Acórdão nº 194/14.8TBCBC.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 11 de Maio de 2017

Magistrado ResponsávelFERNANDO FERNANDES FREITAS
Data da Resolução11 de Maio de 2017
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES A) RELATÓRIO I.- MO e mulher ML, com os sinais de identificação nos autos, intentaram a presente acção comum contra J, também identificado nos autos, pedindo a condenação deste: - a reconhecê-los como legítimos proprietários do prédio rústico denominado Cerco da Bouça, sito no lugar de Além do Ribeiro, freguesia de Cavez, inscrito na matriz rústica sob o artigo … e descrito na conservatória com o número 53; - a reconhecer que tal prédio é irrigado, de Junho a Setembro, de 15 em 15 dias, com as águas preocupadas do Rio Vilela e conduzidas pela Levada Velha; - a reconhecer que o prédio deles, Autores, beneficia de uma servidão de aqueduto que onera o prédio do Réu; - a repor a servidão que existia antes das obras por si efectuadas, abstendo-se de praticar actos que perturbem ou limitem o exercício do direito de servidão; - a pagar uma sanção pecuniária compulsória, no montante de € 50 por cada dia de atraso na reposição do aqueduto ou rego como ele existia antes das alterações, nomeadamente, removendo as meias canas e as manilhas subterrâneas.

Fundamentam alegando, em síntese, que adquiriram o prédio por compra que fizeram em 1993, e, por si e pelos antepossuidores, o utilizam há mais de 40 anos, sem a oposição de quem quer que seja; que o referido prédio vem sendo, desde tempos imemoriais, irrigado, de quinze em quinze dias, do S. João ao S. Miguel, com águas preocupadas do Rio Vilela, conduzidas através de um aqueduto construído há mais de 200 anos; que a água, para atingir o prédio dos Autores, percorre o prédio do Réu através de aqueduto, há mais de 150 anos; que o Réu, cerca de dois anos antes da propositura da acção, alterou o aqueduto prejudicando o normal correr da água em direcção do prédio deles, Autores.

Citado, o Réu impugnou os factos invocados pelos Autores, alegando que se limitou a substituir um rego a céu aberto por meia cana, o que evita perdas da água e apenas substituiu um tubo já existente por outro com iguais dimensões e diâmetro.

Deduziu ainda reconvenção, peticionando a canalização subterrânea do rego que atravessa o seu prédio em direcção ao prédio dos Autores, com a consequente extinção do direito dos Autores a transitar pelo seu terreno para limpeza do aqueduto, por desnecessidade.

Os Autores replicaram, impugnando os factos alegados pelos Réus.

Em sede da audiência de julgamento, o Réu desistiu do pedido reconvencional, tendo tal desistência sido homologada por sentença ditada para a acta, a qual não foi objecto de impugnação.

Culminando o julgamento, foi proferida douta sentença que decidiu julgar a acção parcialmente procedente, e: 1. Declarar que os Autores são legítimos proprietários do prédio rústico denominado Cerco da Bouça, Monte ou Montado da Bouça, Plaina da Bouça, Bouça ou Campo da Bouça, sito no lugar de Além do Ribeiro, freguesia de Cavez, inscrito na matriz rústica sob o artigo … e descrito na conservatória com o número …; 2. Condenar o Réu, José Fernando Teixeira de Andrade: a) a reconhecer que o prédio dos Autores beneficia de uma servidão de aqueduto que onera o seu prédio, através de rego a céu aberto na estrema poente do mesmo prédio, num percurso de cerca de oitenta metros; b) a reconhecer que, com as obras por si realizadas, que consistiram na colocação de meias canas num percurso de 37 metros e tubos subterrâneos numa extensão de 18 metros, alterou a aludida servidão; c) a repor a servidão como ela existia antes das obras por si realizadas; d) a abster-se da prática de quaisquer actos que perturbem ou limitem o direito de servidão dos Autores.

  1. Absolver o Réu do demais peticionado.

    Inconformado, o Réu impugna esta decisão pretendendo vê-la revogada e substituída por outra que julgue a acção totalmente improcedente e o absolva dos pedidos formulados pelos Autores.

    Também os Autores se não conformaram com a decisão, pretendendo seja alterada a matéria de facto quanto ao ponto de facto que impugnam, e seja revertida a decisão quanto ao pedido que foi julgado improcedente.

    Respondeu o Réu propugnando para que seja recusado provimento a este recurso dos Autores.

    Ambos os recursos foram recebidos como de apelação, com efeito devolutivo.

    Foram colhidos os vistos legais.

    Cumpre apreciar e decidir.

    ** II.- O Apelante/Réu funda o seu recurso nas seguintes conclusões: 1) A sentença recorrida reconheceu a servidão de aqueduto que onera o prédio do apelante em favor do prédio dos apelados, apesar de não ter reconhecido o direito às águas peticionadas pelos AA. sob o pedido formulado sob o nº 2; 2) Com o devido respeito, entendemos que o Mmº Juiz “ a quo” não decidiu bem; 3) Tendo sido apurado que a água não é propriedade dos AA. não lhes pode ser reconhecido o direito de servidão de aqueduto; 4) A servidão de aqueduto consiste no direito de fazer passar águas de que se é proprietário ou sobre as quais se tem outro direito, através de prédio alheio em direcção ao próprio prédio, utilizando um rego ou cano condutor (Definição de José Luís Santos, Servidões Prediais, 2ª edição aumentada, Coimbra Editora, 1983, p.48.) - artº 1561º do CC.

