Acórdão nº 564/14.1PBCHV.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 06 de Fevereiro de 2017

Magistrado ResponsávelAUSENDA CON
Data da Resolução06 de Fevereiro de 2017
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães: No processo comum singular nº 564/14.1PBCHV da Instância Local, Secção Criminal, de Chaves, da Comarca de Vila Real, o arguido B. R.

foi julgado, tendo sido condenado por decisão proferida e depositada a 12/07/2016, como autor material de um crime de falsificação de documento, na modalidade de uso, p. e p. pelo artigo 256º, nº 1, alínea e) e nº 3 do Código Penal, na pena de 1 (um) ano de prisão.

*Discordando dessa decisão o arguido interpôs recurso, rematando a sua motivação com as seguintes conclusões: «A- O Tribunal a quo fundamentou-se, na apreciação dos factos, na convicção formada pela conjugação dos depoimentos prestados pelas testemunhas com a prova documental.

B- O recorrente nunca foi visto ou apanhado a conduzir o referido veículo, para além de que é facto provado, que o veículo pertence à sua ex-mulher.

C- O recorrente foi condenado pela prática, em autoria material, e na forma consumada, de um crime de falsificação de documento, na modalidade de uso, p. e p. pelo artigo 256º, n.º 1, alínea e) e n.º 3 do Código Penal, na pena de 1 (um) ano de prisão efectiva.

D- O douto Tribunal a quo julgou incorretamente os factos provados, porquanto, motivou a decisão em prova de validade duvidosa.

E- A douta sentença proferida fundou-se, para a condenação do arguido, nas declarações prestadas em sede de audiência de discussão e julgamento, em depoimento indireto ou depoimento de entidade policial, na inquirição da testemunha A. M., agente da PSP.

F- O depoimento do agente da P.S.P. foi, pois, o elemento decisivo no conjunto das provas produzidas, onde se motivou a decisão.

G- Será admissível e poderá ser valorado o depoimento de um agente policial que reproduz o que ouviu dizer a um suspeito de um crime, no momento em que já na esquadra o interroga, conforme auto de notícia de fls. 3 e 4 e constituição de arguido de fls. 5? H- No caso em apreço, a questão coloca-se em relação às declarações formalizadas em auto prestadas perante um órgão de polícia criminal e na esquadra de polícia, sem que o ora recorrente seja ainda suspeito de nada, passando após o interrogatório à condição de detido e arguido.

I- Será admissível e poderá ser valorado o depoimento de um agente da polícia que reproduz o que ouviu dizer à pessoa e que, ato imediato, vem por este a ser constituído arguido e reduz essas mesmas declarações em auto? J- São fecundas as decisões judiciais sobre este tema e, em particular, sobre a questão da admissibilidade dos depoimentos dos órgãos de polícia criminal, e pode dizer-se que não existe unanimidade entre a jurisprudência (quer dos tribunais comuns, quer do Tribunal Constitucional) e a doutrina portuguesa sobre esta matéria.

K- Nesta senda, afigura-se-nos que o Tribunal a quo valorizou contra a lei depoimentos indiretos, ou depoimentos de entidade policial.

L- O douto Tribunal, salvo o devido respeito, preocupou-se em assegurar a descoberta da verdade material, mas ignorou as garantias de defesa do arguido (v.g de modo a garantir o seu direito à não autoincriminação), direitos antagónicos ambos com tutela constitucional, mas que importa harmonizar.

M- Sendo certo que a busca da verdade material é, no processo penal, um dever ético e jurídico não se pretende que seja conseguida a qualquer preço. No âmbito da audiência, a produção probatória encontra-se sujeita aos limites impostos, nomeadamente, pelo art. 129º do C.P.P. e pelo art. 32º da C.R.P.

N- Nos crimes de menor gravidade, como o aqui em apreço, o princípio da descoberta da verdade material deverá ceder perante os interesses e direitos da defesa, nomeadamente o direito à não auto incriminação, valores com tutela constitucional consagrados no art. 32º n.º 1 e 5 da CRP.

O- Assim sendo, a douta sentença, optou, unilateral e exclusivamente, pela descoberta da verdade material, em total prejuízo das garantias de defesa, valor com tutela constitucional.

