Acórdão nº 1546/15.1T8VCT.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 16 de Fevereiro de 2017

Magistrado ResponsávelMARIA JO
Data da Resolução16 de Fevereiro de 2017
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência (após corridos os vistos legais) os Juízes da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, sendo Relatora - Maria João Marques Pinto de Matos; 1ª Adjunta - Elisabete de Jesus Santos de Oliveira Valente; 2º Adjunto - Heitor Pereira Carvalho Gonçalves.

I - RELATÓRIO 1.1.

Decisão impugnada 1.1.1. AA, residente no lugar de Ponte, em Arcos de Valdevez, (aqui Recorrida), propôs a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra Companhia de Seguros, com sede em Lisboa, (aqui Recorrente), pedindo que · se condenasse a Ré a pagar-lhes a quantia de € 23.627,70 (sendo € 16.127,70 a título de indemnização de danos patrimoniais, e € 7.500,00 a título de indemnização de danos não patrimoniais), acrescida de juros de mora, calculados à taxa supletiva legal, contados desde a citação até integral pagamento.

Alegou para o efeito, em síntese, que, no dia 04 de Janeiro de 2012, pelas 18.15 horas, quando atravessava a Avenida Conde, em Viana do Castelo, sobre passadeira existente no local para o efeito, foi embatida por um veículo automóvel ligeiro de passageiros, conduzido por CC, que o fazia com imperícia, inconsideração, negligência e falta de destreza, violando ainda várias disposições do Código da Estada (arts. 24º, nº 1, 25º, nº 1, als. c), c) e l) e 103º, nº 2).

Mais alegou que, ao ser projectada no solo, sofreu várias lesões físicas, nomeadamente ao nível da face, o que lhe provou dores intensas, e enorme susto, chegando a temer pela sua vida.

Alegou ainda que mesmo hoje não se encontra completamente curada, face às sequelas do traumatismo sofrido, nomeadamente: os dois incisivos que perdeu, restaurados com coroas totais, exigem agora a substituição por implantes, face a um processo inflamatório desenvolvido, com dor (estando o respectivo custo orçado em € 5.000,00); sofre malefícios resultantes dos medicamentes vários (analgésicos e anti-inflamatórios) que teve que tomar; ficou com uma cicatriz no lábio e no nariz; viu alterado o seu comportamento, de rapariga de vinte anos saudável, para alguém que perdeu a auto-estima e regista alterações de humor, com crescente isolamento e introversão.

Por fim, a Autora alegou: ter ficado prejudicada na classificação final do estágio profissional de educação social e gerontologia que então realizava (pela interrupção forçada entre 05 de Janeiro de 2012 e 21 de Fevereiro de 2012), o que certamente se reflectirá na futura ordenação de concorrentes para os postos de trabalho a que se canditará, estimando os danos patrimoniais daí resultantes em € 10.000,00; e ter suportado despesas médicas e medicamentosas de € 1.127,70.

Defendeu, por isso, ter direito a ser ressarcia pela Ré (para quem se encontrava transferida a responsabilidade civil resultante da circulação do veículo automóvel atropelante), estimando a quantia de € 7.500,00 como idónea para a indemnização de danos patrimoniais, e a quantia de € 16.127,70 (€ 5.000,00 + € 10.000,00 + € 1.127,70) para a indemnização da danos não patrimoniais.

1.1.2.

Regularmente citada, a Ré (aqui Recorrente) contestou, pedindo que a acção fosse julgada de acordo com a prova a produzir em sede de audiência de julgamento.

Alegou para o efeito, em síntese, aceitar a responsabilidade da Condutora do veículo atropelante, o ter a Atora nascido a 22 de Junho e 1991, e ter a mesma sofrido lesões, impugnando o demais 1.1.3.

Frustrada uma tentativa de conciliação das partes, cuja viabilidade foi condicionada à prévia realização da perícia médico-legal requerida pela Autora, foi proferido despacho deferindo a sua realização; e oportunamente junto aos autos o respectivo relatório pericial.

1.1.4.

Dispensada a realização de uma audiência prévia, foi proferido despacho: ficando o valor da acção em € 23.627,70; certificando a validade e a regularidade da instância; e definindo o objecto do litígio («apurar o valor da indemnização e os danos causados à autora») e os temas da prova («Determinação dos danos sofridos pela autora em consequência do acidente dos autos»).

1.1.5.

Realizada a audiência de julgamento foi proferida sentença, julgando a «ação parcialmente procedente, por proada», e nomeadamente decidindo: «(…) Condenar a ré, “ Companhia de Seguros “, a pagar à autora, AA, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais quantia global de € 23.127,70 ( vinte e três mil cento e vinte e sete euros e setenta cêntimos), quantia esta a que acrescem juros de mora, à taxa legal, desde a citação daquela ré para contestar, até efetivo e integral pagamento, absolvendo a ré do demais peticionado (…)»*1.2. Recurso (fundamentos) Foi precisamente inconformada com esta decisão que a Ré interpôs o presente recurso de apelação, pedindo que fosse revogada a sentença recorrida.

