Acórdão nº 4076/15.8T8BRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 09 de Março de 2017
Magistrado Responsável | ANABELA TENREIRO |
Data da Resolução | 09 de Março de 2017 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Sumário I--A qualificação da indemnização do dano da privação do uso do veículo, como dano patrimonial autónomo, é actualmente praticamente pacífica, apesar da controvérsia anteriormente suscitada sobre a questão.
II--De acordo com o princípio da boa-fé (cfr. art. 762.º, n.º 2 do CC) e com os princípios gerais de conduta de mercado, consignados no Decreto-Lei nº 94-B/98, de 17 de abril, as empresas de seguros devem garantir a gestão célere e eficiente dos processos de sinistro, procedendo com a adequada prontidão e diligência às averiguações e peritagens necessárias ao reconhecimento do sinistro e à avaliação dos danos.
III-Os deveres de averiguação, confirmação e resolução do sinistro, em prazo razoável, configuram deveres acessórios de conduta, não abrangidos pelo contrato de seguro, nem a título principal nem em moldes secundários.
IV—No âmbito de um contrato de seguro facultativo, os deveres de informação e de celeridade assumem especial importância no caso de perda total do veículo uma vez que a entrega do capital permitirá, ao tomador/beneficiário do seguro, a compra de um outro veículo substitutivo.
V--Não obstante a cobertura do risco da privação de uso não se encontrar especialmente contemplada no contrato de seguro, assiste ao tomador o direito de ser indemnizado no caso de perda total do veículo em resultado de acidente de viação, por ter ficado sem o poder utilizar, na sua vida diária, para as suas deslocações profissionais e nas viagens de lazer.
VI—A indemnização pelo dano patrimonial da privação do uso do veículo tem a sua fonte na responsabilidade contratual, por violação dos deveres acessórios de conduta por parte da seguradora.
* Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I—RELATÓRIO A e M intentaram a presente ação contra “S” pedindo a sua condenação no pagamento ao primeiro de 70.119,25€, sendo 52.700€ devidos pelo capital seguro (68.700,00€ descontados do valor dos salvados de 16 000,00€), 584,25€ referentes ao pagamento do parqueamento da viatura até ao dia 27 de junho de 2014 no concessionário da marca, e 16.835,00€ de prejuízo de paralisação, contados desde 27 de junho de 2014 até dia do pagamento efetivo do capital seguro à razão de 35,00€ diários e no pagamento de eventual despesa de parqueamento que venha a ser apresentada pela oficina onde o carro se encontra desde o dia 27 de junho de 2014, em juros de mora sobre os valores peticionados; à autora Madeleine Espinosa Bonilla, a quantia global de 6.294,45€, sendo 344,45€ que pagou no Hospital da Trofa, 1500,00€ de prejuízo não patrimonial derivado dos fenómenos dolorosos, 3400,00€ relativas a implantes auriculares e 1050,00€ em transportes, no pagamento das despesas médicas e medicamentosas que a autora tenha que suportar no futuro na sequência do sinistro e nomeadamente na Clínica de Santa Tecla pelos tratamentos já feitos e a fazer e ainda não faturados e em juros de mora sobre os valores peticionados.
Fundamentam a sua pretensão no contrato de seguro que o Autor celebrou com a Ré através do qual foi para esta transferido o risco de choque, colisão ou capotamento.
A Ré, regularmente citada, apresentou contestação onde confirmou a celebração do contrato de seguro invocado pelo Autor e a participação do sinistro, mas impugnou, por desconhecimento, a ocorrência do sinistro, demonstrando estranheza que tenha ocorrido da forma que relata o Autor e reputando de inverosímil que o mesmo tenha sido causa direta e adequada dos danos apresentados pelo veículo.
Mais impugnou a extensão e valor dos danos reclamados pelos Autores, alertando que o valor do veículo indicado pelo segurado aquando do contrato de seguro, não é o valor real do veículo, alegando assim o sobresseguro e que os riscos transferidos para a Ré, através do contrato de seguro, não abrangem a cobertura de paralisação (ou comummente chamada privação do uso), por não ter sido subscrita, nem de aparcamento.
Replicaram os Autores dizendo que o dano de privação de uso alegado, bem como a responsabilidade pelo parqueamento, são danos de natureza patrimonial, autónomos, indemnizáveis nos termos da responsabilidade extracontratual.
** Proferiu-se sentença que decidiu julgar a presente acção parcialmente procedente, por provada, e condenou a Ré a pagar: -Ao Autor a quantia de 52.700,00€ devidos pelo capital seguro e a quantia de 35,00€ por dia desde 12 de agosto de 2014 e até à data do efetivo pagamento da indemnização devida, a título de privação do uso.
-Sobre a quantia de 52.700,00 € acrescem os juros de mora, à taxa legal, contados desde 12 de agosto de 2014 e até integral pagamento.
-À Autora a quantia de 6.294,45€, acrescida de juros desde a citação e até integral pagamento e ainda a quantia que se vier a liquidar em execução de sentença quanto aos custos dos tratamentos efetuados na Clínica de Santa Tecla, em Braga.
