Acórdão nº 261/14.8TBVRL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 23 de Março de 2017
Magistrado Responsável | JO |
Data da Resolução | 23 de Março de 2017 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães: I- Relatório 1- C, intentou a presente ação declarativa, sob a forma comum, contra, F, alegando, em breve resumo, que, no ano de 2009, celebrou com esta sociedade um contrato de mediação imobiliária, sem exclusividade, mediante o qual se comprometeu a promover e a mediar a venda de determinadas frações autónomas àquela pertencentes, que identifica, auferindo como contrapartida pela sua atividade uma comissão de 5% sobre o preço final acordado.
Sucede que a Ré, ao contrário do convencionado, não lhe pagou essa comissão num negócio que foi por si angariado.
Por isso mesmo, pede que a Ré seja condenada a pagar-lhe a quantia de 8.000,00€, acrescida de IVA, à taxa legal de 23%, o que perfaz o montante de 9.840,00€, a título de remuneração devida pela mediação, encontrada por aplicação da percentagem de 5% sobre o valor pelo qual foi prometido vender o imóvel, e subsidiariamente, a condenação da Ré no pagamento da quantia de 7.500,00€a qual, acrescida de IVA à taxa legal de 23%, perfaz o montante de 9.225,00€, a título de remuneração devida pela mediação, encontrada por aplicação da percentagem de 5% sobre o valor da compra e venda declarado na escritura, ou a apurar-se que o preço real que as partes venderam e compraram a fração em causa foi superior ao preço declarado na escritura, o valor encontrado por aplicação da percentagem de 5%, acrescida de IVA, sobre o valor da compra e venda e em qualquer dos casos a quantia respeitante aos juros de mora calculados à taxa supletiva comercial, desde a data da celebração do contrato-promessa, 20/07/2013, até efetivo e integral pagamento e que ascendem na data da propositura da ação a 401,54€ ou, caso assim não se entenda, desde a data da celebração do contrato definitivo, 07/08/2013, até efetivo e integral pagamento.
2- Contestou a Ré refutando esta pretensão, porquanto diz nunca ter celebrado com a A. o convénio por esta referido. Aliás, a provar-se que tal contrato existiu, então terá de ser declarado nulo por falta de forma.
3- Em articulado autónomo veio a A. pedir a condenação da Ré como litigante de má-fé, invocando o abuso de direito na alegação de nulidade do contrato, o que a Ré, em resposta, refutou.
4- Terminados os articulados, instruída e julgada a causa, foi proferida sentença que julgou a presente ação parcialmente procedente e condenou a Ré a pagar à A. a quantia de 2.250,00€, acrescida de IVA à taxa legal, absolvendo-a do mais pedido.
5- Inconformada com esta sentença, reagiu a A., interpondo recurso, que remata com as seguintes conclusões: “I. O presente recurso tem como objecto, quer a decisão sobre a matéria de facto, quer a fundamentação jurídica e as questões de direito, as quais foram incorrectamente julgadas pelo tribunal recorrido.
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Os depoimentos produzidos em sede de audiência de discussão e julgamento, quer do representante legal da Apelante, quer da testemunha D, quer mesmo do representante legal da Apelada, impõem uma diferente decisão sobre a matéria de facto, no sentido de serem dados como provados os factos constantes dos n.ºs 1 e 4 dos factos não provados.
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Existe uma contradição insanável entre a decisão sobre a matéria de facto, mormente quanto à circunstância de ter sido dado como não provado o facto n.º 1 dos factos não provados, e a decisão sobre a matéria de direito.
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Com efeito, se - como refere a Meritíssima Juiz a quo – “é do conhecimento comum” que as empresas de mediação imobiliária cobram uma comissão correspondente a 3% a 4% sobre o valor da venda, deveria, por recurso às regras de experiência comum, ser dado como provado que “no âmbito do acordo referido em 4. dos factos provados, a Ré obrigou-se a pagar à Autora, a título de remuneração/comissão, a quantia correspondente a 3% (três por cento) calculada sobre o preço que viesse a ser acordado com o terceiro interessado para a pretendida compra e venda de cada fracção, acrescida de IVA à taxa legal em vigor.” V. Da fundamentação da sentença resulta que, afinal, o tribunal ficou convencido que a comissão estabelecida entre a Apelante e a Apelada era de 3% sobre o valor do preço, acrescido de I.V.A., facto que terá sido confessado pelo representante legal daquela.
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Relativamente à subsunção jurídica efectuada pela Meritíssima Juiz a quo, a mesma não se mostra correcta, quer no que diz respeito à decisão de improcedência da excepção peremptória impeditiva de verificação de abuso de direito decorrente da invocação da nulidade do contrato de mediação imobiliária em apreço, quer quanto à determinação dos efeitos jurídicos decorrentes da declaração dessa nulidade.
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Quanto à decisão de improcedência da excepção peremptória impeditiva de verificação de abuso de direito decorrente da invocação da nulidade do contrato de mediação imobiliária em apreço, não se entende a relevância da falta de alegação de “um contrato genérico baseado em usos e costumes”.
