Acórdão nº 617/12.0TBCMN.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 05 de Janeiro de 2017

Magistrado ResponsávelJORGE TEIXEIRA
Data da Resolução05 de Janeiro de 2017
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães.

I – RELATÓRIO.

Recorrente: AA.

Recorrido: BB.

Tribunal Judicial de Viana do Castelo – Instância Central, Secção Cível, J3.

BB, NIF xxxxxxxxx, viúvo, residente no lugar LL, Valença, intentou acção declarativa que seguiu sob a forma ordinária, contra AA, NIF yyyyyyyyy, divorciada, residente na Rua RR, Valença, alegando como fundamento, e em síntese, ter outorgado um contrato de compra e venda com termo de autenticação através do qual transmitiu à Ré a fracção autónoma designada pela letra “G”, destinada a habitação, correspondente ao 2.º andar esq.º, lado Sul, do bloco 1, do prédio urbano sito na Rua RR, freguesia de Seixas, concelho de Caminha, descrito na Conservatória no Registo Predial de Caminha sob o n.º xx e inscrito na matriz predial sob o artigo n.º xxx, da freguesia de Seixas.

Contudo, a Ré não pagou o valor da venda declarado naquele contrato (€ 60.000,00) e o Autor nada recebeu por conta daquele valor porque os contratantes não pretendiam realizar uma verdadeira e efectiva compra e venda daquele bem imóvel, mas antes uma doação com a obrigação de a Ré cuidar do Autor desde aquela data até ao final da sua vida em sua casa (do autor) e, dessa forma, arredar a possibilidade de o filho do Autor reduzir o legado em deixa testamentária ou em doação por inoficiosidade.

Alegou ainda que a Ré não cumpriu aquela obrigação, já que saiu de casa do Autor e foi viver para a fracção autónoma descrita.

Defendeu, por isso, que o referido negócio (compra e venda) é nulo por ter sido simulado e que o negócio dissimulado (doação com cláusula modal), não obstante ser válido, deve ser anulado por incumprimento pela Ré das obrigações subjacentes ao mesmo.

Defendeu ainda que, no caso de não se concluir pela simulação do negócio de compra e venda, sempre se terá de concluir que a Ré não cumpriu com a sua contraprestação de pagar o preço (que alega ter sido também simulado, para a Ré não ter de pagar mais imposto de selo).

Nesta hipótese, a Ré deverá pagar ao Autor o valor da referida fracção, que é de pelo menos € 80.000 (em virtude da reparação a que foi sujeita), o valor de € 7.000 referente à mobília e ao equipamento que o Autor colocou na fracção e o valor de € 480 referente ao imposto de selo que o Autor liquidou.

Concluiu, pedindo que a compra e venda da fracção acima identificada seja declarada simulada e, portanto, nula e válido o negócio dissimulado como sendo uma doação com a cláusula modal da Ré cuidar o Autor, em sua casa, até ao final da vida e, em consequência, que a doação da referida fracção seja anulada por incumprimento voluntário da Ré das obrigações que a ela estavam subjacentes, que a Ré seja condenada a desocupar a mesma fracção e que seja ordenado o cancelamento do registo da aquisição da fracção a favor da Ré.

Em alternativa, pediu que a Ré seja condenada a pagar ao Autor a quantia de € 80.000,00, correspondente ao preço do apartamento que ainda não liquidou, a quantia de € 7.000 referente à mobília e ao ar condicionado e a quantia de € 480,00 referente ao imposto de selo devido pela transacção.

Citada, a Ré apresentou contestação, na qual impugnou a versão dos factos apresentada pelo Autor e alegou que foi este que lhe propôs a venda da descrita fracção autónoma, sendo que o respectivo preço corresponderia ao valor do tempo de dedicação e trabalho que lhe tinha prestado até então, diariamente e 24 horas por dia, durante quase 2 anos, proposta que aquela aceitou.

Alegou ainda que foi o Autor que a expulsou de sua casa, razão pela qual passou a residir com as filhas na fracção autónoma referida.

Defendeu, por isso, que não existe fundamento para declarar nulo o contrato de compra e venda ou, caso se entenda que existe uma doação, para resolver ou revogar a doação, concluindo pela improcedência da acção.

O Autor apresentou réplica, na qual alegou que sempre pagou à Ré o trabalho por esta prestado, e ampliou o pedido formulado na al. b) da petição inicial, pedindo que a doação da referida fracção seja resolvida, no caso de se entender que não existe fundamento para a sua anulação.

A Ré apresentou tréplica, na qual pugnou pela inadmissibilidade da réplica e pela consequente nulidade deste acto, e pronunciou-se sobre a ampliação do pedido formulado pelo Autor, alegando que o exercício do direito à resolução da doação pressupõe que o mesmo esteja previsto no respectivo contrato, o que não sucede no caso dos autos, razão pela qual deve ser julgado improcedente o pedido de resolução da doação formulado pelo Autor.

Foi admitida a ampliação do pedido formulado pelo Autor e realizada a audiência prévia.

Na audiência prévia, o Autor desistiu dos pedidos formulados nas als. a), b), c) e d) da petição inicial e do pedido formulado na réplica, desistência que foi homologada por sentença já transitada em julgado.

