Acórdão nº 1166/14.8TBGMR-B.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 07 de Dezembro de 2017
Magistrado Responsável | MARGARIDA SOUSA |
Data da Resolução | 07 de Dezembro de 2017 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães: I. RELATÓRIO Inconformada com a decisão que a condenou como litigante de má-fé em multa de 3 UC, veio a Ré recorrer desta decisão apresentando as seguintes conclusões: 1ª - O despacho recorrido é nulo, de conhecimento oficioso, nos termos do disposto no artigo 615° n.º 1 aI. b) do CPC pois, no caso concreto, o despacho recorrido limita-se a condenar a ré em 3 UC sem justificar, em concreto, tal opção. Isto é, não se enxerga a razão pela qual o tribunal a quo optou condenar a ré em multa de 3 UC e não 1 ou 2 Ue.
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- Olhada a fundamentação do despacho em recurso, vemos que o mesmo é totalmente omisso na motivação/ análise crítica da prova, pois 3ª - Nada se diz na motivação da decisão, designadamente a razão por que se optou pela multa de 3 UC e não outra, sendo que o julgador terá de ponderar e valorar todos os factos alegados e os meios de prova produzidas, dando nota de qual a relevância atribuída a cada um deles, quais os motivos, do "porquê" de ter julgado os factos num ou noutro sentido (análise crítica da prova).
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- Verifica-se que, no caso, a convicção do Tribunal se reduz a nada, pois que se fica pela mera aplicação da multa de 3 UC sem se explicarem as razões pelas quais assim se optou.
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- O momento da fundamentação é, pode dizer-se, o momento mais crucial de toda a ação judicial, pois deve evidenciar, para todos os efeitos, as razões que alicerçam a decisão, tomando-a transparente e reveladora da imparcialidade e independência de quem julga.
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- Por isso, um despacho condenatório não fundamentado é o mesmo que um despacho caprichoso, pois é segredo para os outros e apenas está (estará) fundamentada na mente do seu autor.
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- Mas mais que nulo, o despacho recorrido está afetado de inconstitucionalidade, porquanto nada fundamenta, como o exige o artº 205°, nº 1 da Constituição da República Portuguesa, cujo princípio entronca naquele mais geral que é o direito de defesa previsto no artº 32°, nº 1, com a força jurídica estabelecida no artº 18º e cujo conhecimento se impõe ao Tribunal de recurso, ao abrigo do artº 204° do mesmo diploma.
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- Mesmo que assim senão entenda, o que não se concede, mas apenas por hipótese de trabalho se acautela, sempre a recorrida pugna o entendimento de que, in casu, não estão reunidos os pressupostos para a condenação como litigante de má-fé, conforme o disposto nas alíneas a) a d) do artigo 542.° do CPC.
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- A sanção por litigância de má-fé apenas deve ser aplicada aos casos em que se demonstre, pela conduta da parte, que ela quis, conscientemente, litigar de modo desconforme ao respeito devido ao tribunal e às partes. A condenação por litigância de má-fé só deve ser proferida quando não haja dúvidas sobre a atuação dolosa ou gravemente negligente da parte. Daí que, para que se conclua que uma parte litigou de má-fé não basta que a parte não veja acolhida a sua pretensão ou a sua versão dos factos. Pode defender convicta, séria e lealmente uma posição sem dela convencer o tribunal - veja-se, neste sentido, Acórdãos da Relação do Porto de 12/05/2005 e 06/10/2005 in vvvvvv.dgsi.pt/jtrp.
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- Ora, da análise do comportamento processual da ré não pode concluir-se pela sua litigância de má-fé, pois até os Autores desistiram do pedido de indemnização de litigância de má-fé que haviam formulado.
Com efeito, deve ter-se em boa linha de conta que a ré é uma associação, composta por uma Direção, Assembleia Geral e Conselho Fiscal, sendo que estes órgãos são ocupados por pessoas mandatadas por um determinado período de tempo (no caso, 2 anos) para gerir a dita associação.
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- No caso em apreço, a Direção da Ré presidida pelo Autor marido e da qual eram diretores as testemunhas C. M. e E. F. administraram a ré nos anos de 2009 a finais de 2012 (cfr. ponto 2 dos factos provados e os depoimentos do Autor marido e das testemunhas gravados).
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- Ora, os diretores da Ré que assumiram a Direção após a demissão do Autor marido e restantes diretores (em 2012) não faziam parte dos órgãos sociais dos mandatos do Autor marido - cfr. as procurações de fIs. 83 e 100 e as atas de fIs. 76-77; 81 - daí desconhecerem o contrato de mútuo em causa nos autos ou os empréstimos do Autor.
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- Aliás, foi esse desconhecimento que levou a própria ré a requerer a notificação do Banco X para esta juntar aos autos o aludido contrato de mútuo ¬cfr. fIs. 120-122 e fIs. 141 a 146.
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- Por outro lado, são os Autores quem alegam na PI a celebração do contrato de mútuo (cfr. artigos 70° a 73°) e, por isso, considerando o ónus da prova, impendia sobre eles a junção aos autos de tal documento (cfr. artigo 342° do CC e fIs. 110), pois aquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado.
