ainda que este tenha sido registado.” Inconformados com esta decisão, os Reclamantes M e M recorreram, tendo formulado as seguintes CONCLUSÕES: 1. Entendem os recorrentes, que a douta decisão proferida, advém, com todo o devido respeito, de um erro de julgamento por parte do Tribunal na valoração das provas, uma incorreta e inadequada ponderação dos factos, tendo-se partido claramente de uma premissa errada, visto que a prova produzida nos autos impunha claramente uma decisão diversa da proferida.

  1. Verifica-se ainda uma notória contradição entre a prova produzida nos autos e a douta decisão, assim como o facto da fundamentação expendida para alicerçar a decisão, estar com o devido respeito, envolta em contradições e falácias de raciocínio, que não conseguem sustentar a decisão proferida quanto à venda dos imoveis (questão de que o Tribunal a quo não podia tomar conhecimento), sem que aqui possa atender-se ao princípio da livre apreciação da prova, o que faz com que tais vícios importem a NULIDADE da sentença recorrida. (art.º 615º n.º 1 al. “c” e “d” e art.º 640º todos do C.P.C.).

  2. Analisada a douta sentença, verifica-se a existência de um manifesto lapso da meritíssima juiz “a quo”, pois não obstante toda a fundamentação ir de encontro à pretensão dos recorrentes, ou seja, ao reconhecimento do seu crédito pelo montante de € 690.000,00, (exigível somente em caso de não cumprimento do contrato promessa) e ao reconhecimento que tal crédito se encontra garantido por direito de retenção, a verdade porém, é que, em sede de decisão, “inesperadamente” decidiu o Tribunal considerar que já ocorreu o incumprimento do contrato e consequentemente ordenar que o crédito dos recorrentes seja pago pelo produto da venda dos imóveis.

  3. Ora, em momento algum do processo de insolvência e apenso relativo à impugnação, o Sr. Administrador de Insolvência decidiu optar pelo não cumprimento do contrato promessa, da mesma forma que, quer em sede de reclamação de créditos, quer em sede de resposta à impugnação deduzida pela G, os aqui recorrentes SEMPRE disseram que era e é sua real pretensão a celebração do negócio definitivo e consequentemente a celebração das escrituras públicas, na medida em que já pagaram a totalidade das 3 frações e isso mesmo lhes foi reconhecido judicialmente.

  4. O Sr. Administrador de Insolvência reconheceu o crédito dos aqui recorrentes nos seguintes termos: “ Crédito reclamado sem subordinação a qualquer condição, mas reconhecido como condicionado à opção pelo não cumprimento dos contratos promessa + crédito parcialmente não reconhecido quanto ao valor: reconhecido valor correspondente à soma dos sinais comprovadamente pagos e em dobro, devido em caso de recusa do cumprimento dos contratos e não o preço de venda das coisas prometidas, nem a totalidade do sinal em dobro peticionado (por não integralmente comprovado). (fls. 28) (facto provado n.º A1).

  5. O crédito dos recorrentes, (à semelhança aliás do que sucedeu com todos os demais promitentes compradores), foi reconhecido pelo Sr.º Administrador de Insolvência, como sendo o pagamento do sinal em dobro, mas apenas na condição de não virem a ser cumpridos os contrato promessas.

  6. Contudo, NUNCA o Sr. Administrador expressou essa vontade, ou afirmou tácita ou expressamente a decisão de recusa de cumprimento dos contratos.

  7. Em face das impugnações que pudessem vir eventualmente a ser deduzidas à sua lista de créditos reconhecidos, e que na realidade vieram mesmo, como foi o caso da impugnação deduzida pela Caixa Geral de Depósitos, também o Sr. Administrador não podia tomar tal decisão, até que fosse proferida sentença, pelo que não o fez.

  8. Foram considerados PROVADOS o Facto n.º A 1, o Facto n.º E (artigo 12º) e o Facto n.º E (artigo 13º), ou seja, foi considerado provado que o Sr. Administrador reconheceu aos aqui recorrentes um crédito de €595.126,00, condicionado à opção pelo não cumprimento dos contratos promessa, i. é, somente na hipótese futura e hipotética de não se verificar o cumprimento dos contratos, e não serem celebradas as escrituras públicas, é que os recorrentes receberiam aquele montante, da mesma forma que também se considerou provado que foi essa a pretensão dos recorrentes.

  9. Contudo, em sede de decisão propriamente dita, a meritíssima juíza “a quo” considerou “erradamente” que já houve recusa no cumprimento dos contratos, pelo que, ordenou que o crédito reconhecido judicialmente aos recorrentes lhes fosse pago pelo produto da venda de tais prédios.

  10. Em face dos factos dados como provados, não poderia o Tribunal “a quo” de forma contraditória, ter decido “a final” pela venda dos bens imoveis, mas antes deveria ter reconhecido aos recorrentes um crédito de € 690.000,00, garantido por direito de retenção (como fez!), mas condicionado à opção do não cumprimento dos contratos.

  11. Só tal decisão permitirá ao Sr. Administrador de Insolvência e aos recorrentes, celebrar os negócios definitivos que tanto pretendem, sob pena de se verificar uma situação de incomensurável injustiça para os recorrentes, que tantos prejuízos já sofreram e pagaram a totalidade dos prédios! 13. Foram considerados NÃO PROVADOS o Facto n.º 68 (da resposta à impugnação) e o Facto n.º 69 (da resposta à impugnação), contudo, resulta dos mesmos, o sentido que o Sr. Administrador de Insolvência pretendeu atribuir à condicionante do crédito dos recorrentes, e que resulta da própria lei (art.º 442º C.C.), ou seja, o Sr. Administrador reconheceu aos recorrentes um crédito no valor de € 595.126,60 (agora alterado e bem pelo tribunal “a quo” para € 690.000,00), mas condicionou tal pagamento, à eventual verificação do não cumprimento dos contratos promessa (cf. fato provado n.º A1), e foi precisamente isto que os recorrentes também invocaram nos factos considerados não provados 68º e 69º, (“… Caso não venha a ser transmitida a propriedade das frações … verificar-se-á aí sim, o incumprimento definitivo do contrato, imputável à promitente vendedora”; “E a verificar-se o incumprimento definitivo … será legítimo aos promitentes não faltosos a resolução do mesmo, sem prejuízo do direito de...

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