    5) nos presente autos, não resulta provado que os AA. beneficiem de qualquer direito sobre as águas que peticionaram, ónus que lhes incumbia.

    6) Pressuposto essencial e prévio para o reconhecimento desta servidão de aqueduto é que a parte que reclama a servidão tenha o direito às águas, o que não aconteceu.

    7) Face à matéria dada como provada não podia ter sido reconhecido o direito de servidão de aqueduto a onerar o prédio do Réu e a favor do prédio dos AA., devendo antes o Réu ser absolvido do dito pedido; 8) Mesmo que assim não se entenda, ou seja, decidindo-se manter que o prédio do Réu está onerado com a servidão de aqueduto a favor do prédio dos AA., o que não se concebe nem concede, o Mmº Juiz “ a quo” considerou também que as obras levadas a efeito pelo Réu alteraram a aludida servidão e condenou o Réu a repor a servidão como ela existia antes das obras por si realizadas; 9) O Réu limitou-se a proceder à colocação de meias canas no solo do rego durante um percurso de cerca de 37 metros, atento o sentido norte/sul e colocou, subterraneamente, tubos numa extensão de cerca de 18 metros, desembocando tais tubos já no prédio dos Autores, onde já existiam manilhas, como resulta do relatório pericial.

    10) E na sentença reconhece-se que “embora tenha sido demonstrada a ausência de prejuízo causado aos Autores, ficou por apurar a existência de uma sua autorização na alteração da servidão. Ora, sem autorização dos Autores (ou decisão judicial que supra tal consentimento), não poderia o Réu ter procedido à realização de obras no rego da água que atravessa o seu prédio, como veio a realizar, ainda que tal alteração não tenha causado qualquer prejuízo.” 11) Também nesta parte o Mmº Juiz “a quo”, com o devido respeito, não decidiu bem.

    12) A matéria de facto provada sob os pontos 7º a 9º da sentença não consubstancia uma alteração do modo de exercício da servidão de aqueduto.

    13) Não resultou provado que o Réu, com tal conduta, tenha causado qualquer prejuízo aos AA, designadamente a matéria alegada pelos AA. que “a alteração da fisionomia do aqueduto prejudica seriamente o normal correr da água” e que “a colocação de manilhas de tão reduzidas dimensões impede a total entrada do caudal, derivando, abruptamente, uma porção de água para o prédio do Réu”.

    14) Os Senhores Peritos foram unânimes em considerar que “a substituição do rego a céu aberto (em terra e granito) e das meias manilhas de cimento existentes por uma tubagem enterrada nas condições referidas nos quesitos 4º, 5º, e 8º dos AA., melhora a condução e aproveitamento dessa água por inexistência de perdas ao longo do trajecto.” 15) Não existe qualquer tipo de prejuízo para os AA., antes que até os beneficia, melhora a condução e aproveitamento da água.

    16) O Réu só fez tais obras porque era óbvio e claro que nenhum agravamento existia e que nenhuma oposição séria iria ocorrer por parte dos AA..

    17) Como escrevem P. de Lima e A. Varela, «se, por exemplo, o titular duma servidão de aqueduto em que a condução da água se faz por um rego coberto de pedra quiser substituir este por um tubo de ferro, que melhor proteja contra as perdas ou infiltrações de água, estará sem dúvida dentro dos poderes que lhe são conferidos no artigo 1565º, independentemente de saber se há ou não alteração da servidão». P. de Lima e A. Varela, Código Civil Anotado, Vol. III, pág. 666.

    18) Em consequência, a proibição imposta ao proprietário interessado de não modificar unilateralmente a modalidade de exercício da servidão não exclui a possibilidade do recurso a meios mais idóneos para esse exercício, meios tecnicamente mais modernos e eficientes.

    19) O essencial é sempre que seja respeitada a função da servidão e tais modificações não se traduzam num agravamento do ónus, o que ocorre in casu, aliás, trouxe vantagens.

    20) Não é essencial a maneira, o leito em que a água corre, desde que ela chegue ao local e satisfaça a finalidade a que se destina; 21) Tratou-se de uma simples alteração no leito, no meio de condução da água, e, por isso, tem de ser apreciada como uma modificação cuja legalidade deve ser ponderada unicamente pelo critério do estorvo do uso imposto na 1ª parte do nº 1 do artigo 1568º do CC.

    22) Pelo que o pedido da condenação do Réu a repor a servidão como ela existia antes das obras por si realizadas deve ser julgado improcedente e, em consequência, procedente a apelação e revogada a sentença recorrida; 23) A sentença em crise assentou em errados pressupostos de facto, fez uma errada subsunção dos factos ao direito, e violou, na interpretação defendida, o disposto nos artigos 1561º, 1565º e 1568º do Código Civil, devendo, por isso, ser revogada e substituída por outra que absolva os RR. dos pedidos formulados.

    ** III.- Por sua vez, os Apelantes/Autores fundam-se nas seguintes conclusões: 1ª Nos termos do disposto no artº 1386º, nº 1...

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