Concluiu as suas alegações da seguinte forma (sintetizada, sem repetições do processado, ou reproduções de textos legais ou jurisprudenciais): 1ª - Ter o Tribunal a quo feito uma errada interpretação e valoração da prova produzida, já que a mesma não permitia dar como provados os factos enunciados na sentença recorrida sob o número 34 («Contava 20 anos de idade, pois nasceu em 22 de Junho de 1991»), sob o número 41, parte («Devido às lesões resultantes desse evento, teve que interromper a frequência das aulas e do estágio entre 05/01/2012 e 21/02/2012, o que lhe provocou interferência no normal prosseguimento da aprendizagem e a um esforço acrescido muito significativo para obter aproveitamento final, tendo inclusive perdido o estágio que frequentava»), e sob o número 48, parte («A data da consolidação médico – legal das lesões é fixável em 13.09.2013; o período de défice funcional temporário total foi de dois dias; o período de défice funcional temporário parcial foi de 617 dias; o período de repercussão temporária na atividade profissional total foi de 27 dias; o período de repercussão temporária na atividade profissional parcial foi de 592 dias; o quantum doloris fixável no grau 4/7; o défice funcional permanente da integridade física – psíquica de três pontos e dano estético permanente fixável no grau 2/7»).

  1. Em primeiro lugar, o Tribunal a quo considerou como provado que a Autora “contava 20 anos de idade, pois nasceu em 22 de Junho de 1991” (ponto 34 dos Factos Provados).

  2. Sendo certo que na motivação a Mma. Juiz fundamentou que “o facto dado como provado no número 34, resultou do teor do documento de fls. 10 verso dos autos”.

  3. Sucede que, o documento de fls. 10 verso dos autos trata-se de mera cópia de um cartão de cidadão junto aos autos pela Autora com a sua petição inicial.

  4. Ora, o único meio legalmente admissível de fazer prova do nascimento é através de certidão de nascimento, não sendo admitida a apresentação do cartão de cidadão e, muito menos, de mera fotocópia do mesmo.

  5. O nascimento é um facto sujeito a registo (cfr. al. a) do número 1º do artigo 1º do Cód. Registo Civil), sendo que a prova dos factos sujeitos a registo só pode ser feita pelos meios previstos nesse mesmo Código, isto é, pelo acesso à base de dados do registo civil ou por meio de certidão do registo civil (cfr. artigo 211º do mesmo diploma legal).

  6. Assim, ao considerar como provado o facto constante do ponto 34, o Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 1º, nº 1, al. a) e 211º do Código do Registo Civil.

  7. Em segundo lugar, entende a Recorrente que o Tribunal a quo violou o disposto no artigo 5º do Código Processo Civil ao considerar como provado que “devido às lesões resultantes desse evento, teve que interromper a frequência das aulas e do estágio entre 05/01/2012 e 21/02/2012, o que lhe provocou interferência no normal prosseguimento da aprendizagem e a um esforço acrescido muito significativo para obter aproveitamento final, tendo inclusive perdido o estágio que frequentava” (ponto 41 dos Factos Provados).

  8. Na verdade, o Tribunal a quo considerou como provado um facto não alegado pela Autora, porquanto a mesma nunca alegou que tinha perdido o estágio que frequentava. O presente ponto destas alegações remete-nos assim para os poderes de cognição do tribunal.

  9. A Autora, na petição inicial que despoletou os presentes autos, alegou que “devido às lesões resultantes desse evento, teve que interromper a frequência das aulas e do estágio entre 05/01/2012 e 21/02/2012, o que lhe provocou interferência no normal prosseguimento da aprendizagem e a um esforço acrescido muito significativo para obter aproveitamento final, embora com classificação inferior àquela que obteria caso tal interrupção não acontecesse” (cfr. artigo 48º da douta petição inicial, sublinhados nossos).

  10. Assim, a Autora alegou, apenas e tão só, que interrompeu a frequência de estágio e não que tivesse perdido, em definitivo, o estágio que frequentava.

  11. E se é verdade que o poder cognitivo do Tribunal não se encontra delimitado em absoluto pelo alegado pelas partes, também é verdade que o artigo 5º do Cód. Processo Civil estatui em que situações pode o Tribunal considerar factos que vão para além dos que foram alegados pelas partes.

  12. No presente caso, a perda, em definitivo, do estágio não é, na mera opinião da Recorrente, um facto instrumental, complementar ou concretizador de qualquer um alegado pela Autora, até porque é contrário ao por esta alegado – a Autora alegou que, muito embora tenha tido mais dificuldades a concluir os seus estudos e o estágio curricular, que concluiu o estágio.

  13. E, mesmo que tal facto fosse considerado instrumental e/ou complementar e/ou concretizador de outro facto alegado, seria necessário que tivesse sido salvaguardada a possibilidade de as partes, neste caso a aqui Recorrente, se pronunciarem em relação ao mesmo (cfr. neste sentido Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 15-09-2014 e de 08-03-2016, ambos disponíveis em www.dgsi.pt).

  14. Assim, ao considerar tal facto, a sentença recorrida violou, por menos feliz interpretação, o disposto no artigo 5º do Código Processo Civil.

  15. Sucede que mesmo na situação, que não se concede, de...

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