Acórdão nº 1897/16.8T8GMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 18 de Dezembro de 2017

Magistrado ResponsávelJOS
Data da Resolução18 de Dezembro de 2017
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães: I. RELATÓRIO Os autores Joaquim e Maria intentaram, em 24-03-2016, no Tribunal de Braga, a presente acção declarativa, com processo comum, contra os réus: -1ºs José e esposa S. O.

; -2ºs A. R.

e marido Paulo.

Formularam os seguintes pedidos:

  1. Deve ser declarada judicialmente a existência do crédito dos autores sobre os 1ºs co-réus José e cônjuge S. O., no valor de € 106.200,00; b) Devem os 1ºs co-réus José e cônjuge S. O., ser condenados solidariamente a pagar aos autores a quantia de € 106.200,00, a título de indemnização pelos prejuízos por estes sofridos com o incumprimento por parte dos mesmos de todas as obrigações por si assumidas e emergentes do contrato de assunção de dívida; c) Devem os mesmos 1ºs co-réus ser condenados a pagar aos autores juros de mora, a incidir sobre as quantias em dívida, à taxa supletiva legal, contados desde a citação até integral pagamento; d) Deve ser decretada a ineficácia em relação aos autores do acto de “doação” e deve ser ordenado aos 2ºs co-réus A. R. e marido Paulo, a restituição do referido bem imóvel ao património dos 1ºs réus, de modo a que os autores se possam pagar à custa desse prédio; e) Devem todos os réus ser condenados nas custas e procuradoria condigna.

    f) Deve ser declarada a nulidade, com todas as consequências legais, do acto de doação em virtude de o mesmo enfermar do vício de simulação.

    Para tal, em síntese, alegaram que os 1ºs réus eram os únicos sócios e gerentes da sociedade “LB – Construções de Basto, Ldª”, declarada insolvente por sentença transitada em julgado em 03-12-2013. Em 2007, para obterem parte do financiamento à construção de um prédio, a Sociedade e os 1ºs réus fizeram um contrato verbal com o autor, mais tarde reduzido a escrito, através do qual aqueles prometeram vender e este comprar-lhes, livres de ónus e encargos, cinco das fracções projectadas pelo preço de 235.000€, do qual, em 14 de Setembro, o autor pagou àquela 100.000€, tendo posteriormente sido pago o resto de tal preço.

    As fracções A, B, C, D, bem como a F, mais tarde negociada, estão registadas a favor dos autores, tendo sido formalizada a sua venda em 09-01-2013. A posição relativa à E foi cedida por contrato. O prédio estava todo dado de hipoteca ao Banco para garantir um mútuo de 500.000€.

    Naquela mesma data – 09-01-2013 –, a “LB” declarou, por documento escrito autenticado denominado “Confissão de Dívida”, ser devedora aos autores da quantia de 65.000€, a pagar-lhes em 26 prestações trimestrais iguais e sucessivas, vencendo-se a primeira em 30-06-2013 (quantia correspondente ao valor das hipotecas sobre aquelas fracções, sendo que para as cancelar o autor pagou 67.000€).

    A “LB” obrigou-se ainda a acabar as obras das fracções A e B até 30-06-2013, sob pena de indemnizar os autores pelos prejuízos que lhes viesse a causar.

    Contudo, tal Sociedade não pagou a dívida confessada nem concluiu as obras prometidas, tendo sido os autores que, a expensas suas, contrataram um terceiro para as executar, despendendo nisso a quantia de €22.997,31 e mais a quantia de 5.864,88€ em granitos paga ao respectivo fornecedor.

    O crédito dos autores sobre aquele totaliza, somando, 106.200€.

    No mesmo documento de confissão de dívida, os 1ºs co-réus assumiram a qualidade de fiadores e responsabilizaram-se pessoal e solidariamente por todas as obrigações que a sociedade “LB Ld.ª” ali contraiu.

    Acontece que, em 16-03-2012, os 2ºs co-réus haviam doado à sua filha A. R., 3ª ré, por conta da quota disponível, uma casa de cave, rés-do-chão e andar, com quintal anexo, destinada a habitação, sita no Lugar …, Freguesia de Basto, com piscina e abastecida por furo artesiano construídos pelos autores, cujo valor real era de, pelo menos, 120.000€.

    Tal doação fora realizada (dolosamente) pelos 1ºs co-réus com a intenção e finalidade de impedirem a satisfação do direito de crédito dos autores, que os mesmos sabiam existir, já que, no âmbito das negociações tendentes ao distrate da hipoteca, havia sido acordado que os mesmos se assumiriam como garantes das dívidas da “LB, Ld.ª”. Os 1ºs réus continuaram a lá viver e a fazer a sua vida, a referir-se à casa como sua, nunca eles tendo querido dar nem a 3ª ré aceitar o respectivo direito de propriedade.

