Acórdão nº 1452/14.7TBVCD.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 16 de Fevereiro de 2017
Magistrado Responsável | JORGE TEIXEIRA |
Data da Resolução | 16 de Fevereiro de 2017 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães.
I – RELATÓRIO.
Recorrentes: “AA” e “BB Recorrido: CC.
Tribunal Judicial de Braga – Instância Local, Secção Cível, J3 “AA” e “BB” interpuseram a presente acção declarativa de condenação, com processo comum, contra CC.
Alegaram as AA. que, em 1-10-2003, celebraram com o R. um contrato pelo qual este último se obrigou a vender leite cru à A. “Cooperativa”.
Após, em 30-8-2013, o R. deixou de fornecer leite às AA., tendo passado a fazê-lo a terceira entidade.
Perante tal incumprimento, defendem as AA. que o R. ficou obrigado, tal como contratualmente previsto, a indemnizá-las pelos prejuízos daí emergentes até ao termo do prazo contratual em curso (ou seja, até 30-9-2015). Tais prejuízos consubstanciam-se no lucro que as AA. deixaram de auferir, por força do impedimento na venda do leite fornecido pelo R., durante aquele prazo contratual. Considerando a quantidade média mensal de leite fornecida pelo RR. nos 12 meses que antecederam a cessação daqueles fornecimentos, tais prejuízos ascenderão a 2 356,25 €, quanto à A. “Cooperativa”, e a 26 578,50 €, quanto à A. “BB”.
Pedem, assim, que o R. seja condenado a pagar-lhes as referidas quantias, acrescidas de juros de mora desde 1-9-2013 até integral pagamento.
A fls. 142 e segs. foi determinada a incompetência territorial do Tribunal onde a acção foi inicialmente intentada e competente o Tribunal de VN de Famalicão.
Após, deduziu o R. contestação, alegando, desde logo, que, por força daquele contrato, apenas se obrigou a vender leite à A. “Cooperativa” e não também à A. “BB”: Invocou ainda o R. a nulidade do referido contrato, por ser contrário à lei, uma vez que a compradora do leite – a “Cooperativa” – não se encontra administrativamente autorizada a tal.
Alegou ainda que com a entrada em vigor do DL 42/2013, de 22/3, o contrato em causa passou a estar sujeito à forma escrita, sendo que um dos elementos essenciais que dele deve constar refere-se ao preço (referência esta omissa no contrato em análise).
Assim, tal contrato sempre teria caducado à data de entrada em vigor daquele diploma, o que teria inclusivamente sido comunicado ao R. pela A. “Cooperativa”.
Impugna ainda a matéria referente às margens de lucro invocadas pelas AA.
Nesta medida, pugna pela improcedência do pedido formulado.
Proferiu-se despacho saneador, tendo sido indicado o objecto do processo e seleccionados os temas da prova.
Realizado o julgamento, foi proferida sentença que, respondendo à matéria de facto controvertida, julgou totalmente improcedente a presente acção.
Inconformado com tal decisão, apela o Autor, e, pugnando pela respectiva revogação, formula nas suas alegações as seguintes conclusões: “I) O contrato de compra e venda de leite cru, celebrado entre o Réu, 1ª A e 2ª A (tripartido), cumpre com toda a legislação em vigor à data da sua celebração.
II) Desde a celebração que a 2ª A encontra-se inscrita como compradora de leite cru de vaca junto das entidades competentes, nomeadamente o INGA; III) Tendo por base o requerimento subscrito pelo Réu, que instruiu o pedido de transferência de comprador junto do INGA, previamente à celebração do contrato a 2ª A assumiu a qualidade de compradora, independentemente do que consta do mesmo.
