Acórdão nº 1215/12.4TBVVD.G2 de Tribunal da Relação de Guimarães, 09 de Março de 2017

Magistrado ResponsávelFERNANDO FERNANDES FREITAS
Data da Resolução09 de Março de 2017
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES A) RELATÓRIO I.

C intentou contra o Município de Vila Verde a presente acção declarativa sob a forma de processo sumário, pedindo que: a) Seja declarado que ele, Autor, é dono e legítimo possuidor, com exclusão de outrem, do prédio urbano composto por uma casa de habitação de rés-do-chão e um prédio rústico denominado “Terreno Inculto da Ribeira” sito no lugar da Ribeira, da freguesia de Moure, em Vila Verde, com a área de 312 m2, a confrontar do Norte com Agostinho Barros de Sousa, do Nascente com Caminho público à Gandra, do Sul com zona verde e do Poente com o lote …, descrito na CRP de Vila Verde sob o número … e inscrito na matriz rústica sob o artigo …; b) Seja o Réu condenado a reconhecer o direito de propriedade dele, Autor, sobre o prédio acima identificado; c) Seja o Réu condenado a repor a vedação colocada pelo anterior proprietário desse imóvel naquela parcela de terreno, nas condições em que se encontrava; d) Seja o Réu condenado a abster-se de praticar quaisquer actos lesivos do direito de propriedade dele, Autor, sobre o referido prédio; e) Seja o Réu condenado a pagar-lhe a quantia de € 1.645,00, a título de indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais por si causados, acrescida de juros, à taxa legal, que se vencerem desde a citação e até integral pagamento.

O Réu Município impugnou parcialmente a matéria de facto alegada na Petição Inicial, e deduziu reconvenção pedindo que: a) Seja declarado que a parcela identificada no artigo 1.° da Petição Inicial é bem do domínio público do Réu afecto à sua administração ou, subsidiariamente, que é sua propriedade; b) Seja o Autor condenado a abster-se de praticar qualquer acto que impeça, perturbe ou diminua qualquer um dos direitos reclamados; c) Se proceda ao cancelamento da inscrição matricial do artigo n.º … da freguesia Moure e concelho de Vila Verde e da descrição n.º … efectuada na Conservatória do Registo Predial de Vila Verde a favor do Autor.

Respondeu o Autor e os autos prosseguiram os seus termos, vindo a proceder-se ao julgamento que culminou com a prolação de douta sentença que, julgando parcialmente procedente a acção e improcedente a reconvenção: a) Declarou que o Autor, C, é dono e legítimo possuidor, com exclusão de outrem, do prédio descrito e identificado nos pontos 1 e 2 dos Factos Provados; b) Condenou o Réu, Município de Vila Verde, a repor a vedação identificada nos pontos 14 a 16 dos Factos Provados, nas condições em que se encontrava antes de ter sido retirada; c) Condenou o Réu a abster-se de praticar quaisquer actos lesivos do direito de propriedade do Autor sobre o referido prédio; d) Absolveu o Réu do restante peticionado pelo Autor; e) Absolveu o Autor dos pedidos formulados pelo Réu.

Inconformado, traz este o presente recurso pretendendo fazer inverter o sentido da decisão.

Contra-alegou o Autor propugnando para que se mantenha o decidido. Subsidiariamente, para a hipótese da procedência, no todo ou em parte, do recurso, entende dever ser ordenada a baixa do processo à 1.ª Instância para que profira decisão sobre as questões que ficaram prejudicadas pela solução jurídica adoptada.

O recurso foi recebido como de apelação com efeito meramente devolutivo.

Colhidos, que foram, os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

** II.- O Réu/Apelante funda o recurso nas seguintes conclusões: A - Através do presente recurso pretende-se colocar - apenas - em crise o doutamente sentenciado no que respeita à matéria de direito, ou seja, o saber-se se o prédio a que os autos se reportam foi, efectiva e validamente, cedido ao domínio público no contexto do processo de licenciamento que culminou com a emissão do alvará de loteamento n° 3/93 e, bem assim, se esse prédio era, ou não, individualmente apropriável por parte do aqui Recorrido.

B - A douta sentença recorrida, da qual se discorda (e por isso se recorre da mesma) consignou que estando em vigor, à época do processo de licenciamento aqui em causa, o D.L. n° 400/84, de 31/12, e não prevendo este diploma uma norma igual ou semelhante à consagrada no n° 2 do art. 16° do D.L. n°448/91, de 29/11, ou seja que: "2. As parcelas de terreno cedidas à Câmara Municipal integram-se automaticamente no domínio público municipal com a emissão do alvará [...]", C - Tal integração no domínio público apenas poderia operar-se através da celebração de escritura pública. - o que não se verificou -, pelo que a parcela de terreno em questão não estaria fora do comércio jurídico, sendo, por isso, susceptível de aquisição por parte do recorrido (quer em virtude da celebração da respectiva escritura de aquisição e inscrição no registo, quer por se ter completado o prazo suficiente de posse para se verificar a aquisição da propriedade por usucapião).

