Acórdão nº 3118/16.4T8VNF-A.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 16 de Março de 2017

Magistrado ResponsávelPEDRO ALEXANDRE DAMI
Data da Resolução16 de Março de 2017
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães.

  1. RELATÓRIO.

Recorrente(s):- Custódio da Silva Faria e Maria Natália da Silva Mendes; * AA e BB requereram procedimento cautelar de restituição provisória da posse, nos termos do art. 379º do CPC, contra CC e DD.

Invocaram, para o efeito que, por si e antepossuidores, exercem, há mais de 20 anos, a posse relativamente a direito de servidão sobre umas águas recolhidas em terreno terceiro e dirigidas, por tubo subterrâneo, para prédio de que são proprietários.

Alegam ainda que os Requeridos vêm-se arrogando proprietários daquelas águas, sendo que, recentemente, terão efectuado um corte naquele tubo e desviado as águas para prédio sua (dos Requeridos) propriedade, assim os privando das referidas águas.

Pediram que fosse determinado, sem audiência prévia, que os Requeridos lhes restituam as águas em causa, procedendo às obras necessárias à reposição da situação existentes antes da realização daquele corte do tubo e desvio das águas.

* Tendo-se dispensado a Audiência prévia dos Requeridos, procedeu-se à inquirição das testemunhas indicadas pelos Requerentes, com observância do formalismo legal.

Na sequência, foi proferida a seguinte decisão (inicial): “III. DISPOSITIVO Por todo o exposto, considerando que se encontram preenchidos todos os requisitos exigidos pelo artigo 377° do CPC, decido decretar a restituição provisória, aos requerentes, da posse do direito de servidão sobre as águas aludidas nos factos provados.

Em consequência, determino que os requeridos procedam à religação das águas acima aludidas ao prédio identificado em I), tal como antes se encontrava.

Fixo ainda em 25 € o montante da sanção pecuniária compulsória a pagar pelos requeridos por cada dia de atraso no cumprimento do acima decidido, sendo que tal sanção apenas será aplicada a partir do 20° dia posterior à notificação da presente decisão.

Os requeridos deverão ainda ser advertidos que incorrerão no crime de desobediência, nos termos do artigo 375° do CPC, caso infrinjam a providência decretada.

Mais dispenso os requerentes do ónus da propositura da acção principal e declaro invertido o contencioso, nos termos e para os efeitos previstos no art. 371 ° do CPC.

(…) “.

* Notificados os Requeridos vieram estes deduzir oposição à providência decretada.

Alegaram, para o efeito, que tal água era usada, desde 1981, pelo anterior proprietário do prédio dos AA. - ou seja, José, pai do Requerido marido -, não só no prédio ora pertença dos AA. mas também no prédio sua (dos Requeridos) propriedade.

Mais dizem os Requeridos que, após terem adquirido o seu prédio, continuaram a usar tal água, então com o conhecimento e consentimento do aludido José.

Concluem, assim, que quer o anterior proprietário do prédio ora pertença dos AA., quer eles próprios, foram contitulares de direito de propriedade sobre essas águas (e não de um mero direito de servidão sobre as mesmas).

Mais dizem que, após a morte do referido anterior proprietário do prédio dos AA., os herdeiros deste (com excepção de um deles) "apressaram-se a outorgar declaração de cessão da posição contratual" a favor deles, RR..

Defendem os Requeridos, por isso, que são proprietários dessa água, direito de propriedade este que lhes foi transmitido "por herança aberta por óbito do pai e por doação dos restantes co-herdeiros (com excepção da quota pertencente a Maria de Lurdes) ".

Pugnam, assim, pela improcedência do procedimento cautelar, mais se opondo à inversão do contencioso.

* Foi produzida a prova testemunhal e por declarações de parte requerida em sede de oposição.

* De seguida, foi proferida a decisão (final) onde expressamente se advertiram as partes que a decisão “constitui complemento e parte integrante da já proferida nos autos, nos termos do art. 372°, n° 3, do CPC. “.

É o seguinte o teor da decisão proferida: “Pelo exposto, julgo improcedente a presente oposição, mantendo-se a providência decretada, bem como a inversão do contencioso aí decidida.” * É justamente desta decisão que os Recorrentes/Requeridos vieram interpor o presente Recurso, concluindo as suas alegações da seguinte forma: “1. Na segunda decisão proferida pelo tribunal a quo (após audiência contraditória), este deu como provados os factos nº 2 e 3. Tais factos estão clara e manifestamente em contradição com o facto provado nº 18 da decisão a fls.18 (antes da audiência contraditória).

  1. Sendo que a segunda decisão constitui complemento e parte integrante da inicialmente proferida, o tribunal a quo não fez a necessária compatibilização da matéria de facto adquirida, conforme preceitua o nº 4 do artigo 607º do CPC.

  2. Pelo que deverá ser considerado não provado, o facto dado como provado sob o nº 18 da decisão a fls. 18.

  3. O tribunal considerou provado o facto nº 7, constante da decisão a fls.18 sem que tivesse indicado, na fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, quais os meios probatórios que serviram, para formar a sua convicção, consubstanciando tal vício manifesta omissão de motivação, violando assim o disposto no artigo 607º, nº 4 do CPC.

