Acórdão nº 1825/13.2TAGMR. G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 20 de Fevereiro de 2017

Magistrado ResponsávelJORGE BISPO
Data da Resolução20 de Fevereiro de 2017
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, os juízes na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães: I. RELATÓRIO 1.

Nos presentes autos de instrução com o NUIPC 1825/13.2TAGMR, que correm termos no Tribunal Judicial da Comarca de Braga, no Juízo de Instrução Criminal de Guimarães - J1 (extinta Secção de Instrução Criminal da Instância Central), no termo da instrução requerida pelos assistentes J. C. e R. C., visando a pronúncia dos arguidos M. C., E. S. e D. M. pela prática, em coautoria, de um crime de dano qualificado, previsto e punido (p. e p.) pelo art. 213º, n.º 1, al. a), do Código Penal, bem como da instrução requerida pelo arguido D. M., face à acusação deduzida pelo Ministério Público, imputando-lhe a prática, em coautoria com os demais arguidos, de um crime de introdução em lugar vedado ao público, p. e p. pelo art. 191º do Código Penal, visando a sua não pronúncia, foi proferida, em 11-11-2015, decisão instrutória a:

  1. Não dar provimento ao requerimento de abertura da instrução apresentado pelo arguido D. M. e, em consequência, pronunciar os arguidos M. C., E. S. e D. M. pela prática, em coautoria, de um crime de introdução em lugar vedado ao público, previsto e punido pelo art. 191º do Código Penal, pelos factos constantes da acusação pública de fls. 181 a 183, cujo teor se deu por integralmente reproduzido.

  2. Dar, parcialmente, provimento ao requerimento de abertura da instrução apresentado pelos assistentes J. C. e R. C. e, em consequência, pronunciar os arguidos M. C., E. S. e D. M. pela prática, em coautoria, de um crime de dano simples, previsto e punido pelo art. 212º, n.º 1, do Código Penal, pelos seguintes factos constantes do requerimento de abertura de instrução apresentado pelos assistentes a fls. 206 e seguintes: - Facto constante na alínea C), a fls. 208; - Facto constante na alínea D), a fls. 208 (com exceção “o que causou o prejuízo nunca inferior a €650,00); e - Facto constante na alínea E), a fls. 208, cujo teor se deu por reproduzido.

    Finda a prolação dessa decisão instrutória, o arguido D. M. invocou a respetiva irregularidade, por falta de fundamentação, bem como a circunstância de a indiciação de alguns factos ter decorrido da valoração de depoimento indireto, prova essa que não podia ser valorada, pelo que pediu que fosse declarada a nulidade do despacho, tendo em conta o disposto nos art.s 97º, n.º 1, 129º, n.º 1, e 123º, n.º 1, todos do Código de Processo Penal, requerimento esse que foi indeferido pelo Exmo. Juiz de Instrução, mais tributando o arguido em custas pelo incidente anómalo, com taxa de justiça fixada em 2 UCs.

    1. Inconformado com o assim decidido, recorreu o arguido D. M., terminando a sua motivação com as seguintes conclusões (transcrição): «CONCLUSÕES: 1ª Vem o presente recurso interposto da decisão instrutória que pronunciou pela prática de um crime de dano e do despacho posterior que indeferiu a arguição de irregularidade por falta de fundamentação e por valoração de prova proibida e ainda condenou o recorrente nas custas do incidente anómalo em 2 UC´s.

      1. O despacho que declara aberta fase de instrução não faz caso julgado formal, pelo que o requerimento de abertura da instrução pode ser até à decisão instrutória rejeitado por inadmissibilidade legal da instrução (cfr. Vinício Ribeiro in Código de Processo Penal Notas e Comentários, pág. 794).

      2. O encerramento do inquérito dá-se, entre o mais, com a prolação de despacho de arquivamento ou de acusação, sendo que “a instrução visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento.” – artº 286º nº1 do Código de Processo Penal.

      3. Só o despacho de arquivamento ou de acusação podem ser alvo de instrução.

      4. No caso concreto, foi deduzida contra o aqui arguido, acusação pública pela prática em co-autoria material de um crime de introdução em lugar vedado ao público, previsto e punido pelo art. 191º do Código Penal, não tendo o Ministério Público se pronunciado sobre a prática de qualquer outro crime.

      5. Vieram, entretanto, os assistentes pugnar pela pronúncia do arguido também pela prática de um crime de dano qualificado p. e p. pelo art. 213º, n.º 1, al. a) do Código Penal através de requerimento de instrução a tal dirigido.

      6. Lido o despacho proferido pelo Exmo. Procurador, aquando do terminus do inquérito, verificamos que, quanto a esta matéria, nada se diz, Ou seja, quanto aos factos pelos quais pretendem os assistentes que o arguido venha agora pronunciado, não se deduziu acusação, nem se proferiu despacho de arquivamento, não se enquadrando juridicamente os factos.

      7. Ora, a instrução visa a comprovação judicial da decisão de acusar ou arquivar o inquérito, pelo que para que a mesma seja admissível necessário será que tenha ocorrido acusação ou arquivamento pelos factos que serão sujeitos a instrução, o que não se verifica nos presentes autos.

