Acórdão nº 954/15.2T8VRL.G2 de Tribunal da Relação de Guimarães, 26 de Janeiro de 2017

Magistrado ResponsávelMARIA PURIFICA
Data da Resolução26 de Janeiro de 2017
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

- Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães – I.

RELATÓRIO Esta acção declarativa de condenação com processo comum foi intentada por J, com domicílio na Avenida x contra A, com domicílio na Rua y, peticionando: 1). Condenado o réu a reconhecer que o prédio urbano identificado na petição inicial é um bem próprio da autora; 2). Seja declarado extinto o direito de habitação constituído em favor do réu, e condene este a deixar o imóvel, entregando-o, na sua totalidade livre e devoluto, à autora.

3). Sendo o réu condenado e caso este não cumpra pacificamente o determinado, seja condenado a pagar a autora a quantia de 500,00€ por dia de incumprimento.

A fundamentar estes pedidos alega em síntese que: As partes contraíram núpcias em 29 de Dezembro de 1991, cujo regime adoptado foi o da comunhão de adquiridos; A relação matrimonial foi dissolvida por divórcio, decretado por sentença de 03/03/2015, com seu trânsito em julgado datado de 24/04/2015; Na conferência de interessados, a autora acordou que o réu poderia habitar a casa de morada de família até a partilha; Acontece, que a autora é dona e legítima possuidora do prédio rústico, sito no Lugar Z, hoje inscrito na matriz predial rústica sob o art...

Através da escritura de justificação, lavrada no Cartório Notarial de Vila Real em 21 de agosto de 1996, os senhores J e M regularizaram o direito de propriedade do prédio rústico descrito em 4º adquirindo-o por usucapião e os mesmos doaram à filha, aqui autora, o respectivo prédio rústico; onde existiu o prédio rústico, de propriedade da autora, foi edificada a habitação de morada da família, e essa edificação está descrita na Conservatória do Registo Predial de Vila Real sob o n.º…, passando então a existir um prédio urbano em nome da autora.

O Réu A, citado pessoalmente, aduziu contestação, arguindo a ineptidão da petição inicial por ininteligibilidade e impugnando, genericamente, as alegações da Autora.

Concluiu, propugnando a improcedência da acção.

Seguiu-se saneador sentença que julgou improcedente a excepção de nulidade de todo o processo por ineptidão da petição inicial, afirmou a validade e regularidade da instância e considerando que os autos condensam todos os elementos fácticos necessários para o imediato conhecimento do mérito da acção, sem carecer de produção de outras provas proferiu sentença que terminou com o seguinte dispositivo: Pelo supra exposto, julga-se a acção parcialmente procedente e, consequentemente, decide-se: A). Condenar o Réu A a reconhecer que o prédio urbano descrito nos artºs. 15.º) e 16.º) da petição inicial é um bem próprio da Autora J; B). Absolver o Réu A do demais peticionado; C). Condenar o Réu A e a Autora J pagamento das custas processuais em função do respectivo decaimento, fixando-se a responsabilidade do Réu em 4/5 e da Autora em 1/5.

* Registe e notifique.

Inconformado com a sentença o réu apresenta recurso que remata com as seguintes conclusões: 1 – Quanto à matéria de facto o tribunal a quo entendeu que os autos condensam os elementos fácticos necessários para o conhecimento imediato do mérito da ação sem carecer da produção de outras provas, ora com o devido respeito, tal não se verifica, nem podia o tribunal a quo ter seguido tal caminho para chegar à decisão final sob pena de um non liquet e a nulidade da decisão cf. Art.º 608. º e 615.º do CPC.

2 - Deverá ser ordenado ao tribunal que tome posição quanto à questão do direito de propriedade sobre a casa aqui em apreço, decidindo assim sobre a questão material, analisando os factos da petição inicial, à luz da impugnação produzida em contestação pelo réu, após a produção da prova aduzida pelas partes e atentando ao ónus da impugnação especificada observado pelo réu.

3 - Para chegar à decisão aqui em crise o tribunal a quo funda-se apenas na presunção decorrente do registo a favor da autora, ora tal presunção pode ser nos termos da lei ilidida, desígnio que só poderá ser alcançado pela produção de prova, nomeadamente testemunhal em audiência de julgamento, o que não se conforma com a decisão aqui posta em crise por parte do apelante.

