Acórdão nº 861/861/08.5TBBCL-E.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 26 de Janeiro de 2017

Magistrado ResponsávelANABELA TENREIRO
Data da Resolução26 de Janeiro de 2017
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Sumário I--A obrigação de prestação de contas é transmissível, por via hereditária, dada a sua natureza patrimonial, razão pela qual não se extingue por morte do cabeça-de-casal, incumbindo, por isso, aos seus herdeiros o cumprimento da mesma.

II--Sendo a autora herdeira do cabeça-de-casal, com quem este foi casado em segundas núpcias, assiste-lhe o direito de apurar a composição exacta do acervo hereditário deixado por morte de seu cônjuge.

III—Não obstante ser sucessora do referido cabeça-de-casal e consequentemente, obrigada, tal como os demais sucessores, a prestar essas contas a terceiros, tal situação não poderá ser impeditiva de as poder exigir aos sucessores daquele, únicos interessados no inventário aberto por morte de sua mãe, M, sob pena de ficar impossibilitada de determinar, na totalidade, o património do falecido cônjuge.

IV--Esta justificação apresentada pela Autora para exigir a prestação de contas, revela um interesse próprio e diferenciado dos demais herdeiros do cabeça-de-casal, revestindo a posição de terceira interessada no apuramento e aprovação das contas da herança, cujo resultado irá influir na determinação global da herança deixada por morte de seu cônjuge, e consequentemente, dos quinhões hereditários.

V--Compete aos réus, cumprir essa obrigação, na qualidade de sucessores do cabeça-de-casal, únicos e universais herdeiros da herança deixada por morte de sua mãe, uma vez que a administração dos bens da herança, exercida pelo cabeça-de-casal, gerou receitas e despesas.

* Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I—RELATÓRIO M intentou o presente processo especial de prestação de contas contra, para além de si própria, J, C, F e H.

Alega a Requerente, para tanto e em suma, que, juntamente com os requeridos, são os únicos e universais herdeiros de N, a primeira viúva deste (na sequência de segundo matrimónio) e os demais filhos do falecido (fruto do primeiro matrimónio), o qual exerceu, no inventário apenso, as funções de cabeça-de-casal do inventário aberto por óbito de M, até à data do seu (dele) óbito, ocorrido a 20 de Agosto de 2013.

Refere, por outro lado, que, na sequência do falecimento daquele M, os autos de inventário prosseguiram para partilha da herança deixada por este, adquirindo deste modo a requerente a posição de interessada no mesmo.

Justifica a propositura da presente acção com o facto do acervo hereditário do seu falecido marido depender do julgamento das contas resultantes da administração que o mesmo fez da herança aberta por óbito daquela M.

Enfatiza, por outro lado, que o dever de prestação de contas por parte do cabeça-de-casal tem natureza patrimonial e, como tal, tal dever é hereditariamente transmissível para os herdeiros do cabeça-de-casal, razão pela qual os herdeiros do cabeça-de-casal estão obrigados à prestar contas.

Articulando estas directrizes com o figurino processual do processo especial de prestação de contas, refere a requerente que a acção deve ser proposta por todos os herdeiros de M, razão pela qual a propôs e requereu a intervenção principal provocada (activa) dos demais herdeiros e, no reverso, deve ser proposta contra todos os herdeiros do falecido, ou seja, contra si própria e contra aqueles que demandou e cuja intervenção principal provocada requereu pelo lado activo.

Requereu, por fim, a nomeação de um curador especial por aplicação analógica do artigo 2074.º n. º 3, do CPC.

* Proferido despacho liminar e pelas razões nele apostas (fls. 13 e 14), foi indeferida a nomeação de um curador especial, assim como os pedidos de intervenção principal provocada formulados, tendo-se ordenado a citação dos requeridos.

* Citados, contestaram os Requeridos J M e C, invocando, no essencial, não estarem obrigados a prestar contas, nem estarem em condições de o fazer.

* Pronunciou-se a Requerente, concluindo pela improcedência das excepções invocadas.

* Proferiu-se sentença que julgou a presente acção totalmente improcedente, por não estarem os Requeridos obrigados a prestar contas da administração feita por M da herança aberta por óbito de N.

* Inconformada com a sentença, a Requerente interpôs recurso, terminando com as seguintes CONCLUSÕES I.

Vem o presente recurso interposto da decisão de direito que determinou não estarem os Réus obrigados a prestar contas da administração de M enquanto cabeça de casal da herança aberta por óbito de N.

  1. A recorrente não pode deixar de afirmar a sua perplexidade perante tal tomada de posição porquanto no despacho liminar de 05.01.2016, o meritíssimo juiz a quo havia abertamente defendido que a legitimidade processual estaria assegurada com a simples presença de todos os herdeiros na lide, mesmo que fraccionados pelo lado activo e passivo, como sucede quando os interesses desses não estão alinhados entre si, antes se assumindo como dissonantes, sendo a decisão da causa suscetível de produzir o seu efeito útil normal.

  2. Ora tal entendimento contradiz em absoluto aquele que veio de ser gizado na sentença ora recorrida.

  3. Salvo o devido respeito, o instituto jurídico previsto no artigo 868.º do CC («confusão») não é aplicável ao caso sub judice.

  4. Com efeito, a ora recorrente, ao contrário dos demais intervenientes na presente lide, assume-se tão só herdeira do inventariado M que, por sua vez, veio de assumir o cabecelato da herança aberta por óbito de N, entre 04 de Agosto de 2007 e 20 de Agosto de 2013.

  5. Os demais requeridos, J, C, F e H, reputam-se herdeiros do inventariado M e, bem assim, de N.

  6. É, por conseguinte, apenas e tão só, na qualidade de herdeira de M que a autora, ora recorrente, veio interpor a presente ação especial, com o fim de ver prestadas as contas devidas pela administração que esteve a cargo e responsabilidade deste último, enquanto cabeça de casal da herança aberta por óbito de N.

  7. Contas que hoje se reputam essenciais, como será bom de ver, para o efeito de apurar, com devido critério e na sua integralidade, o acervo hereditário daquele.

  8. Afigura-se, no que diz respeito a este assunto, incontestada, a legitimidade da ora recorrente, entendimento que, de resto, veio de ser doutamente seguido pelo Tribunal a quo, na sentença recorrida, ao mencionar, de forma expressa, nada haver a suprir no que lhe era respeitante.

  9. Ao interpor a presente ação especial, a recorrente não só atendeu à finalidade última desta, como veio, com devida cautela - i.e. sempre no encalço da melhor doutrina e, bem assim, da jurisprudência propugnada pelas mais altas instâncias - entendê-la, à partida, juridicamente enquadrável, no respeitante à...

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