D - Assim, a pretensão do aqui Recorrente é a de obter uma Decisão, da qual decorra que as ditas parcelas de terreno passaram a integrar o domínio público municipal, apenas por força da operação de loteamento em apreço.

E - Na verdade, a falta de explicitação legal ao nível do referido DL 400/84, não poderia significar que tais parcelas não passassem a integrar, efectivamente, esse domínio público municipal, por mero efeito da aprovação de uma operação de loteamento.

F - Deverá ser essa a solução a retirar de uma leitura - digamos - teleológica, do disposto no artigo 42°, do D.L. 400/84, de 31/12, que então regulava a matéria das operações de loteamento, e do n° 2 do artigo 19° do D.L. n° 289/73, de 6 de Junho, G - Bem como do conteúdo do Acórdão do STA, de 29/10/2003 (proferido no âmbito do processo n° …), do qual resulta que as parcelas de terreno cedidas no âmbito de uma operação de loteamento devem-se considerar como integradas no domínio público municipal como consequência directa da aprovação do loteamento.

H - Assim, para o recorrente, apesar de o D.L. n° 400/84, então em vigor, não indicar a forma pela qual tais cedências ao domínio público se concretizavam, essa terá sido uma opção deliberada do legislador, uma vez que, tal como a lei actual prevê (agora expressamente), essa integração dar-se-ia, sem mais, com a emissão do respectivo alvará.

I - Nesse sentido concorrerá - também - a circunstância de tais cedências para o domínio público constituírem, desde sempre, imposições administrativas, determinadas pelas exigências de satisfação de relevantes interesses de ordem pública, subtraídas, por isso, ao princípio da - normal - liberdade contratual.

J - Por isso, a validade e concretização dessas imposições administrativas não poderia estar dependente, como resulta da douta Decisão recorrida, de um negócio celebrado no âmbito da denominada liberdade negocial (que está sempre dependente, nos negócios "mais" solenes, da sua formalização através da realização de uma escritura pública), K - Devendo antes entender-se que essa transmissão para o domínio público decorria tão só da aprovação da operação de loteamento, sem necessidade de celebração da dita escritura, e que a única novidade adveniente do D.L. n° 448/91, foi a de ter vindo, de forma expressa, disciplinar essa matéria, firmando que as cedências para o domínio municipal, previstas num alvará de loteamento, se concretizam com a emissão do respectivo alvará, e consagrando, inequivocamente, a desnecessidade de quaisquer declarações negociais posteriores a serem formalizadas através de escritura pública.

L - Consequentemente, pretende-se que se reconheça que o artigo 16° daquele diploma terá natureza meramente interpretativa relativamente às dúvidas que pudessem existir anteriormente sobre essa matéria (nos termos do disposto no artigo 13°, n° 1 do Código Civil), quer por se poder considerar como imediatamente aplicável aos loteamentos constituídos ao abrigo da legislação anterior (DL 400/84), quer, ainda, por entender-se que a integração da - aparente - lacuna da legislação precedente teria, em virtude do disposto no n° 3 do artigo 10º, do Código Civil, de acolher uma solução idêntica àquela que veio a ser firmada pela legislação posterior.

M - Assim, há-de aquele artigo 16°, n° 2 do D.L. 448/91, ser havido como interpretativo do normativo que o precedeu (art. 42° do DL 400/84), integrando-o, pelo que, ao contrário do que possa aparentar, aquele não possuiu qualquer carácter inovatório, sendo que a leitura que se pretende obter neste recurso não constitui, como resulta do aqui explanado, numa qualquer violação do disposto no artigo 9º do Código Civil, por corresponder ao ideário que subjaz às cedências ao domínio público e acima demonstradas em contexto doutrinal.

N - Ou dito de outra forma, estarão preenchidos os requisitos para que se considere a nova lei como interpretativa da sua precedente, em virtude da controvérsia e incerteza derivadas da redação da lei anterior, o que ressalta, nomeadamente, do conteúdo do douto acórdão supra mencionado (Acórdão do STA de 29 de Outubro de 2003 - Processo n° 042038), quando confrontado, p. ex., com o conteúdo do douto aresto mencionado na douta sentença recorrida (Ac. do STJ de 1.12.2015 - processo n° 7815/05.1TBSTB.S1), M - E, por outro, deve ter-se por verificado esse preenchimento face ao ideário que subjaz ao acto de cedência ao domínio público, não ocorrendo, por isso, qualquer violação das regras que orbitam em torno da interpretação das leis (art. 9° do Código Civil), mormente quando nos socorremos de uma interpretação teleológica das normas.

P - A ser como o recorrente perspectiva estas questões de direito, deveria o Meritíssimo Juiz a quo ter declarado que a parcela de terreno em apreço estava fora de um potencial comércio, não podendo ser objecto de direitos privados, mormente de direito de propriedade e de posse, estando excluída de qualquer prescritibilidade/usucapião (art. 202° do Código Civil), tudo em coerência com as doutas considerações vertidas na douta Decisão (fls. 44 e 45).

Q - Consequentemente, deveria ter sido julgada improcedente a ação, declarando, ao...

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