Acórdão nº 58/14.5T8VNF.G2 de Tribunal da Relação de Guimarães, 04 de Maio de 2017

Magistrado ResponsávelMARIA JO
Data da Resolução04 de Maio de 2017
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

I - RELATÓRIO 1.1.

Decisão impugnada 1.1.1.

AA, residente no Concelho de Vila Nova de Famalicão, propôs um processo especial de insolvência, pedindo que · fosse declarado insolvente; · lhe fosse concedido o benefício de exoneração do passivo restante.

Alegou para o efeito, em síntese, resultar a sua situação de insolvência da incapacidade generalizada para cumprir as suas obrigações, a maior parte resultantes da contracção de diversos créditos ao consumo, e de fornecimentos solicitados no âmbito da anterior exploração de um café (entretanto encerrado).

Mais alegou ser operário de construção civil, auferir mensalmente cerca de € 485,00, viver com a Mãe (viúva, e com dois filhos menores a cargo), pagar uma pensão mensal de alimentos de € 125,00 a um Filho seu, e nunca antes ter sido declarado insolvente, encontrando-se por isso em condições de beneficiar da exoneração do passivo restante.

1.1.2.

Foi proferida sentença, declarando a insolvência do Requerente e nomeando como Administrador da Insolvência BB; e, posteriormente, foi proferido despacho, declarando encerrado o processo de insolvência, por insuficiência da massa.

1.1.3.

Tendo sido admitido liminarmente o pedido de exoneração de passivo restante, foi determinada a entrega ao Fiduciário nomeado (o Administrador da Insolvência) do rendimento disponível a auferir pelo Insolvente, nos cinco anos subsequentes ao encerramento do processo de insolvência, na parte que excedesse o valor do salário mínimo nacional mensal, acrescido da quantia de € 125,00, num total de doze meses por ano.

1.1.4.

No final do primeiro ano, veio o Fiduciário (BB): juntar aos autos o relatório previsto no art. 240º, nº 2 do C.I.R.E.; informar que o Insolvente, no período em causa, não auferiu quaisquer rendimentos; e requerer que lhe fosse fixada remuneração, não inferior a cinco unidades de conta, a suportar pelo Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça (I.G.F.E.J.).

Alegou para o efeito, em síntese, que, prevendo-se no art. 30º do Estatuto do Administrador Judicial a possibilidade do pagamento da remuneração do administrador de insolvência ser suportada pelo organismo responsável pela gestão financeira e patrimonial do Ministério da Justiça, e aplicando-se o mesmo ao fiduciário, por força do nº 2 do art. 240º do C.I.R.E., estaria a sua pretensão legalmente fundada.

1.1.5.

Foi proferido despacho, indeferindo a pretensão do Fiduciário, lendo-se nomeadamente no mesmo: «(…) Nos termos da lei vigente, nomeadamente de acordo com o disposto nos artº 28 L 22/2013, e 240,1 CIRE, a remuneração do fiduciário é encargo do devedor.

Assim, não pode atender-se a pretensão formulada.

(…)»*1.2. Recurso (fundamentos) Inconformado com esta decisão, o Requerente (BB) interpôs recurso de apelação, pedindo que julgado procedente, sendo o despacho recorrido substituído por outro, que lhe fixasse honorários (correspondentes, no mínimo, a cinco unidades de conta).

Concluiu as suas alegações da seguinte forma (sintetizada, sem repetições do processado, ou reproduções de textos legais ou jurisprudenciais): 1ª - Prever-se no Estatuto do Administrador Judicial o direito à remuneração pela actividade desenvolvida, e ao reembolso das despesas que razoavelmente tenha considerado úteis ou indispensáveis, a suportar pelo Estado quando a massa insolvente seja insuficiente para o efeito, o que deverá ser aplicável ao fiduciário (por expressa remissão legal para aquele Estatuto do Administrador Judicial).

VI - O art.º 30.º do Estatuto do Administrador Judicial prevê a possibilidade do pagamento da remuneração do administrador da insolvência ser suportada pelo organismo responsável pela gestão financeira e patrimonial do Ministério da Justiça, quando a massa insolvente for insuficiente para o efeito.

