Acórdão nº 104/15.5T8PTL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 09 de Fevereiro de 2017

Magistrado ResponsávelFRANCISCA MICAELA MOTA VIEIRA
Data da Resolução09 de Fevereiro de 2017
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam os Juízes da 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Guimarães: I – RELATÓRIO P, melhor identificado a fls.24, intentou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma comum, contra C, com os sinais a fls.66-67, pedindo que esta seja condenada a pagar-lhe o montante total de €14.556,00 (catorze mil, quinhentos e cinquenta e seis euros) – sem prejuízo do que vier a liquidar-se em momento ulterior –, a título de indemnização por danos sofridos em consequência do acidente que se discute nos autos, acrescido dos correspondentes juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa de 8%, atento o disposto no artigo 38º, nº2, do Decreto-Lei nº291/2007, de 21 de Agosto, calculados desde a data do acidente de viação até à data da sentença, e posteriormente a esta à taxa legal de 4%, até efectivo e integral pagamento.

Alega, para tanto, que no dia 18 de Dezembro de 2013, pelas 19 horas, circulava com o veículo automóvel, ligeiro de mercadorias, com a matrícula BX (doravante, abreviadamente, BX), o que fazia na Estrada Municipal nº1264, no sentido Fojolobal – Anais, pela hemi-faixa de rodagem direita, a uma velocidade não superior a 50Km/h.

Ao aproximar-se de uma curva fechada à direita, encontrando-se a cerca de 10m desta, girou o volante para descrevê-la.

Contudo, a viatura não obedeceu a esse comando, razão pela qual seguiu em frente, de forma descontrolada, atravessando a hemi-faixa de rodagem contrária e saindo pela berma esquerda da via, em direcção a um valado, acabando por chocar de frente contra uns pinheiros, assim se imobilizando.

Em consequência do descrito acidente, o veículo BX sofreu estragos, além de que o autor ficou privado de usá-lo e terá de efectuar despesas com o seu aparcamento na oficina onde se encontra recolhido a aguardar a reparação.

Sustenta, pois, nestes factos o respectivo petitório.

Regularmente citada para contestar, a ré C apresentou-se a fazê-lo, defendendo não ter obrigação de indemnizar o autor na medida em que o acidente sob discussão deveu-se à má conservação dos pneus da viatura BX, não se tendo providenciado pela sua oportuna substituição, como se impunha, estando excluído do contrato de seguro que celebrou os danos provocados ou agravados por defeito de construção, montagem ou afinação, vício próprio ou má conservação do veículo.

Impugnou os danos invocados pelo autor.

Por despacho datado de 29 de Abril de 2015, a fls.73-74, foi verificada a regularidade e a validade da instância, dispensando-se a realização da audiência prévia e designando-se data para realização da audiência final.

Procedeu-se à realização da audiência final com observância estrita das formalidades legais, como consta da respectiva acta.

Nessa sede, o autor pronunciou-se nos termos previstos no artigo 3º, nº4, do Código de Processo Civil, quanto à matéria de excepção deduzida pela ré no articulado da contestação (cfr. fls.274-275).

Foi proferida sentença cujo dispositivo é o seguinte : “ Pelo exposto, julga-se a presente acção parcialmente procedente e, em consequência, condena-se a ré C a pagar ao autor P a quantia total de €13.789,00 (treze mil, setecentos e oitenta e nove euros), a que acrescem juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal e anual em vigor em cada momento, sendo actualmente de 4% (cfr. artigos 559º, nº1, 804º, 805º, nºs1 e 3, e 806º, nºs1 e 2, todos do Código Civil, e Portaria nº291/2003, de 08 de Abril), computados desde a data da citação da ré e até efectivo e integral pagamento.

Condena-se, ainda, a ré C a pagar ao autor P a quantia que vier a liquidar-se em relação ao custo do parqueamento do veículo BX, desde o dia 18 de Dezembro de 2013 até à data da sua reparação, a que acrescem juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal e anual em vigor em cada momento, sendo actualmente de 4% (cfr. artigos 559º, nº1, 804º, 805º, nºs1 e 3, e 806º, nºs1 e 2, todos do Código Civil, e Portaria nº291/2003, de 08 de Abril), computados desde a data da citação da ré e até efectivo e integral pagamento”.

Inconformada a Ré interpôs recurso de apelação formulando as seguintes Conclusões: 1.A prova produzida em audiência de discussão e julgamento foi bastante para se poder concluir que o recorrido dispôs de outro veículo que lhe satisfez as suas necessidades de locomoção tal como o faria o veículo sinistrado e que a falta do veículo BX não lhe ocasionou qualquer prejuízo ou despesa acrescida, tendo sido incorrectamente dados como provados os factos constantes de 31 da douta sentença recorrida.

