Acórdão nº 134/14.4T8VRL.G2 de Tribunal da Relação de Guimarães, 30 de Março de 2017

Magistrado ResponsávelJO
Data da Resolução30 de Março de 2017
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães: I. RELATÓRIO: Inconformados com a sentença que julgou improcedente a acção, os AA AA e mulher, BB, interpuseram recurso, em cuja alegação formularam as seguintes conclusões: 1ª - A douta sentença impugnada é nula na parte em que não conhece de todas as questões suscitadas pelos Autores/Apelantes, a saber: se a falta do gerente convocante, CC, à continuação da assembleia geral da sociedade no dia 2 de setembro de 2014 (cf. fls. 61 e ss e fls. 117 e ss), constitui ou não causa de invalidade das deliberações tomadas nessa mesma assembleia, sobretudo tendo em conta que a Recorrente solicitou diversas informações a esse mesmo gerente; 2ª - Os Apelantes fundaram tal pretensão de invalidade das deliberações tomadas naquela assembleia geral nos artigos 379º, nº 4 (aplicável ex vi do artigo 248º, nº 1), 252º, nº 5, 214º, nº 1 e 290º, todos do Cód. das Sociedades Comerciais (de ora em diante, CSC); 3ª - A omissão absoluta de pronúncia constitui causa de nulidade da sentença, nos termos do disposto nos artigos 608º, nº 2 e 615º, 1, al. d) do CPC que para todos os efeitos legais se invoca para ser declarada, com as legais consequências; Sem prescindir; 4ª - Quanto à questão da invalidade da deliberação impugnada de destituição do Apelante por violação do direito especial de gerência, a interpretação do contrato de sociedade, ao abrigo dos critérios legais definidos nos artigos 236º, nº 1 e 238º, nº 1 do Código Civil determina que do texto do artigo 8º do contrato de sociedade se retire a existência de um direito especial de gerência a favor do gerente destituído por mera deliberação da assembleia geral da Recorrida; 5ª - Com efeito, a existência do ponto 1 do artigo 8º do contrato de sociedade, só tem utilidade se do mesmo se retirar que não está vedado pelo contrato de sociedade que a Recorrida tenha mais do que dois gerentes, no entanto, nas deliberações que não sejam de mero expediente é necessária a assinatura “dos dois gerentes” identificados expressamente no mesmo contrato e não de outros; 6ª - Porquanto, a douta sentença impugnada, a este propósito, violou o disposto nos artigos referidos do Cód. Civil e ainda o disposto nos artigos 252º, nº 1 e 257º, nº 3 do CSC; 7ª - Quanto à questão da presidência por terceiro não sócio da assembleia geral da recorrida, o erro de julgamento assacado à douta sentença impugnada traduz-se em não ter distinguido entre a possibilidade conferida pelo contrato de sociedade de os sócios se poderem fazer representar nas assembleias gerais, com a imposição do artigo 248º, nº 4 do CSC de a assembleia ser presidida pelo sócio nela presente que possuir ou representar maior fração de capital social, preferindo-se, em igualdade de circunstâncias, o mais velho, deste modo decidindo contra aquela norma ao considerar que o representante não sócio podia presidir à assembleia cujas deliberações foram impugnadas nos autos; 8ª - Salvo melhor entendimento, a violação do preceito referido conduz à invalidade das deliberações, devido à ilegalidade resultante da presidência ter sido assumida por terceiro não sócio, ao arrepio do supra referido dispositivo legal; 9ª - Quanto ao direito à informação, o Tribunal “a quo” errou no julgamento ao ter considerado que os esclarecimentos prestados pela representante do sócio CC no início da assembleia geral serem suficientes para satisfazer a demanda de informação ao gerente convocante e ainda por considerar que a questão da convocatória não referir como fazendo parte da ordem de trabalhos a destituição do gerente com invocação de justa causa constitui uma questão colateral; 10ª - Ressalvando sempre melhor entendimento, os Recorrentes não se conformam que tendo a convocatória como ponto da ordem de trabalhos apenas a destituição do gerente AA, que na assembleia tenha sido discutida e aprovada a destituição por justa causa, sem que o gerente convocante tenha sequer estado presente e prestado as informações solicitadas, nomeadamente pelo representante da Recorrente; 11ª - O erro de julgamento apontado à douta sentença emerge, desde logo, de considerar que a ilustre representante do sócio CC na assembleia geral podia prestar as informações solicitadas, porém, uma vez que, a mesma não estava mandatada para representar a gerência e, como se defendeu supra, nem tal mandato podia ser conferido para este efeito, mas ainda que o pudesse ser, sendo a gerência plural, tal mandato só poderia ter sido atribuído pelos dois gerentes face ao disposto no artigo 8º do contrato de sociedade: “Para obrigar a sociedade em todos os seus atos e contratos é necessária assinatura dos dois gerentes, sendo suficiente a assinatura de um só gerente para expediente”, cfr. doc. fls. 53 e 54; 12ª - Assim, não estando presente o gerente convocante da assembleia geral, a quem foram dirigidos os pedidos de informação, nenhum dos pedidos de informação foi satisfeito, não se aceitando, ao contrário do que está imanente à douta sentença impugnada, que os esclarecimentos foram prestados pela presidente da assembleia, uma vez que deste modo violou o disposto nos artigos 377º, nº 8, 379º, nº 4 (aplicáveis ex vi do artigo 247º, nº 1), 252º, nº 5 e 214º, nº 1 e 290º, todos do CSC; 13ª - O Tribunal “a quo” considerou que não se verifica no caso qualquer abuso de direito nas deliberações impugnadas, uma vez que não se lobrigam circunstâncias passíveis de prefigurar um acto emulativo ou exclusivamente lesivo das posições dos Autores e da sociedade; 14ª - Ora, o erro de julgamento a este propósito, salvo melhor opinião, traduz-se em não terem sido considerados na douta sentença todos os factos que no decorrer da causa foram apurados e objeto de prova documental, como é o caso dos documentos de fls. - fls. 224 e ss., 228, fls. 238 e ss., fls. 324, fls. 335 e fls. 344 que, só por si, impõe decisão diversa da recorrida a este propósito; 15ª - Com efeito, resulta dos documentos existentes nos autos que, para além dos factos provados em 19 e 20 da douta sentença impugnada, a família Marchese tem o controlo absoluto da sociedade, quer ao nível da gerência, quer ao nível do órgão de fiscalização (assembleia geral) e que tal controlo se começou a esboçar no mesmo dia em que foi assinado o contrato de financiamento com o IFAP, pois, na mesma data foi convocada a assembleia geral que deu origem às deliberações impugnadas nestes autos, tendo em vista obter benefícios, com prejuízo para os sócios impugnantes; 16ª - Os benefícios resultam do aumento em 100% da retribuição dos gerentes, deliberada pela família Marchese, na relação promiscua existente entre a gerência da Recorrida e a gerência da sociedade italiana MGM, única cliente da DD, em que também é gerente CC e que por isso, só por isso, não paga os fornecimentos feitos pela Recorrida no tempo devido, conseguindo financiar-se através da Recorrida no seu giro comercial e logrando vender à Recorrida veículo de passageiros a preço completamente descabido, prejudicando na mesma medida, quer a DD, quer os sócios Recorrentes; 17ª - Acresce que, na sequência das deliberações tomadas e que são objeto de impugnação nestes autos, o Recorrente foi já impedido de fiscalizar os bens sociais e objeto de deliberações no sentido de o excluir de sócio, de tal modo que, se viu obrigado a recorrer a juízo; 18º - Deste modo, o Tribunal “a quo” violou, nesta parte, o disposto nos artigos 58º, nº 1, al. b) do CSC, 334º e 762º, nº 2 do Cód. Civil; 19ª - Isto posto, tendo em conta o que vem alegado, as deliberações impugnadas, ao contrário do que foi decidido na douta sentença impugnada, devem ser declaradas inválidas à luz do disposto no artigo 58º, n.º 1, als. a), b) e c) do CSC, por se encontrarem preenchidos, nos termos alegados, os respetivos pressupostos.