I5ª - Não pode a ré ser «castigada» por um comportamento omissivo ou negligente dos Autores, nem pode ser «punida» por um facto que competia aos Autores provar.
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- Note-se que, como se alcança dos depoimentos gravados das testemunhas, foi o Autor marido e as restantes 2 testemunhas, os diretores C. M. e E. F., que fizeram o que muito bem entenderam junto da entidade bancária Banco X, decidindo contratar o empréstimo, vinculando a ré, sem darem sequer o mínimo conhecimento desse negócio aos sócios/associados da ré a quem deviam prestar contas da sua gestão. Está provado que a Assembleia Geral da Ré não autorizou previamente a contratação do empréstimo junto da Banco X (dr. ponto 13 dos factos provados).
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- Acresce que não constam dos relatórios anuais de contas da ré os empréstimos do Autor. Se estes lá não constam, não se pode concluir que a ré negou tais empréstimos. Além do mais, tais relatórios anuais de contas foram elaborados pela Direção do Autor marido e das citadas testemunhas, e não consta dos autos que tenham sido aprovados pelo Conselho Fiscal, pois nem sequer está junto o respetivo Parecer.
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- A ré limitou-se pois a alegar desconhecimento, competindo aos Autores provarem tal facto. Aliás, por referência aos documentos dos autos - não se sustenta quais são os relatórios anuais de contas da ré onde alegadamente constam tais empréstimos.
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- Por outro lado, foram patentes nos autos as dificuldades da ré em juntar as atas solicitadas, como se alcança dos requerimentos de fIs. 120 e 139, mas que acabou por juntar as que possuía com o requerimento de fIs. 196 a 201.
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- Aliás, as dificuldades na obtenção das atas foram justificadas sempre desde o inicio do processo e reiteradas no requerimento de fIs. 232 a 234, que aqui se reproduz, motivadas pelo facto dos atuais membros da Direção da Ré (que, repete-se, não fizeram parte das anteriores Direções) nunca terem localizado os livros das reuniões da Direção e da Assembleia Geral respeitantes aos mandatos anteriores, apurando, a final, que tais livros nunca existiram, sendo tais atas elaboradas em documentos avulsos, sem registo e de forma avulsa, para o caso concreto a tratar.
Os Autores sempre foram disso conhecedores, pois a própria ata da Direção, presidida pelo Autor marido, que serviu ou foi utilizada para celebrar o contrato de mútuo em causa com o Banco X foi em documento avulso, como se alcança de fIs. 200V.
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- A atuação da ré não desrespeitou pois o tribunal ou a parte contrária, pois, de outro modo, os Autores não teriam desistido do pedido de litigância de má¬fé formulado.
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- Aliás, como resulta dos depoimentos gravados do Autor marido e das testemunhas, a parte contrária conhecia bem a realidade da ré, que é uma associação totalmente amadora, gerida por pessoas que, de modo voluntário, sem qualquer remuneração, se dedicam a procurar fazer bem aos associados que a procuram, sobretudo jovens, para a prática do desporto, nomeadamente andebol e outros desportos tradicionais, como damas e xadrez.
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- É uma associação de pequena dimensão, que não visa o lucro, e, na qual, as questões formais e documentais são, muitas vezes, deixadas para “segundo plano”.
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- Deve também dizer-se que as questões formais de elaboração de atas, de relatórios e contas e pareceres, têm um cunho marcadamente jurídico, não sendo exigível aos legais representantes da ré que tivessem conhecimento das implicações processuais da falta de livros de atas.
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- Daí que não possa imputar-se à ré e ao seu legal representante um comportamento consciente e reprovável com vista a impedir ou a entorpecer a ação da justiça.
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- Nenhum dos comportamentos imputados à ré, pode pois considerar-se de má-fé no sentido do desrespeito do tribunal ou da parte contrária, eivado de um comportamento doloso ou gravemente negligente.
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- Não existem pois nos autos elementos que levem à conclusão da litigância de má-fé no sentido de que ela só deve ocorrer quando se demonstre nos autos, de forma manifesta e inequívoca, que a parte agiu, conscientemente, de forma manifestamente reprovável, com vista a impedir ou a entorpecer a ação da justiça, não se levantando quaisquer dúvidas sobre a atuação dolosa ou gravemente negligente da parte.
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- O montante da multa aplicada de 3UC é, assim, desajustada e indevida.
Nestes termos, nos melhores de direito e sempre com o mui douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, revogar-se a decisão recorrida, nos termos das articuladas conclusões, Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
***II. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO Como é sabido, as conclusões da alegação do recorrente delimitam o objeto do recurso, ressalvadas as questões que sejam do conhecimento oficioso do tribunal (artigos 635º, n.º 4, e 639º, n.º 1, do NCPC).
Assim sendo, no caso, são as seguintes as questões a decidir: - Saber se o despacho recorrido é nulo por falta de fundamentação; - Saber se, no caso, se verificam os pressupostos da condenação por litigância de má-fé.
***III. Factos a considerar 1. Na sequência de acórdão desta Relação proferido em 05.01.2017, que anulou sentença anterior no tocante à condenação da Ré como litigante de má-fé, determinando que...
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