  1. Das declarações de parte do autor/recorrido e do depoimento da testemunha J, ouvidos na sessão de julgamento de 1 de Abril de 2016, declarações e depoimentos registados através do sistema integrado de gravação digital disponível na aplicação informática em uso no tribunal a quo, as do autor com início às 10:05:52 e termo às 10:30:52 e o depoimento da testemunha J com início às 1:40:36 e termo às 12:06:39 resulta, por um lado, que o recorrido não paralisou a sua actividade profissional em consequência do acidente e que não despendeu qualquer quantia com o empréstimo do veículo que na mesma actividade utiliza.

  2. Por outro lado e, designadamente, das declarações da testemunha J, conclui-se que as várias viagens realizadas pelo recorrido tinham como propósito o levantamento de material que cabia no veículo que utiliza emprestado, sendo que o material que não cabe em tal veículo é-lhe entregue directamente e sem qualquer custo acrescido.

  3. Mais resulta que as deslocações várias do recorrido ao armazém de pladur têm como causa a circunstância de não ter capacidade financeira para fazer stock.

  4. Não resulta, pois, que o recorrido, desde o acidente e por causa dele, tenha duplicado viagens e com isso tenha incorrido em custos acrescidos, sejam de gasóleo, sejam de tempo, porquanto os materiais que não pode transportar no veículo emprestado são-lhe entregues sem qualquer custo adicional – pelo que não foi demonstrada a matéria de facto constante de 31 dos factos provados.

  5. Nos termos do disposto no art.º 662º do CPCivil, a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão inversa – é o que desde já respeitosamente se requer a este Venerando Tribunal, no sentido de os factos constantes de 31 dos factos provados da douta sentença recorrida serem considerados não provados.

  6. Verifica-se assim não se encontrar demonstrado qualquer dano de privação de uso do veículo. Com efeito, 8.Para haver indemnização, tem de haver danos, o que vale por dizer que a simples privação do uso de um veículo, sem a demonstração de qualquer dano concreto ocasionado por essa privação, ou seja, sem qualquer repercussão negativa no património do lesado, não é susceptível de fundar a obrigação de indemnizar.

  7. Para que a imobilização de uma viatura possa traduzir-se em danos para o seu proprietário, susceptíveis de serem indemnizados, é necessário que o lesado alegue e prove os factos que consubstanciam esses danos, o que no caso dos autos não ocorre.

  8. É neste sentido que tem decidido a jurisprudência pátria, quando chamada a pronunciar-se sobre a questão. Neste particular, veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12.01.2012, disponível em www.dgsi.pt, no qual se decidiu que: V - A simples privação do uso de um veículo, desacompanhada da demonstração de outros danos – seja na modalidade de lucros cessantes (frustração de ganhos), seja na de danos emergentes (despesas acrescidas justificadas pela impossibilidade de utilização) – não é susceptível de fundar a obrigação de indemnizar.

    VI - Daí que, não tendo a autora alegado, nem demonstrado, quaisquer ganhos ou vantagens frustradas pela impossibilidade de utilização do veículo sinistrado, nem as despesas que teve de suportar com o aluguer de viaturas – inexista dano de privação.

  9. Também no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 04.07.2013 se decidiu: A privação do uso de um veículo automóvel não é suficiente para nela fundar a obrigação de indemnizar, a não serem alegados e provados danos emergentes e (ou) lucros cessantes por aquela causados.

  10. E em muitos e muitos outros arestos deste Supremo Tribunal que perfilham este entendimento, dos quais a título exemplificativo se citam os acórdãos de 10.01.2012, 03.05.2011, 04.05.2010, 21.04.2010, 09.03.2010, 02.06.2009, 30.10.2008, 09.12.2008, todos disponíveis em www.dgsi.pt.

    Por outro lado e sem conceder, 13.Ainda que assim se não entenda e sabendo-se, como se sabe, que o recorrido intentou a presente acção contra a ré alegando a existência de contrato de seguro de danos próprios e tendo a acção, para além do mais, como causa de pedir esse mesmo contrato, nunca o recorrido poderia receber da recorrente qualquer quantia a título de privação de uso do veículo, porquanto o contrato de seguro em causa não prevê tal cobertura e tal dano, ao contrário do que se defende na douta sentença recorrida – entendimento com o qual, ressalvando o muito e devido respeito por opinião contrária, não se concorda – reveste a natureza de dano patrimonial.

  11. Veja-se, a tal propósito, o acórdão deste mesmo Venerando Tribunal, proferido em 10.10.2013, no qual foi Relatora a Exma Senhora Juíza Desembargadora Helena Melo e onde se decidiu que: I- O dano da privação do uso é um dano de natureza patrimonial.

    II- No âmbito da responsabilidade civil contratual, em regra, o dano da privação do uso só é indemnizável se o segurado tiver acordado essa garantia facultativa, sujeito aos limites diários e ao período de tempo acordados.

  12. O recorrido não tem assim direito ao recebimento de qualquer quantia a título de dano de privação de uso do veículo.

    II- A condenação no custo do parqueamento do veículo 16.A condenação no custo do parqueamento do veículo – se e quando se vier a demonstrar a existência desse custo para o recorrido – não deverá ultrapassar o período de tempo de um ano e meio.

  13. Esta alegação produ-la a recorrente na esteira do que se decidiu na...

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