P- No caso vertente, o depoimento do agente não poderia ter sido valorado, não pode ser considerado válido o depoimento indireto prestado pelo agente da PSP, ao sê-lo o Tribunal a quo serviu-se de prova proibida pelos arts. 125º e 129º nº 1 do C.P.P., para fundamentar a decisão que condenou o arguido, ao arrepio do que o legislador pretendeu acautelar.

Q- Não sendo válida a prova agora em causa, na falta de testemunhas presenciais, não é possível dar como provado que o arguido praticou os factos a ele imputados, daí sendo de excluir a respetiva consequência legal.

R- É expressamente assumido na sentença recorrida que o Tribunal a quo assentou inteiramente a sua convicção no depoimento da testemunha de acusação, agente da PSP, até porque o arguido se remeteu ao silêncio em audiência.

S- A testemunha de acusação, agente da P.S.P., afirmou expressamente que a sua razão de ciência derivava única e exclusivamente de ‘confissão’ extrajudicial do recorrente, feita ao referido OPC, antes da constituição como arguido.

T- A testemunha disse expressamente que não tem conhecimento directo de nada e não viu absolutamente nada, pelo que o seu depoimento constitui, na íntegra, depoimento indirecto (art. 129.º/1 do CPP), meras reproduções de uma “conversa informal” que manteve com o recorrente.

U- O depoimento do OPC narrando “conversas informais” representam a aceitação tácita de AUTÊNTICAS CONFISSÕES EXTRA-JUDICIAIS, não-livres, inadvertidas, desavisadas, cuja mera enunciação oral — nem sequer leitura — em sede de depoimento dos agentes policiais vai frustrar contra legem as garantias de defesa do arguido.

V- Caso tal prática se generalize, quem guardará os guardas? Quem protegerá os cidadãos quando os depoimentos dos OPC sobre conversas informais passarem a constituir a norma quando não exista mais qualquer indício ou prova incriminadora contra os arguidos, como é o caso dos presentes autos? W- Seria uma porta aberta ao arbítrio policial, algo que os Tribunais não podem sufragar.

X- O art. 357.º, n.º 1 do CPP consagra a proibição de reprodução de declarações do arguido (além da leitura), o que engloba a proibição de valoração do depoimento indirecto dos OPC sobre conversas informais — reproduções orais, low-fi, subjectivas e inexactas em comparação com reproduções mecânicas.

Y- Foram violados, do CPP, os artigos 125.º (legalidade da prova), 127.º (livre apreciação da prova) art. 129.º/1 (depoimento indirecto), art. 344.º (confissão), art. 355.º (imediação), art. 356.º/7/8/9 (inquirição de OPC sobre declarações de leitura proibida), art. 357.º (proibição de reprodução de declarações do arguido), art. 379.º/1-c) (omissão de pronúncia); da CRP, o artigo 32.º/1 (direito a processo justo e equitativo e respeito pelos limites legais à obtenção de prova incriminadora) e 32.º/8 (valoração de prova proibida).

Z- O Tribunal a quo interpretou mal esta constelação de normas, pois julgou admissível e valorou em sede probatória o depoimento indirecto de agente de polícia versando sobre “conversa informal” tida com o recorrente antes da sua constituição como arguido, quando todas as referidas normas, em conjugação, apontam para a inadmissibilidade e/ou o desvalor probatório desses depoimentos, tendo inclusivé reduzido a auto tal conversa, conforme já supra referido.

AA- Foram, assim, incorrectamente julgados os pontos 1.º, 2.º, 3.º, 4.º e 5.º da matéria de facto provada, os quais, em consequência de todo expendido, deveriam ter sido julgados não provados.

BB- Impõem decisão diversa da recorrida a seguinte prova: o depoimento da testemunha A. M., com início às 10h13m44s e fim às 10h22m32s do dia 31.03.2016.

CC- Na sentença recorrida, o Tribunal a quo não se pronunciou quanto à questão da proibição de valoração de prova, por violação do princípio da imediação, optando por valorar a prova proibida sem fazer qualquer referência à verificação ou não dessa proibição, a qual é de conhecimento oficioso, por força do art. 32.º, n.º 8 da CRP e 374.º, n.º 2 do CPP.

DD- Este vício acarreta a nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, ex vi do art. 379.º, n.º 1, al. c), primeira parte, do CPP.

EE- A não se entender pela...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT