Acórdão nº 1944/12.2TBBCL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 26 de Janeiro de 2017

Magistrado ResponsávelANABELA TENREIRO
Data da Resolução26 de Janeiro de 2017
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Sumário I--O direito à resolução do contrato previsto no art. 432.º do C.Civil, direito potestativo com eficácia extintiva, depende do incumprimento definitivo e não da simples mora.

II--O devedor, segundo o art. 804.º, n.º 2 do C.Civil, considera-se constituído em mora quando, por causa que lhe seja imputável, a prestação, ainda possível, não foi efectuada no tempo devido.

III--Verifica-se incumprimento definitivo na hipótese de o credor perder o interesse na prestação, em consequência da mora, ou se a prestação não for realizada dentro do prazo que razoavelmente for fixado por aquele-cfr. 808.º, n.º 1 do C.Civil.

IV--A mora pressupõe ter sido ultrapassado um termo essencial, estabelecido no contrato, ou posteriormente, e só se transforma em incumprimento definitivo se o devedor não cumpre no prazo suplementar e peremptório que o credor razoavelmente lhe concede, através da interpelação admonitória, consagrada no citado artigo 808.º, n.º 1 do C.Civil.

* I-RELATÓRIO M e mulher D e C e mulher, J, residentes em… Barcelos, intentaram a presente acção declarativa, com processo ordinário, contra "C, S.A.", com sede em Barcelos, pedindo que se declarem resolvidos os contratos promessa de cessão de quotas que celebraram com esta e que a mesma seja condenada a pagar-lhes as quantias de €130.000,00 e de €150.000,00, respectivamente, correspondentes ao dobro do sinal passado em cada um dos contratos, acrescidas de juros de mora, contados à taxa legal, desde a citação até efectivo e integral pagamento.

Regularmente citada, a Ré contestou, e na reconvenção, pediu que se lhe reconheça o direito de fazer suas as quantias recebidas a título de sinal em consequência da resolução ilícita dos contratos promessa por si alegadamente celebrados com os AA. Mais suscitou a intervenção acessória de A.

Notificados, os AA replicaram pela forma constante de fls. 89 a 110, pugnando pela improcedência das excepções e do pedido reconvencional deduzidos pela Ré.

Admitido o chamamento e efectuada a citação, o chamado contestou, reconhecendo que outorgou, na qualidade de gerente e em representação da Ré, os contratos promessa invocados como causa de pedir e recebeu para a sua representada, em cuja esfera jurídica ingressaram, as quantias entregues pelos AA a título de sinal, nos valores de € 65.000,00 e € 75.000,00, respectivamente.

* Proferiu-se sentença que julgou improcedente a presente acção e, em consequência, absolveu a Ré dos pedidos formulados pelos Autores e julgou igualmente improcedente a reconvenção, absolvendo os Autores Reconvindos.

* Inconformados com a sentença, os Autores interpuseram recurso, terminando com as seguintes Conclusões 1. A necessidade do presente recurso surge na sequência da sentença proferida pelo Tribunal de Primeira Instância que julgou totalmente improcedente a acção intentada pelos Autores, onde estes peticionavam a restituição do sinal pago, por eles, em dobro, em virtude do incumprimento de dois contratos-promessa de cessão de quotas.

2. Fundando-se a sentença de que ora se recorre que não se provou que anteriormente a Janeiro de 2012 os AA. tivessem contactado várias vezes os legais representantes da Ré questionando-os sobre o motivo pelo qual não eram celebradas as escrituras referentes aos contratos prometidos.

3. Facto esse que resulta inequivocamente provado, não só através da prova testemunhal, designadamente das testemunhas L prestado em 01 de Março de 2016 das 11:19:52 às 11:43:52 e J prestado a 26 de Abril de 2016 das 10:33:12 às 10:50:31.

4. Mas também, por prova documental - interpelação para realização da escritura dos contratos prometidos - vide a este propósito documentos juntos aos autos a fls.34 a 38, que conduziu ao facto provado n.º11 da sentença.

5. Tornando-se, assim, evidente que os AA. não ficaram durante cerca de 9 anos impassíveis no que respeita à recusa da Ré a celebrar os contratos definitos para a cessão de quotas, até porque o valor pago a título de sinal é bastante elevado - €140.000,00 (cento e quarenta mil euros).

6. Grande maquia que face às condições financeiras os Autores/Recorrentes não lhes permitiria descuido, como não permitiu, em reaver esse montante, na eventual, não celebração dos contratos prometidos.

7. Facto que, sem prescindir, se não pode catalogar de notório, pode e deve resultar para o julgador de inevitável presunção judicial.

8. Sabido como é que as presunções judiciais se alcançam através de juízos baseados nas regras da experiência de vida que revestem natureza geral.

9. E que o tribunal deve, também, apoiar-se na factualidade instrumental que gravita em torno dos factos essenciais (Cfr. A Anotação de Maria José Capelo ao Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra de 22/06/2010, in Revista de Legislação de Jurisprudência, Ano 143.º, Março-Abril de 2014, n.º 3985, págs. 286 e ss.).