VII - Embora aí não seja contemplada norma equivalente para o fiduciário, quando não existam quantias cedidas pelo devedor, não pode deixar de equiparar-se as duas situações, sob pena, como se referiu, de poder chegar-se a uma situação em que o fiduciário está a exercer as funções para as quais foi nomeado pelo tribunal, sem auferir qualquer rendimento, o que pode ocorrer, caso aquelas quantias não existam.

  1. - Não será plausível, e muito menos razoável, que a remuneração a atribuir ao fiduciário pelo trabalho desenvolvido se encontre necessariamente dependente dos resultados que produza, sob pena de trabalho efectivo ficar sem remuneração quando não chegue a ser cedido qualquer rendimento disponível (o que violaria o a C.R.P.).

    III - A respeito da remuneração do fiduciário, regula o n.º 1 do artigo 240.º do CIRE que a remuneração do fiduciário e o reembolso das suas despesas constitui encargo do devedor.

    IV - O Estatuto do Administrador de Insolvência, aprovado pela Lei 22/2013 de 26 de Fevereiro, contempla expressamente que a remuneração devida ao fiduciário corresponde a 10% das quantias objecto de cessão, com o limite máximo de 5.000,00€ por ano.

    V - O douto entendimento do Tribunal a quo ao indeferir o pedido de fixação de remuneração devida ao recorrente, não obstante a inexistência de qualquer quantia cedida, com o fundamento de que a responsabilidade pelo pagamento dos honorários corre por conta do devedor afronta a lei e é inconstitucional por permitir / prever trabalhar de forma gratuita.

    *1.3. Contra-alegações O Ministério Público contra-alegou, pedindo que não fosse atribuído ao Fiduciário qualquer remuneração, sem prejuízo do reembolso pelo I.G.F.E.J. das despesas que houvesse efectuado.

    Concluiu as suas alegações da seguinte forma (sintetizada, sem repetições do processado, ou reproduções de textos legais ou jurisprudenciais): 1ª - Não ter a pretensão do Fiduciário sustentação legal, já que a lei expressamente indexa a sua remuneração a parte das quantias objecto de cessão, e clarifica que o seu pagamento constitui encargo do devedor.

    Na verdade, prevê o artigo 28º do EAJ que: «A remuneração do fiduciário corresponde a 10% das quantias objecto de cessão, como o limite máximo de €5000,00 por ano». Por outro lado, prescreve o artigo 240º, nº 1 do CIRE que: «A remuneração do fiduciário e o reembolso das suas despesas constitui encargo do devedor».

    Como no caso dos autos não ocorreu a cessão de rendimentos não há, por força da lei, que fixar remuneração ao sr. Fiduciário.

    Ao aceitar, como aceitou, desempenhar as funções de fiduciário, não ignorava que só teria direito a ser remunerado em 10% do rendimento cedido e que esta remuneração constituía encargo do devedor.

    De igual modo, no processo de insolvência o Sr. AI só tem direito à remuneração variável quando existe produto da liquidação e este supera as despesas da massa insolvente, nos termos permitidos pela lei (cfr. artigo 29, nº 5 do EAJ e Portaria 51/2005, de 20/1). É, pois, pacífico que não existindo produto da liquidação, não é devida qualquer remuneração variável ao administrador da insolvência.

    Num outro plano, inexistindo cessão de rendimentos, também não é devida, por força da lei, remuneração ao fiduciário.

  2. - A entender-se de outro modo, sempre se deverá exigir objectividade na fixação da dita remuneração, sob pena de se multiplicarem casos em que mais vale nada fazer para que inexistam rendimentos cedidos pelo insolvente (na expectativa do I.G.F.E.J. ser onerado com o pagamento de uma remuneração superior, em prejuízo do erário público).

    Ainda que o critério seja mais complacente – na senda, aliás, da jurisprudência citada pelo recorrente-, então sempre se deverá exigir objectividade (por oposição a arbitrariedade) e equilíbrio na fixação da remuneração do fiduciário, sob pena de se multiplicarem os casos em que mais vale nada fazer para que inexistam rendimentos cedidos pelos insolventes, na expectativa de ao IGFEJ ser imposto o dever de suportar uma remuneração de valor superior, em prejuízo do erário público.

    *II - QUESTÕES QUE IMPORTA DECIDIR 2.1. Objecto do recurso - EM GERAL O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente (arts. 635º...

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