Na mesma diligência, foi também julgada nula a réplica apresentada pelo Autor, salvaguardando-se apenas os efeitos decorrentes da ampliação do pedido, e consideradas não escritas aquela réplica e a tréplica.

Foi proferido o despacho saneador, identificado o objecto do litígio e enunciados os temas de prova.

Realizado o julgamento, foi proferida sentença onde, após responder à matéria de facto controvertida, se decidiu julgar parcialmente procedente a acção e, em consequência, condenar a Ré a pagar ao Autor a quantia de € 60.000,00 (sessenta mil euros), absolvendo a Ré do demais pedido.

Inconformado com tal decisão, apela a Ré, e, pugnando pela respectiva revogação, formula nas suas alegações as seguintes conclusões: 1 - O Autor outorgou um contrato de compra e venda com termo de autenticação através do qual transmitiu à Ré a fracção autónoma designada pela letra “G”, destinada a habitação, correspondente ao 2.º andar esq.º, lado Sul, do bloco 1, do prédio urbano sito na Rua RR, freguesia de Seixas, concelho de Caminha, descrito na Conservatória no Registo Predial de Caminha sob o n.º xx e inscrito na matriz predial sob o artigo n.º xxx, da freguesia de Seixas.

2 - Este invoca que a Ré não pagou o valor da venda declarado naquele contrato (€ 60.000,00) e o Autor nada recebeu por conta daquele valor porque os contratantes não pretendiam realizar uma verdadeira e efectiva compra e venda daquele bem imóvel.

3 - Peticionou assim, que a Ré fosse condenada a pagar ao Autor a quantia de € 80.000,00, correspondente ao preço do apartamento que ainda não liquidou, a quantia de € 7.000 referente à mobília e ao ar condicionado e a quantia de € 480,00 referente ao imposto de selo devido pela transacção.

4 - A Ré, aqui Recorrente, apresentou contestação, na qual impugnou a versão dos factos apresentada pelo Autor e alegou que foi este que lhe propôs a venda da descrita fracção autónoma, sendo que o respectivo preço corresponderia ao valor do tempo de dedicação e trabalho que lhe tinha prestado até então, diariamente e 24 horas por dia, durante quase 2 anos, proposta que aquela aceitou.

5 – A Mmª Juiz a quou considerou os seguintes elementos e decidiu neste sentido: - “O Autor alegou que, não obstante ter declarado que recebeu o preço da venda da descrita fracção autónoma, a Ré nunca lhe pagou tal preço.

- A Ré, por seu turno, alegou que não tinha dinheiro para pagar o preço da referida fracção, pelo que foi acordado entre as partes que o preço corresponderia ao valor do tempo de dedicação e trabalho que a mesma tinha prestado até então ao Autor, diariamente e 24 horas por dia, durante quase 2 anos, já que não tinha recebido nenhum dinheiro por tal trabalho.

- Questionada sobre tal matéria, a testemunha EE afirmou que a Ré (sua mãe) nunca pagou o preço daquela fracção ao Autor (porque não tinha dinheiro) e que nunca ouviu o A. dizer que a referida fracção se destinava a pagar ou a compensar o trabalho e os cuidados que a Ré lhe prestou.

- A testemunha referida infirmou, assim, a versão da Ré na parte em que alegou que foi acordado entre as partes que o preço corresponderia ao valor do tempo de dedicação e trabalho que a mesma tinha prestado até então ao Autor, diariamente e 24 horas por dia, durante quase 2 anos.

- Não se vislumbra qualquer motivo para duvidar do relatado por esta testemunha, cujo depoimento se nos afigurou, apesar da juventude, espontâneo, maduro, consistente e verosímil e, por isso, credível, acrescentando-se que se a versão apresentada pela Ré correspondesse, nesta parte, à verdade, a referida testemunha não poderia deixar de ter conhecimento da mesma e de a confirmar em juízo.

- Por tal motivo, o tribunal considerou provado que o Autor não recebeu o preço da venda à Ré da referida fracção.” 6 - A Mmª. Juiz a quo considerou no ponto 12 dos factos provados que “O Autor não recebeu o preço da venda realizada através do contrato descrito em 10) (art.ºs 24.º, 44.º e 50.º da p.i.)”; 7 - No entendimento da recorrente, esta interpretação dada pela Mmº. Juiz a quo ao depoimento prestado pela testemunha EE está errada e não corresponde à realidade dos factos.

8 – A testemunha não sabe porque motivo o Autor comprou o apartamento para a Ré, pelo que se transcreve parte do depoimento da testemunha “Pois, n sei., mas é assim…na altura se calhar foi um bocado por pena.(…), É assim, isto é a minha opinião, é o que eu penso (…). Eu nunca ouvi porque o que eles falavam, falavam entre eles…essas conversas não me competiam a mim”.

9 – Ora, se a testemunha desconhece um facto, o tribunal não pode, com fundamento no depoimento da menor, considerar provado o facto contrário. Ou seja, 10 – se a testemunha no seu depoimento afirma não saber se o preço constante da escritura em causa foi pago, não pode legitimamente concluir-se, como se fez na douta decisão em apreço, que do mesmo depoimento resultou que o preço não foi pago.

11 – Importa assim, antes de mais, a eliminação do facto dado como provado sob o nº 12 da douta sentença, que deverá transitar para os factos não provados, alterando-se a correspondente matéria de facto e respectiva solução de...

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