Acórdão nº 1032/15.0T9TBRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 20 de Março de 2017

Magistrado ResponsávelAUSENDA GON
Data da Resolução20 de Março de 2017
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães:No processo comum singular nº 1032/15.0T9BRG, da Instância Local, 2ª Secção Criminal da Comarca de Braga, o arguido J. R.

foi julgado e condenado, por decisão proferida e depositada a 30/09/2016, como autor material, de um crime de desobediência, previsto e punido pelo artigo 348º, nº 1, al. a), do Código Penal, na pena de 70 (setenta) dias de multa, à taxa diária de € 6, perfazendo o valor total de € 420 (quatrocentos e vinte euros).

*Inconformado com a referida decisão, o arguido interpôs recurso, rematando a sua motivação com as seguintes conclusões: I- «O presente recurso tem como objecto parte da matéria de facto e toda a matéria de direito da sentença proferida nos presentes autos, a qual veio a condenar o Recorrente como autor material da prática de 1/ um crime de desobediência p. e p. p. art. 348º nº l, a1. a) do Código Penal, na pena de 70 (setenta) dias de multa, à taxa diária de 6, (seis euros), perfazendo a multa de €420,00 (quatrocentos e vinte euros).

II- Existem 5 (cinco) factos que foram indevidamente dados como provados, nos termos dos artigos 410.º n.º2 alínea a) e 412.º n.º3 alínea a), ambos do Código do Processo Penal.

III- Quanto ao facto n.º 6 dado como provado o Tribunal a quo olvidou os requerimentos apresentados pelo Recorrente no Tribunal do Trabalho de Braga, onde o Recorrente respondeu à notificação recebida, indicando e alertando para a falta de fundamentação e de razão de tal ordem, carreando prova documental comprovadora da aquisição da propriedade do veículo em meados do ano de 2007, pelo que o facto n.º 6 deveria ter sido dado como não provado.

IV - Quanto ao facto n.º 7 dado como provado, vem a considerar o Tribunal a quo que o Recorrente sempre esteve consciente de que teria obrigação de entregar o veículo, tendo, alegadamente, entendido as ordens que lhe eram dirigidas, o que é totalmente contrário ao teor dos requerimentos apresentados pelo Recorrente e à desistência pelo Sr. M. M. do incidente que a tal notificação deu origem.

V- Em face de tal, o Tribunal a que violou o princípio da livre apreciação de prova nos termos do artigo 127.º do Código do Processo Penal, devendo o facto n.º7 ser dado como não provado.

VI- A sentença recorrida com o seu facto n.º 8 imputa ao Recorrente uma actuação consciente e deliberada, em total desrespeito pela legislação, o que não colhe qualquer fundamento na prova produzida nos autos, de onde se destaca, por exemplo, o teor do requerimento constante a fls. [ ... ] pelo Recorrente, do qual se transcreve o seguinte: "tenho dificuldade em entender porquê a insistência da entrega do carro ao M. M., que me vendeu e recebeu o dinheiro em 2007, porque agora estas manobras do sr. M. M., § entrego as cópias junto com este requerimento".

VII- Dada a total incompreensão do teor dos despachos e da inocente defesa de propriedade que o Recorrente quis legitimamente firmar, deverá o facto n.º 8 ser dado como não provado.

VIII- Quanto ao facto provado com o n.º l0, há um claro desfasamento entre o teor do mesmo e prova carreada para os autos, dado que em momento algum se indicou que o Arguido e Recorrente deixou de ter o referido veículo na sua posse, bem pelo contrário, dado que tal ainda acontece até aos presentes dias.

IX - O Recorrente adquiriu o veículo em meados de 2007 ao Sr. M. M., tendo-se verificado quer os efeitos obrigacionais nos termos do artigo 879.º do Código Civil, quer o efeito real, sendo que apenas não beneficiou da presunção do registo, que, ressalve-se, é ilidível.

X- Atendendo às declarações do Arguido, documentação constante nos autos, depoimento da testemunha D. O. e, sobretudo, depoimento do Sr. M. M. que indicou que" nunca viu o veículo", que apenas actuou como "testa de ferro" e que "o veículo, quando fosse oportuno para o arguido, seria registado em nome deste", deveria o facto n.º l0 passar a ter apresente redacção: "10. Por acordo entre o arguido e M. M., este último seria um "testa de ferro" na apresentação da proposta e consequente venda por negociação particular, sendo o arguido o verdadeiro adquirente do veículo, estando este sempre na posse do identificado veículo." XI- O Tribunal a quo pronunciou-se sobre a declaração de venda que o Sr. M. M. entregou ao Recorrente e ao Arguido no seu facto n.º 11, olvidando, porém, o acompanhamento desta de dois cheques no valor total de €1.600 (mil e seiscentos euros), entregues pelo Arguido e Recorrente ao Sr. M. M. como pagamento do preço do veículo, nos termos e para os efeitos do artigo 879.º do Código Civil, como tal, deverá o facto n.º 11 ser reformulado no sentido de dar como provado que: "No âmbito desse acordo, M. M., entregou ao arguido declaração de venda do veículo, em data não apurada, sendo que o arguido pagou o preço de €1600,00 (mil e seiscentos euros) através dois cheques do Banco Santander Totta com as datas de 20 de Julho de 2007 e 30 de Julho de 2007." XII- Por todo o descrito nas Alegações expostas pelo Recorrente, existe uma clara insuficiência de prova para a matéria de facto dada como provada, e uma consequente violação dos princípios da inocência e do in dubio pro teo, nos termos do artigo 32.º n.º2 da C.R.P.