      8. A instrução não é a reação idónea à omissão de pronúncia, por parte do Ministério Público, mas sim a reclamação hierárquica ao abrigo do disposto no art. 278º do Código de Processo Penal, caminho que os assistentes não quiseram trilhar (neste sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, datado de 30-04-2014, processo n.º 1059/11.0GBPNF-A.P1, em que é relator José Carreto, disponível em www.dgsi.pt e o acórdão da mesma Relação, datado de 26-09-2012, processo n.º 276/10.5JAPRT-A.P1, em que é relatora Maria do Carmo Silva Dias, disponível em www.dgsi.pt).

    2. O requerimento de abertura de instrução apresentado pelos assistentes não era, por isso, admissível e, como tal, deveria o mesmo ter sido rejeitado com as consequências legais.

    3. Na queixa, assinada pessoalmente pelos assistentes, não se alinha um só facto referente ao crime de dano, tal como não é alinhado no seu depoimento de fls. 18, prestado em 12/11/13, do proprietário do terreno – J. C. – que afirma não ter presenciado qualquer invasão de propriedade.

    4. Já no seu depoimento de fls. 20, prestado em 12/11/13, o alegado arrendatário R. C., afirma, pela primeira vez nos autos que “o suspeito M. e E., tentaram abrir o portão que dá acesso à propriedade, como não conseguiram arrombaram o portão com o tractor, daqui resultaram danos no muro que suporta o portão, já no interior da propriedade partiram esteios, e arrebentaram arriostas que seguram as ramadas.” 13. Não se diga que o mero facto de se dizer que ocorreram danos patrimoniais e não patrimoniais é suficiente para se considerar apresentada queixa pelo crime de dano.

    5. O crime de dano é um crime semi-público e, como tal, a sua investigação está dependente de queixa do ofendido nos termos do artigo 212º, n.º 3 do Código de Processo Penal, pelo que o Ministério Público não poderia investigar e acusar o arguido sem que este apresentasse queixa narrando tais factos e manifestando o propósito de proceder criminalmente pelos mesmos, o que não aconteceu.

    6. É que a queixa é uma manifestação de vontade de quem tem legitimidade para o efeito, sendo que tal manifestação de vontade deve ser inequívoca no sentido de responsabilizar determinada pessoa criminalmente pelo “substracto fáctico” apresentado pela mesma – cfr. As consequências jurídicas do crime de Figueiredo Dias, 2005, reimpressão, pág. 665; Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de Novembro de 1998 proferido no proc. n.º 630/98, citado in “Código Penal Anotado”, 1º Vol., 3ª Edição, Leal Henriques Simas Santos, pág. 1188; acórdão do STJ de 31 de Outubro de 1989, publicado in Actualidade Jurídica, n.º2, pag.9; Cavaleiro de Ferreira, Curso de Processo Penal, vol.III, pag. 139 e ainda acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 13/06/05, relatado por Tomé Branco, proferido no Proc. n.º 901/05 da 1ª Secção e publicado in www.dgsi.pt.

    7. A queixa apresentada nos autos dever ser interpretada de acordo com a sua forma e conteúdo, tendo o queixoso de demonstrar na sua queixa que inequivocamente pretende que seja desencadeado procedimento criminal contra o arguido pelos factos que aí relata.

    8. Ora, os assistentes não exprimiram a sua vontade de participar por dano contra o recorrente, não tendo alegado qualquer dano, não o quantificando ou explicitando quais os bens de que era proprietário que terão sido atingidos.

    9. Assim sendo, não existe qualquer manifestação de vontade expressa e inequívoca do ofendido de apresentar queixa pelo crime de dano, pelo que o M.P. não tinha, como já se disse, legitimidade para exercer a acção penal e, como tal, o arguido não poderia ser pronunciado ou sujeito a julgamento pelo crime de dano (cfr. artºs 212º, n.º3 do Código Penal e 49º, n.º1 do Código de Processo Penal).

    10. Restaria a alegada queixa do não menos alegado arrendatário, no entanto a testemunha R. C., nenhuma prova faz relativamente a tal matéria, sendo certo que, nos termos do disposto no artº 6º nº1 do DL 294/09 de 13/10, é obrigatória a redução do contrato de arrendamento rural a escrito.

    11. Como supra se disse, apenas este – alegado arrendatário - alegou no seu depoimento que os arguidos M. e E. fizeram estragos na referida quinta. No entanto, nem este, em qualquer momento afirmou que o portão tenha sido destruído, como se deu como provado na decisão instrutória, ou que tenham sido destruídas ramadas e redes.

    12. Assim, ainda que se concluísse que existe prova bastante de que o referido R. C. era arrendatário da referida quinta, o que não se concebe, por falta de queixa não se podia dar como provada a matéria referente ao portão que alegadamente foi destruído, como se deu como provado na decisão instrutória, ou que tenham sido destruídas ramadas e redes.

    13. No entanto, deve ser excluída a legitimidade do arrendatário rural para fazer queixa relativamente aos danos em causa.

    14. O ofendido, que figura entre os titulares do direito a constituir-se assistente e de apresentar queixa, não é, pois, qualquer pessoa prejudicada pelo crime, mas sim o titular do interesse especialmente protegido pela incriminação, que o mesmo é dizer, o titular...

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