Os RR contra-alegaram, pugnando pela confirmação do julgado.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

* II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO: Como é sabido, as conclusões da alegação do recorrente delimitam o objecto do recurso, ressalvadas as questões que sejam do conhecimento oficioso do tribunal (artigos 635º, n.º 4 e 639º, n.º 1 do NCPC).

No caso vertente, as questões a decidir que ressaltam das conclusões do recurso são as seguintes: - saber se a sentença enferma da nulidade prevista na alínea d) do n.º 1 do artigo 615º do NCPC; - aferir se houve erro de julgamento.

* III. FUNDAMENTAÇÃO: Os factos Na primeira instância foi dada como provada a seguinte factualidade: 1 - Por escrito denominado “Contrato de Sociedade por Quotas” exarado em 29.1.2013, consignou-se, designadamente, que: “Artigo 1 A sociedade é comercial, adopta o tipo sociedade por quotas e a firma DD, LDA.

(…) Artigo 3 1. A sociedade tem como objeto social a congelação de frutos hortícolas, fabricação de doces, compotas, geleias e marmelada, descasque e transformação de frutos de casca rija não comestíveis, preparação e conservação de frutos e de produtos hortícolas por outros processos, comércio por grosso de fruta e de produtos hortícolas, excepto batata, comércio por grosso batata.

(…) Artigo 4.º O capital social, inteiramente subscrito e realizado em dinheiro, é de quinhentos mil euros, correspondente à soma de cinco quotas, pertencentes a: a) Quota no valor nominal de cento e vinte e cinco mil euros pertencente ao sócio FF (…); b) Quota no valor nominal de cento e vinte e trinta mil euros pertencente ao sócio CC (…); c) Quota no valor nominal de quarenta e cinco mil euros pertencente à sócia GG (…); d) Quota no valor nominal de cem mil euros pertencente ao sócio AA (…); e) Quota no valor nominal de cem mil euros pertencente à sócia BB (…).

(…) Artigo 8 A gerência da sociedade (…) fica a cargo do sócio AA, o qual fica desde já nomeado gerente.

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