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Dos autos resulta uma violação flagrante das obrigações secundárias, senão mesmo laterais, que decorrem do princípio da boa-fé, nascidas por efeito da celebração e execução de um contrato que se prolongou durante, pelo menos, quatro anos, não estando em causa quaisquer usos ou costumes.
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Ao arguir a nulidade do contrato de mediação imobiliária, a Apelada exerceu, abusivamente, um direito que abstractamente lhe poderia assistir, na modalidade de venire contra factum proprium.
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Afigura-se manifestamente ilegítimo a Apelada comportar-se durante anos como parte de um contrato válido, aproveitando-se das vantagens e do trabalho desenvolvido pela Apelante em execução do mesmo (factum proprium), e, posteriormente, após a conclusão do negócio visado pelo contrato de mediação, assumir uma conduta contrária, mediante a invocação de uma invalidade atípica desse mesmo contrato com o intuito de não ter de pagar a respectiva contrapartida e nada desembolsar.
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O funcionamento do instituto do abuso de direito obsta, in casu, a que a nulidade produza os seus efeitos, sendo o contrato de mediação imobiliária válido.
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Por outro lado, a fundamentação da sentença, nesta parte, está em contradição com o facto dado como provado sob o n.º 4.
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É inequívoca a existência de um contrato genérico que vincula as partes independentemente do imóvel a vendar.
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Como pode a Meritíssima Juiz a quo dar como provado que, em 2009, foi celebrado um contrato de mediação que se referia a um conjunto de fracções autónomas todas integradas nos lotes 7 e 8, e, seguidamente, não tomar em consideração que tal facto, por si só, configura um contrato suficientemente genérico que vincularia as partes independentemente do imóvel a vender? XV. Dada a matéria de facto dada como provada e a fundamentação sobre a mesma, e atendendo-se ao depoimento das testemunhas nos termos supra referidos e mesmo ao depoimento do representante legal da Apelada, deverá entender-se que estão verificados, in casu, os requisitos legais constantes da sentença para a verificação da excepção de abuso de direito.
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Face ao teor dos factos provados nos n.º 4, 8,9 e 10, é evidente a existência de uma situação objectiva de confiança, nomeadamente a existência de uma relação contratual desde 2009 até pelo menos 2013, e, assim, durante o período mínimo de quatro anos.
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E dúvidas não existem de que a Apelante investiu nessa confiança, quer porque trabalhou durante anos para a Apelada sem nunca ter exigido a redução a escrito de qualquer contrato, quer porque tirou fotos ao imóvel, publicitou-o e esteve na posse da respectiva chave mestra, que permitia o acesso a todas as fracções.
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Por fim, resultando da sentença a afirmação de que “F referiu que a Autora costumava angariar compradores para os apartamentos que construía” -, não se extrai imediatamente da mesma a existência de uma relação contratual duradoura e genérica com a Apelante? XIX. A fundamentação da sentença, nesta parte, não convence e é destituída de qualquer mérito, violando expressamente o artigo 334.° do CC, pelo que deverá considerar-se não verificada a nulidade do contrato de mediação e que este é plenamente válido e eficaz.
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Resulta do exposto que, considerando-se como provado que a comissão acordada era de 5% sobre o preço de venda, que foi de € 150.000,00 (cento e cinquenta mil euros), a Apelante tem direito à remuneração no montante de €7.500,00 (sete mil e quinhentos euros), acrescidos de I.V.A. à taxa legal em vigor, bem como aos juros de mora vencidos desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.
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Ou à remuneração de €4.500,00 (quatro mil e quinhentos euros), acrescida de I.V.A. à taxa legal em vigor, bem como aos juros vencidos desde a data da citação até efectivo e integral pagamento, caso se conclua que a comissão era de apenas 3% do preço oferecido pelo comprador.
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Mesmo que se entenda que não se verifica, in casu, a excepção de abuso de direito, sempre importa referir que, face ao regime jurídico dos efeitos da declaração de nulidade, a Apelante mantém o direito à remuneração nos termos acima referidos.
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Tendo por base o disposto no artigo 289.°, n.º 1, do CC, a Meritíssima Juiz a quo, contrariamente àquilo que consta da sentença, deveria ter propugnado um critério mais justo para avaliar os serviços prestados pela Apelante, designadamente porque estes conduziram à aproximação das partes e à concretização do negócio jurídico de compra e venda realizado.
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Tal critério, segundo a jurisprudência pátria dominante, corresponde à comissão acordada entre as partes - in casu, 5% sobre o valor da venda, acrescido de I.V.A. à taxa legal (ou 3%, caso se determine que a comissão deverá cifrar-se nessa percentagem) -, bem como aos juros vencidos desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.
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Não se conforma a Apelante com o facto de a Meritíssima Juíza a quo ter decidido fixar uma compensação de 1,5% (ou seja, metade da comissão genericamente contratualizada), tendo por base a circunstância de aquela não ter diligenciado nem preparado os actos e...
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