* Inconformada com a sentença, a Ré interpôs recurso, terminando com as seguintes Conclusões 1. Fundam-se os presentes autos na responsabilidade civil emergente de acidente de viação.
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Responsabilidade contratual, no que diz respeito à pretensão do A e extracontratual no que concerne à pretensão da M.
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Alegando ter ocorrido um acidente de viação protagonizado pelo veículo seguro na ora R/Recorrente, consistente em despiste seguido de capotamento, veio o A, ao abrigo da cobertura facultativa contratada (choque, colisão e capotamento), peticionar a condenação da Seguradora R. no pagamento do valor referente à indemnização pela perda total do veículo, privação do uso e parqueamento.
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Do mesmo modo, veio a A. M, imputando a culpa na ocorrência do evento ao condutor do veículo seguro na ora recorrente, pedir a condenação desta no pagamento de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais 5. Em face da matéria de facto considerada provada, o douto Tribunal a quo proferiu a douta decisão ora posta em crise, de acordo com a qual julgou a acção parcialmente procedente.
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Ora, salvo o devido respeito por diversa opinião, não pode a Apelante concordar com a apreciação da prova levada a cabo, discordando, consequentemente dos fundamentos que suportam a douta decisão prolatada, quanto à matéria de facto e quanto à solução de direito.
DO ERRO DE JULGAMENTO - REAPRECIAÇÃO DA PROVA: 7. O presente recurso sobre a douta decisão proferida quanto à matéria de facto funda-se na convicção da Apelante de que o Douto Tribunal “a quo” terá efectuado uma incorrecta apreciação da prova e, concretamente, na instrução da matéria factual plasmada nos arts. 6º, 7º, 8º, 9º, 24º e 31º, do elenco da factualidade considerada provada os quais, pelos motivos que infra se demonstrará, deveriam ter sido considerados não provados ou parcialmente não provados.
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Grosso modo, a factualidade que se entende ter sido erradamente julgada prende-se com a dinâmica do evento que constitui a causa de pedir nos presentes autos e com o respectivo nexo de causalidade adequada entre os danos apresentados pelos dois veículos em causa.
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Salvo o devido respeito por diverso entendimento, estamos em crer que o Meritíssimo Tribunal “a quo” não ajuizou bem a prova produzida – documental e testemunhal - pois a mesma não se mostrou minimamente suficiente para alicerçar a convicção aduzida na douta sentença proferida a propósito da ocorrência do acidente e do respectivo nexo de causalidade entre a ocorrência e os danos verificados nos veículos.
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Jamais poderia o Meritíssimo Tribunal “a quo” considerar suficientemente demonstrada a ocorrência do concreto acidente participado e, sobretudo, da existência de nexo de causalidade adequada, entre o evento relatado e os danos quando, de forma clara ficou cabalmente evidenciada a existência de variadas incongruências – desde logo entre os danos existentes no veículo interveniente - que segundo as regras da experiência, nos levam forçosamente a crer que as circunstâncias em que terá ocorrido o sinistro participado jamais poderiam ser aquelas invocadas pelos AA.
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A saber:os danos que os veículos em causa nos presentes autos apresentam não são coincidentes com a dinâmica do sinistro vertida nos autos pelos AA. e com o local.
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Face ao acervo probatório carreado aos presentes autos, jamais poderia ser considerada demonstrada a ocorrência do sinistro participado e bem assim a existência de um nexo de causalidade adequada entre o evento descrito na petição inicial e os danos que o veículo apresentava.
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Acresce que, jamais se pode conceder que o Meritíssimo Tribunal “a quo” entenda como determinante para a formação da sua convicção probatória as declarações prestadas pelas partes–partes nitidamente interessadas na procedência da presente acção – tendo desvalorizado de forma absoluta, quer o depoimento do perito averiguador (cujo depoimento considerou ser interessado) e o depoimento do perito avaliador que procedeu à peritagem do veículo propriedade do A. António, só pelo facto dos mesmos terem uma ligação funcional com a Seguradora R.
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Sobretudo quando estes dois citados depoimentos testemunhais se mostram corroborados pela prova documental carreada aos autos, nomeadamente as fotografias do veículo.
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Da conjugação dos meios probatórios produzidos, nomeadamente testemunhais e documentais, impunha-se decisão diversa daquela que veio a ser proferida e que, presentemente, se impugna 16. Os concretos meios probatórios cujo reexame se solicita a este Venerando Tribunal da Relação, e que impunham decisão diversa da proferida são os que se passam a elencar: Depoimento de J e L, produzidos em audiência de julgamento de e gravados em suporte digital de 15:27:00 a 15:49:00 e 15:50:00 a 16:13:00, respectivamente, e cujos concretos trechos se encontram devidamente transcritos no corpo das presentes alegações Prova documental: fotografias de fls 10 a 12, 61 a 91, 93 a 109 17. Salvo o devido respeito por entendimento diverso, não ficou minimamente provada a versão do evento apresentada pelos AA.
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Atendendo ao teor dos depoimentos aqui em apreço, erradamente desvalorizados e...
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