Acórdão nº 14/15.6GAGMR - G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 20 de Março de 2017

Magistrado ResponsávelMARIA DOS PRAZERES SILVA
Data da Resolução20 de Março de 2017
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães I – RELATÓRIO: Nos presentes autos de processo comum, com intervenção do tribunal coletivo, foram submetidos a julgamento os arguidos J. R. e J. M.

, tendo sido proferido acórdão que condenou os arguidos nos termos seguintes: a) o arguido J. R.: · pela prática de um crime de Tráfico de estupefacientes p. e p. pelo art. 21º/1 do D.L. 15/93 de 22 de Janeiro, com referência às Tabelas I-A e I-B anexas a tal diploma, na pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão; · pela prática de dez crimes de condução de veículo automóvel sem habilitação legal p. e p. nos termos do nº 1 e 2 do art. 3º do D.L. nº 2/98 de 3 de Janeiro, numa pena de 3 (três) meses de prisão por cada um dos crimes; · Em cúmulo jurídico, na pena única de 5 (cinco) anos de prisão, suspensa na sua execução, por igual período, sujeita a regime de prova a definir pela DGRS, que abranja o tratamento à problemática aditiva; b) o arguido J. M.: · pela prática de um crime de Tráfico de estupefacientes p. e p. pelo art. 21º/1 do D.L. 15/93 de 22 de Janeiro, com referência às Tabelas I-A e I-B anexas a tal diploma, na pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão; · pela prática de um crime de detenção e arma proibida p. e p. pelo disposto no art. 2º/1 al a) e d) do nº 1 do art. 86º da Lei 5/2006 de 23 de Fevereiro, na pena de 1 (um) ano de prisão.

· Em cúmulo, na pena única de 5 (cinco) anos de prisão.

*Inconformado com o acórdão condenatório, o arguido J. M.

interpôs o presente recurso, apresentando a motivação que remata com as seguintes CONCLUSÕES: Primeira: O presente recurso tem por objeto os segmentos decisórios constantes das als. e), Q e g) da decisão condenatória.

Segunda: Com todo o respeito, não é rigoroso e não tem correspondência com os factos provados o que consta da fundamentação relativamente ao número de transações, ao número de consumidores envolvidos e ao número de doses individuais que seria possível obter com a droga apreendida ao Recorrente, porquanto: ao ora Recorrente são imputadas 49 transações - cf. pontos 22 a 2$ dos factos provados - e não 72, como consta da fundamentação; o ora Recorrente vendeu produtos estupefacientes a 24 consumidores - cf. pontos 22 a 28 dos factos provados - e não 72, corno consta da fundamentação: e não existe nenhum dado que permita determinar o número de doses individuais que seria possível obter com a droga apreendida ao Recorrente, tanto mais que os relatórios dos exames periciais toxicológicos não o calcularam, nem determinaram o grau de pureza das substâncias - cf. fis. 194, 195, 196, 197, 198, 199, 200, 201, 639 e 646 -, pelo que não tem sustentação a afirmação que consta da fundamentação de que “ao arguido J. M. foi apreendida uma quantidade de heroína e de cocaína suficiente para algumas dezenas de doses individuais”.

Terceira: Resulta dos factos provados que a atividade de tráfico do Recorrente foi exercida do seguinte modo: - estabelecia o contacto direto com os toxicodependentes, consumidores finais, sem recurso a intermediários, ocupando, portanto, a posição mais baixa na cadeia de distribuição do produto estupefaciente, que também se pode designar por “traficante de rua” - cf. pontos 1, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 19, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27 e 28 dos factos provados; - utilizou 2 telemóveis, que são meios habituais que as pessoas usam para comunicarem - cf. ponto 20 dos factos provados; - as quantidades cedidas oscilavam entre 1 e 4 doses, e a compensação monetária variava entre os valores de 5 € e 20 € - cf. pontos 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27 e 2$ dos factos provados; - a atividade prolongou-se entre o dia 29/12/2015 e o dia 20/04/20 16, ou seja, por menos de 4 meses - cf. pontos 1, 22, 23, 24, 25, 26, 27 e 28 dos factos provados; - os instrumentos de corte e embalagem não eram especialmente sofisticados - cf. ponto 29 dos factos provados; - as transações ocorreram todas dentro da área geográfica da cidade de Guimarães, sendo que a grande maioria ocorreu à porta da residência do Recorrente - cf pontos 1,2,9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 19, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27 e 28 dos factos provados; - o Recorrente não recorreu a quaisquer meios de transporte - cf pontos 1, 2, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 19, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27 e 28 dos factos provados; - apesar de ter sido sujeito a vigilâncias e a sua casa tenha sido objeto de buscas, não foram detetados quaisquer sinais exteriores de riqueza, e o Recorrente não retirou dessa atividade quaisquer lucros extraordinários que lhe permitissem um estilo de vida com quaisquer luxos - cf. pontos 29 e 45 dos factos provados; - no âmbito das buscas feitas à sua residência foram apreendidos 0,150 gramas de heroína (peso líquido) 0,049 gramas de cocaína (peso líquido), 0,207 gramas de heroína (peso líquido) e 0,121 gramas de cocaína (peso líquido), ou seja quantidades pequenas e residuais - cf. ponto 29 dos factos provados; - o Recorrente era, ao mesmo tempo, consumidor de cocaína e heroína, produtos que vendia no âmbito da sua atividade de tráfico - cf. ponto 45 dos factos provados.