10. Na conformidade de todo o supra alegado há que salientar que se deu como provado no ponto 13 dos factos provados da sentença de que ora se recorre que a Ré respondeu às missivas enviadas por cartas de 12 de Março de 2013 recebidas pelos AA. continuando, contudo, sem realizar os contratos definitivos e com dinheiro que não lhe pertence e que lhe foi entregue pelos AA. a título de sinal.

11. O que significa que a Ré/Recorrida se encontra numa situação de incumprimento definitivo conducente ao direito de resolução por parte dos AA. e à consequente exigência do sinal em dobro, e à conducente procedência total da presente acção intentada pelos AA., aqui Recorrentes.

12. Por outro lado, a sentença recorrida também, de igual modo, deu, sem qualquer fundamento, como não provado "que a Autora D tivesse a expetativa de associar a sua carreira profissional de técnica de radiologia com a vertente empresarial".

13. Facto que seria conseguido com a aquisição da quota da "Clínica Particular de Barcelos" com a qual, após a escritura definitiva, passaria a colaborar".

14. E, da mesma forma, como não provado, "que intimamente ligada à promessa celebrada com o Autor C, estivesse a perspetiva de progressão profissional da sua mulher", a também A. J.

15. É que, na verdade, tais factos alegados pelos AA. na sua petição inicial têm de ser considerados como provados face à prova produzida no processo.

16. E, desde logo, porque uma das AA. é médica radiologista e a outra é gestora, tendo até trabalhado com um dos RR. como consta, do facto provado no ponto 19 da recorrida sentença.

17. Os AA. tinham a expetativa de construírem o seu futuro na clínica, motivo pelo qual pretenderem adquirir participações sociais e não pretenderam, apenas fazer um puro e simples investimento.

18. O que resulta, também, do depoimento das testemunhas L, J e M prestado em 15 de Junho de 2016 das 16:21:23 às 16:50:26.

19. Anote-se a este propósito que é tal a ausência de boa-fé, que sempre norteou a Ré que ela alega e está provado que de todos os movimentos das quantias que lhe foram entregues pelos AA. na pessoa do seu então gerente num total de €140.000,00 (cento e quarenta mil euros), apenas se encontram relevados na contabilidade dela os movimentos relativos aos cheques n.º 0600000033 e 7448333787 do montante respetivamente de €25.000,00 (vinte e cinco mil euros) e €12.500,00 (doze mil e quinhentos euros), num total de €37.500,00 (trinta e sete mil e quinhentos euros).

20. Nesta sede, há que concluir e decidir como V/Exas. com toda a certeza o farão, realizando a Justiça Material, que está provado que teve lugar a celebração de dois contratos¬promessa de aquisição de quotas por parte dos AA., tal como consta dos factos provados n.º 3 e 6 da sentença e do depoimento de parte de M.

21. E está provado que a Ré recebeu tais valores, ou para a sua própria conta ou para as contas particulares dos sócios e dos familiares destes, o que tem o mesmo relevo, como, além do mais, resulta manifesto do depoimento da testemunha A prestado em 01 de Março de 2016 das 10:41:14 às 10:57:19 e do depoimento da testemunha R, prestado em 26 de Abril de 2016 das 11:30:44 às 12:10:13, e também nesse sentido o depoimento prestado pela testemunha J e depoimento de parte de M.

22. Tudo isto, a determinar, a alteração dos factos não provados infra para factos provados: "-que, anteriormente às missivas referidas nos itens 10 e 11 do elenco dos factos provados, os AA M e C tivessem contactado várias vezes os legais representantes da Ré, questionando-os sobre o motivo pelo qual não eram celebradas as escrituras referentes aos contratos prometidos;" «: que, a A. D tivesse a expectativa de associar a sua carreira profissional de técnica de radiologia com a vertente empresarial, o que seria conseguido com a aquisição da quota da "Clinica” que, intimamente, ligada à promessa celebrada pelo A. C, estivesse a perspetiva de progressão profissional da sua mulher a também A. J;".

23. E, assim, revogar a sentença proferida pelo Tribunal a quo e, em consequência julgar totalmente procedente a presente acção, e se assim não se entender, o que não se concebe, sempre deveriam os Recorrentes serem condenados a devolver, o sinal em singelo aos Recorrentes.

24. No que concerne à Matéria de Direito, antes de tudo se alegará que o Tribunal a quo não fez a devida e necessária articulação dos depoimentos prestados uns com os outros e, também, com as outras provas, nomeadamente, documental junta a fls. 34 a 38 dos autos.

25. Desvalorizando ou esquecendo também, os factos instrumentais, indiciários, circunstanciais ou probatórios existentes no caso presente não cumprindo o preceituado nos artigos 5.º e 607.º do C.P.C.

26. Impõem isso os preceitos processuais aplicáveis e também as pertinentes normas substantivas e, principalmente, a boa-fé, a lisura e a honestidade que sempre têm de estar presentes nas relações contratuais sinalagmáticas.

27. Boa-fé essa que a todas as luzes se vê que os Réus não cumpriram, limitando-se a dar a desculpa esfarrapada de que não tinha conhecimento algum da existência dos contratos promessa que celebraram, mas tinham conhecimento...

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