4- Sendo o objeto dos autos e causa de pedir o direito de propriedade exclusiva da autora, no que respeita ao prédio rustico que adquiriu por doação, determinar que a construção da casa hoje nele implantada foi promovida a custeada pelo ex. casal, é pertinente para a decisão, determinar sem mais que não existe necessidade de produzir qualquer prova leva à sentença ora em crise que, com o devido respeito, é nula por falta de fundamentação.

5 - A prova requerida é pertinente e nuclear ao objeto dos autos, com a decisão proferida o tribunal violou o disposto no artigo 588º do C.P.C. e deve ser substituída por outra que determina a produção da prova requerida em audiência de julgamento.

6 - Quanto ao direito de propriedade exclusivo da autora, a presente ação é uma ação de reivindicação sobre um prédio urbano sobre o qual a própria autora reconhece ter havido contribuição por parte do réu no que á construção diz respeito.

7 - Nos n.ºs 22.º a 26.º da petição inicial é a própria autora que começa por reconhecer a contribuição do réu nas despesas tidas pelo ex. casal para a construção da casa para terminar por requerer ao tribunal a nomeação de um perito que faça essa avaliação das despesas do ex. casal.

8 - Sem qualquer fundamento legal, o tribunal a quo desatende esta parte da petição inicial e do pedido, especificadamente impugnada pelo réu, e toma apenas posição quanto à questão do direito de propriedade da autora quanto à casa em apreço.

9 - Prescreve o artigo 1403º, nº1, do CC, que “existe propriedade em comum, ou compropriedade, quando duas ou mais pessoas são simultaneamente titulares do direito de propriedade sobre a mesma coisa”.

10 - Por sua vez, nos termos do nº2 do mesmo artigo “os direitos dos consortes ou comproprietários sobre a coisa comum são qualitativamente iguais, embora possam ser quantitativamente diferentes; as quotas presumem-se, todavia, quantitativamente iguais na falta de indicação em contrário do título constitutivo”, ora, vertendo ao caso dos autos, constata-se que a autora e o réu encontravam-se casados sob o regime supletivo da comunhão de adquiridos.

11 - Assim sendo, em caso de dúvidas sempre haveria que se concluir no sentido de que o imóvel em discussão não se encontra na propriedade exclusiva da autora, antes devendo ter-se o mesmo como pertencente em compropriedade a ambos os cônjuges.

12 – Face ao alegado pelas partes, que poderia com grande probabilidade ser confirmado pela prova a produzir, houve nos vinte anos de casamento uma contribuição conjunta para o património conjugal do qual faz parte a casa aqui em apreço, cujo prédio aonde foi construída foi adquirido por doação dos pais da autora na constância do casamento, que durou 20 anos durante os quais ambos construíram e fruíram de todos os modos a casa que foi de morada de família até à dissolução do vínculo conjugal.

13 - Como também houve uma utilização conjunta do imóvel, quer pela autora, quer pelo réu, os quais sempre se comportaram publicamente como únicos e exclusivos proprietários do imóvel em discussão, sem oposição, perante todos e ininterruptamente, desde a data da doação do respetivo prédio rustico.

14 - Considerando também o preceituado no artigo 1296º do CC, pode concluir-se que autora e réu, à falta de outro título, adquiriram já o imóvel por usucapião, sendo certo que, à falta de outra prova, deverá considerar-se que o mesmo se encontra em compropriedade, em quotas qualitativa e quantitativamente iguais.

15 - A usucapião constitui o fundamento primário dos direitos reais na nossa ordem jurídica, não podendo esquecer-se que a base de toda a nossa ordem imobiliária não está no registo, mas na usucapião (Oliveira Ascensão, Efeitos Substantivos do Registo Predial na Ordem Jurídica Portuguesa, ROA, Ano 34, p. 43/46).

16 - Com efeito, a usucapião traduz-se na constituição do direito real correspondente a certa posse, desde que esta se prolongue, com certas características, pelo período de tempo fixado na lei; é um modo de aquisição originária de direitos reais e baseia-se...

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