Quarta: Sobre o sentido da distinção entre o crime base de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo art. 21.º Dec.-Lei n.º 15/93, de 22-01 e o crime de tráfico de menor gravidade p. e p. pelo art. 25.º do referido diploma, v. o ac. do STJ de 13-02-2003, no proc. 03P167 (CARMONA DA MOTA) - disponível através do sítio www.dgsi.pt/stj -, com referência a EDUARDO MAIA, Direito Penal da Droga, RMJ 74-103, pp. 114 e ss., designadamente as passagens transcritas supra em 7.º.

Quinta: Da prática judiciária, resulta a densificação do conceito de ilicitude “consideravelmente diminuída” para efeitos do disposto no art. 25.º do Dec.-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro e nesse sentido, são da maior relevância o ac. STJ de 23/11/2011, no proc. 127/09.3PEFUN.S1 e o ac. do STJ de 02/10/2014, proc. 45/12.8SWLSB.S1 (consultados através do sítio www.dgsi.pt/jstj), com transcrição parcial supra em 8.º e 9.º.

Sexta: Do confronto entre os factos provados e o conceito jurídico de ilicitude “consideravelmente diminuída”, para efeitos do disposto no art. 25.º, al. a), do Dec.-Lei 15/93, de 23 de Fevereiro, em especial o resultante da densificação feita nos acórdãos do STJ de 13-02-2003, de 23/11/2011 e de 02/10/2014, supra citados, resulta que a ilicitude da atividade desenvolvida pelo Recorrente se mostra “consideravelmente diminuída”, pelo que a decisão do douto acórdão, que condenou o Recorrente pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo art. 21.º do Dec.-Lei n.° 15/93, de 22-01, enferma de erro de julgamento e deve ser revogada e substituída por outra que qualifique o crime como tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo art. 25.º do Dec.-Lei n.° 15/93, de 22-01, com as legais consequências.

Sétima: Os factos de que o Tribunal a quo se serviu para sustentar a decisão de condenação do Recorrente pela prática de um crime de detenção de arma proibida p. e p. pelo disposto nos arts. 2.º, n.º 1, al. a) e 86.º, n.º 1, al. d), ambos da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, na pena de 1 (um) ano de prisão, são os constantes dos pontos 29 e 36 dos factos provados, e que são os seguintes: “29. Ainda no dia 20 de Abril de 2016, entre as 21h50 e as 22h45, foi efectuada busca na residência do arguido J. M., sita em Rua … - Guimarães, no decurso da qual foi encontrado e apreendido o seguinte. (..) No quarto do arguido: (...) - Um aerossol de defesa, da marca “CEM”, que se encontrava no interior da gaveta da mesa-de-cabeceira (..) 36. Já o arguido J. M., atuou também deforma livre, voluntária e consciente, aquando da detenção do acima identificado aerossol de defesa e apesar de bem saber que não tinha qualquer autorização legal para tal e que esse objeto, cujas características conhecia, era de detenção e uso proibidos e punidos legalmente.” Oitava: Não consta dos factos provados qualquer referência ao conteúdo do referido aerossol de defesa, da marca “CBM”, designadamente quanto às suas quantidades, composição, princípio ativo, ou grau de concentração, ou sequer que estivesse apto a produzir qualquer tipo de descarga e quais os seus possíveis efeitos, e daquilo que o subscritor deste recurso pôde constatar por consulta do processo, não foi feito qualquer exame pericial ao referido aerossol, pelo que nem sequer existiria prova suficiente para dar como provadas as características e conteúdo do referido aerossol.

Nona: A mera referência a um aerossol de defesa, da marca “CBM” nos factos provados é manifestamente insuficiente para se julgar preenchido o elemento objetivo do crime previsto no art. 86.º, n.º 1, al. d) da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro.

Décima: A decisão do Tribunal a quo, que condenou o ora Recorrente pela prática de um crime de detenção de arma proibida enferma de erro de julgamento, viola o disposto no art. 86.º, n.º 1, al. d) da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, e deve ser revogada e substituída por outra que absolva o ora Recorrente da prática desse crime, com as legais consequências.

Décima Primeira: O facto de a atividade de tráfico de estupefaciente desenvolvida pelo Recorrente ter sido exercida do modo descrito na Conclusão Terceira que antecede, a que acrescem: - a confissão praticamente integral e sem reservas, com evidente contributo para a descoberta da verdade material - cf. ponto 42 dos factos provados; - o arrependimento sincero que revelou - cf. ponto 42 dos factos provados; - o facto de manter um comportamento adequado à normas vigentes - cf. ponto 45 dos factos provados; e o facto de ter vindo a cumprir o tratamento à problemática da toxicodependência, frequentemente associado à prática do crime de tráfico de estupefacientes - cf. ponto 45 dos factos provados; são circunstâncias que diminuem por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente e a necessidade da pena, e que, por força do disposto no art. 72.º, n.º 1 e n.º 2, als, e) e d) do Código Penal, determinam a...

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