  4. Tal facto assume-se essencial para o julgamento da causa, uma vez que é um facto instrumental que se reporta à posse das águas pelos recorridos, requisito indispensável ao decretamento da providência cautelar agora colocada em crise.

  5. Pelo que se requer que seja fundamentada a decisão sobre o concreto facto referido.

  6. Para prova do facto enumerado com o nº 16 da decisão a fls. 18, o tribunal a quo fundamentou que formou a sua convicção através do teor dos documentos juntos aos autos com o requerimento inicial, designadamente a escritura de compra e venda da casa propriedade dos recorridos e o contrato promessa de constituição de servidão de águas e aqueduto, bem como nos depoimentos das testemunhas António, João, Lurdes e Oliveira.

  7. Perscrutados todos os depoimentos, só resulta as declarações das testemunhas Lurdes e Oliveira (irmã e cunhado do recorrente marido respectivamente) a utilização e a posse das águas pelos recorridos.

  8. Contudo tais das testemunhas estão em contradição directa e manifesta com as prestadas pelas testemunha Isabel e Faria (testemunhas arroladas para a audiência contraditória).

  9. Tendo o tribunal a quo atribuído credibilidade a todos estes depoimentos, atribuindo ainda "intensa razão de ciência" aos depoimentos prestados pelas testemunhas Lurdes, Oliveira e Isabel.

  10. Pelo que, estando os depoimentos das referidas testemunhas, às quais o tribunal atribuiu credibilidade, em evidente contradição num facto de fulcral importância para a decisão da causa, não podia, salvo melhor entendimento, o tribunal a quo ter dado como provado o facto nº16º da decisão a fls. 18); assim sendo, como é possível não tendo os requerentes provado a posse da água, como podia o tribunal a quo formar a convicção quanto ao esbulho. Salvo melhor entendimento não se pode reclamar a posse da coisa que nunca se possuiu.

  11. Acresce que o Mm. Juiz a quo não fundamentou o motivo de não ter valorado as declarações das testemunhas Isabel e Faria, quando estas expressamente disseram ao tribunal que a água já não corria na casa aquando da compra pelos recorridos, não obstante ter valorado todo o restante depoimento prestado por estas.

  12. Pelo que deveria o Mmo. Juiz a quo, em cumprimento do dever de motivação, referir porque não valorou os depoimentos prestados pelas testemunhas Isabel e Farai, não obstante ter-lhes atribuído credibilidade.

  13. Ainda relativamente a esta questão, entendem os recorrentes que não deveria ter sido dada credibilidade aos depoimentos das testemunhas Maria e João (irmã e cunhado do recorrente marido), porque, e não colocando em causa a livre apreciação da prova que, por ser livre, é insindicável, estas nos próprios depoimentos demonstram que querem privar os recorrentes da água, tendo revelado um grande interesse na procedência do procedimento cautelar. Atente-se nas palavras da testemunha de João (marido da Maria) "eu não nem eu nem a minha esposa até quem tinha que assinar primeiro era a minha esposa mas a minha esposa disse podes estar á vontade que por mim não tens direito á água uma vez que me trafulhaste a mim" 15. Por outro lado, os recorrentes alegaram, na sua oposição, que os recorridos nunca estiveram na posse da aludida água, fazendo prova disso mesmo através dos depoimentos prestados pelas testemunhas Faria e Isabel, e supra transcritos. Contudo o tribunal não se pronunciou sobre este facto essencial para a decisão da causa, constituindo este vicio (omissão de pronuncia) a nulidade da sentença nos termos do artigo 615º, nº 1 alínea d) do CPC, nulidade que desde já e expressamente se invoca.

  14. Relativamente à posse das águas por parte dos recorridos refere o tribunal a quo que formou a sua convicção também através o teor dos documentos junto aos autos no requerimento inicial, designadamente a escritura de compra e venda da casa e o contrato promessa de constituição de servidão de águas e aqueduto.

  15. Contudo na fundamentação da decisão a fls. 18, conclui que a constituição da servidão de águas e aqueduto não se fez por meio do contrato promessa, pois este era insusceptível de constituir a servidão das águas.

  16. Assim, fundamentou a posse pela aquisição a título originário da servidão de águas e aqueduto.

  17. Posteriormente à decisão proferida deduziram os ora recorrentes correspondente oposição indicando novos factos que consubstanciam um verdadeiro direito de propriedade sobre essas águas e não apenas uma mera servidão.

  18. Relativamente aos tais factos alegados pelos recorrentes considerou-os o tribunal a quo todos provados! 21. Ora, ficou provada em sede de audiência contraditória que os antigos proprietários do prédio ora pertença dos recorridos, dispunham livremente das águas objecto de litígio, usando-a tanto no seu prédio ("prédio dominante") como no prédio que pertence aos recorrentes, tendo para o efeito realizado obras de construção permanentes que direccionam subterraneamente as...

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