IV) A 1ª A assumiu sempre a qualidade de intermediário do negócio, cujo registo inexiste à data da celebração do contrato; V) Atento o exposto, nunca poderá ser considerado o contrato nulo por não ser sido celebrado com um comprador registado junto do INGA; VI) Acresce que, a eventual falta de registo como comprador encontra-se sancionada como contra-ordenação, motivo pelo qual, o legislador previu outra sanção ao referido incumprimento, não se podendo assim aplicar o instituto da nulidade do contrato previsto no art. 294º do C.C., nos termos da sua segunda parte; VII) De realçar que, o contrato sempre foi aceite pelos contraentes e sempre foi cumprido nos seus precisos termos e condições, por todas as partes, ao longo de mais de 10 anos; VIII) É um claro abuso de direito requerer e ver reconhecida a nulidade do contrato com o único intuito de evitar uma indemnização às contraentes cumpridoras, nos termos do disposto no art. 334º do C.C.; IX) Contrariamente ao plasmado na sentença do Tribunal a quo, analisado o DL 240/2002 verifica-se que não estamos perante um normativo com relevante interesse social que pretenda regulamentar o processo de recolha e tratamento de leite e inerente saúde pública; X) Estamos perante um normativo que tem como intuito regular a oferta e procura da produção de leite no mercado nacional, na sequência da transposição de directivas comunitárias, motivo pelo qual não pode ser considerada uma norma de caracter imperativo, cujo incumprimento é sancionado com a nulidade do contrato nos termos previstos no 294º do CC; XI) Cominar ainda o contrato como nulo por falta dos elementos essências previstos no DL 43/2013 não só não corresponde à realidade, como é descabido; XII) O Contrato objecto dos autos cumpre com a legislação em vigor; XIII) Se porventura se aceitasse a falta de algum elemento, tal apenas poderia acarretar uma contraordenação por se tratar de uma irregularidade; XIV) Os elementos essenciais (preço, volume e forma de pagamento) encontram-se plasmados no contrato; Sem prescindir XV) Sempre foi vontade do Réu vender o leite da sua exploração à 2ª A que por sua vez sempre pretendeu adquirir e o contrato sempre foi cumprido pelas contraentes nos seus precisos termos e condições; XVI) É razoável assumir que as partes admitem a conversão do contrato objecto dos autos num outro, que partilhe com aquele as mesmas características essenciais, de substância e de forma: mesmo objecto (compra e venda de leite cru de vaca), as mesmas obrigações principais (quantidade de venda, preço estabelecido de acordo com a tabela de leite ao produtor da BB, forma processo e meio de pagamento, etc) e sujeito a forma escrita.
XVII) A ser entendido como nulo, deve ser convertido num contrato com o mesmo objecto, condições e forma, solução que tem assentimento no artigo 293.º do Código Civil e que deve ser tida em consideração nesta sede recursal.
XVIII) Finalmente, com a celebração do contrato objecto dos autos foi acordado um vínculo tripartido relativamente à compra e venda de leite cru de vaca, com obrigações assumidas por todas as partes contratantes; XIX) O incumprimento do referido vínculo contratual terá que resultar numa indemnização às partes cumpridores, por parte da contraente incumpridora, que neste caso foi o Réu.
XX) A sentença que pôs termo ao processo violou, entre outros, o disposto no artigo 293º, 294º do C.C., 20º do DL 240/2002, art.º 8º nº 1 do DL 43/2013.
* O Apelado apresentou contra alegações, concluindo pela improcedência da apelação.
* Colhidos os vistos, cumpre decidir.
* II- Do objecto do recurso.
Sabendo-se que o objecto do recurso é definido pelas conclusões no mesmo formuladas, sem prejuízo do que for de conhecimento oficioso, as questões decidendas são, no caso, as seguintes: - Analisar da existência de contrato celebrado contra disposição legal imperativa.
- Analisar se, na hipótese de nulidade do contrato, se verificam os requisitos necessários à sua conversão.
- Analisar da existência de abuso de direito na invocação da nulidade do contrato.
* III- FUNDAMENTAÇÃO.
Fundamentação de facto.
A factualidade dada como provada e não provada na sentença recorrida é a seguinte: Factos provados: 1 - A constituição da 2ª A. “BB” teve na sua génese um grupo alargado de Cooperativas de produtores de leite, com o objectivo primordial de unir sinergias para uma melhor e mais eficaz gestão de toda a fileira do leite visando a protecção dos interesses do produtor.
2 - O intuito foi criar dimensão suficiente numa União de Cooperativas (a “BB”) para que se conseguisse, para além de reduzir os custos da recolha do leite, poder gerir e potenciar todo o processo do leite, desde a compra ao produtor até comercialização do produto final acabado ao consumidor.
3- Decorre do artigo...
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