XIII- Nos termos do artigo 410.º n.º2 alínea b) padece ainda a sentença recorrida de uma clara contradição insanável entre a matéria de facto, fundamentos e decisão, dado que tudo se encontra direcionado para o claro abuso subjacente à actuação do Sr. M. M., que originou um incidente para entrega de um veículo que não era seu, mas que é propriedade do anterior fiel depositário, sendo que os direitos e deveres do Recorrente o são enquanto proprietário e não enquanto qualquer outra função que cessou automaticamente por força da propriedade adquirida.

XIV- Além de que, é totalmente ignorado pelo Tribunal a que o depoimento do próprio Sr. M. M. que espera 8 anos para requerer a entrega de um veículo, que já tinha ele próprio vendido, apenas para tentar fazer uso de mecanismos indevidos para a resolução de uma situação junto da Autoridade Tributária.

XV - Realce-se que o próprio Sr. M. M. acabou por desistir, e bem, do pedido de entrega do veículo, tendo indicado que nunca o tinha visto, que nunca o teve e, ainda, que o veículo estava e era do Arguido apenas faltando o registo que se guardava para um momento "mais oportuno".

XVI- Tendo o Sr. M. M. desistido do pedido de entrega, sustentação houve, e há, para se comprovar o teor de todos os requerimentos, tempestiva e legitimamente apresentados.

XVII- Além de que, prova existe de que o Arguido e Recorrente apenas não entregou o veículo, conforme justificou, no exercício de um direito juridicamente tutelado, o seu direito de propriedade, existindo em consequência a verificação de uma causa de exclusão de ilicitude nos termos do artigo 31.º n.º l e n.º2 alínea b) do Código Penal.

XVIII - Em face do contrato de compra e venda celebrado entre o adquirente por negociação particular e o Recorrente, vislumbra-se inexistir fundamento substancial para a emanação de um despacho com visa à entrega do veículo, o que inquina a validade substancial do acto, e, em consequência, leva ao não preenchimento do elemento objectivo do crime de desobediência p. e. p. no artigo 348.º do Código Penal.

XIX- O artigo 348.º do Código Penal apenas se aplica a práticas dolosas, ora, no caso em concreto do Recorrente, não existe uma prática dolosa mas sim uma prática negligente.

XX- Por força do despacho datado de 2 de Fevereiro de 2016, houve uma anulação, formal, da ordem de entrega do veículo em face da homologação da desistência do incidente suscitado pelo Sr. M. M., que mais não é do que um reconhecimento do direito de propriedade do Arguido, inexiste fundamento para a classificação da conduta do Arguido como crime.

XXI- Com a sentença recorrida violou-se os artigos l5.º, 31.º n.º l e n.º 2 alínea b), 348.º do Código Penal, artigo 355.º do Código do Processo Penal, artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa, artigo 408º, 336.º, 131l.º, 1314.º, 874.º, 875.º e 879.º do Código Civil.

Conclui pedindo que «Deverá ser dado total provimento ao recurso apresentado pelo Recorrente, ser revogada a sentença recorrida e, em consequência, o Recorrente ser absolvido do crime de desobediência em que foi condenado.».

O recurso foi admitido por despacho proferido a fls. 308.

O Ministério Público, junto da 1ª Instância, apresentou resposta à motivação, invocando, como questão prévia, a extemporaneidade do recurso, dizendo, muito em suma, que tendo a decisão sido proferida em 20/09/2016 e as alegações de recurso apresentadas apenas a 4/01/2016 (há um lapso de escrita, pois, a decisão foi proferida em 30/9 e o recurso foi interposto em 4/1/2017), não existem dúvidas de que o recurso foi apresentado muito para além do prazo legal, e por isso, deve ser rejeitado nos termos do art. 414º, nº 2 do CPP. Quanto ao mérito do recurso sustentou que a sentença recorrida não enferma de qualquer vício ou nulidade, tendo a prova sido correctamente apreciada e valorada, não merecendo qualquer reparo. E, neste Tribunal, o Exmo. Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer, limitado apenas à questão da admissibilidade do recurso, esgrimindo vários argumentos, ancorados na jurisprudência, defendendo que o mesmo deve ser rejeitado e que a sua admissibilidade por parte do Tribunal de 1ª Instância não vincula este Tribunal.

Foi cumprido o art. 417º, nº 2, do CPP, tendo o recorrente respondido ao parecer do Ministério Público, dizendo, em suma, que a argumentação da suposta extemporaneidade do recurso, mais não é do que uma clara violação do principio da igualdade granjeado pelo art. 13º da CRP, sendo certo que a Sra. Juíza Titular do processo foi declarando sucessivamente a interrupção do prazo, facto de que o Ministério Público ficou ciente.

Por fim, arguiu a inconstitucionalidade do art. 42º, nº 3 da lei 34/2004, quando interpretado no sentido de negar ao arguido a possibilidade de...

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