    A 2ª ré sabia das obrigações assumidas pelos 1ºs réus seus pais e do crédito dos autores, aceitando servir de “testa de ferro”, fazendo todos de conta que se tratava de doação para a casa não poder ser judicialmente apreendida nem responder pelas dívidas, nomeadamente aos autores. Ela, afirmou, aliás, que a casa continua a ser dos pais e que a doação foi feita para evitar a penhora.

    Os 1ºs réus não têm qualquer outro património imobiliário. Quiseram enganar os autores, pois ao assinaram a fiança declararam-lhes que o tinham, nomeadamente a dita casa.

    Os autores ficaram assim impossibilitados de realizarem o seu crédito, sendo aquele o único bem dos devedores. Só tiveram conhecimento dessa escritura em Junho de 2014, quando interpelaram extrajudicialmente os 1ºs co-réus para pagarem a dívida que haviam assumido no documento de confissão de dívida.

    Além de impugnável, a doação é nula, por simulada.

    O 1º réu não contestou, apesar de citado.

    A 1ª ré S. O.

    , contestando, impugnou, por desconhecimento e alegada falsidade, parte dos factos, dizendo nunca ter sido gerente da “LB”, não ter assinado nem sequer sabido do contrato promessa (não tendo sido feita pelo seu punho mas imitada a assinatura que dele consta como sua), salientando que a confissão de dívida é posterior à doação, não tendo os autores qualquer crédito quando esta foi feita, pelo que não se verificam os pressupostos alegados. Acrescentou que foram os autores que quiseram e solicitaram a realização da escritura das fracções e se disponibilizaram a pagar a hipoteca para prevenirem as fortes hipóteses de insolvência da “LB”, de apenas ficarem com um crédito sem garantia real e perderem os valores entregues. Bem sabiam eles que, à data da confissão, os 1ºs réus já não eram donos da casa doada e, por isso, ainda pediram à 2ª ré sua filha que fosse ela a dá-la de hipoteca em garantia da fiança. Agem eles em abuso de direito.

    Os 2ºs réus, contestando, impugnaram, por desconhecimento e falsidade, parte dos factos, e alegaram ser alheios aos negócios, desconhecendo qualquer crédito dos autores anterior ou contemporâneo da doação, salientando que o declarado na escritura de doação corresponde à realidade e que nenhuma outra intenção existiu.

    Ambos os contestantes impugnaram todos os documentos e concluíram pela improcedência da acção.

    Sem audiência prévia, por despacho foi fixado o valor da causa, relatados, para efeitos de identificação do objecto do litígio, os termos do processo com transcrição dos pedidos e resumo dos termos dos articulados, enunciados três temas a provar, apreciados os requerimentos indicativos dos meios para tal e designada data para a audiência de julgamento.

    Realizou-se esta, com observância das formalidades descritas na acta respectiva, no seu decurso tendo sido tomado depoimento de parte do autor e inquiridas oito testemunhas.

    Após, com data de 19-06-2017, foi proferida a sentença (fls. 206 a 214) que, considerando prejudicado o conhecimento do pedido subsidiário, culminou na seguinte decisão: “Pelo exposto, vai a presente acção julgada totalmente procedente, com a consequente condenação dos réus José e S. O. no pagamento da quantia de € 93.862,19 (noventa e três mil, oitocentos e sessenta e dois euros e dezanove cêntimos), acrescida de juros à taxa de 4%, contados desde a citação até integral pagamento.

    Mais se declara a doação do prédio urbano composto de casa de rés-do-chão, andar e cave, destinado a habitação, com quintal anexo, sito no Lugar …, freguesia de Basto, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº …, ineficaz relativamente a Joaquim e cônjuge, Maria, que poderão executá-lo até ao limite do crédito reconhecido.

    Custas pelos réus – art. 527º do CPC.

    Notifique e registe.

    Os 2º réus A. R. e Paulo não se conformaram e interpuseram dela recurso para esta Relação, alegando e concluindo: “1 – O douto Acórdão recorrido apesar do seu apreciável recorte técnico, não fez, salvo devido respeito, correcta aplicação do direito aos factos e não tomou em consideração toda a matéria relevante, bem como, por outro lado, se algumas das normas legais fossem aplicadas e interpretadas correctamente conduziriam, necessariamente, e com a devida vénia, a decisão diferente da tomada pelo Douto Tribunal a quo.

    2 – Os apelantes consideram incorrectamente julgado o ponto 15 dos factos provados, já que há depoimentos gravados que devidamente analisados e ponderados impõem, designadamente, que fossem dados como “Não Provados”.

    3 – As testemunhas dos apelados nada sabem sobre o negócio jurídico efectuado entre as partes – confissão de divida, evidenciando apenas as obras que fizeram para os apelados e, ainda, que a apelante sempre viveu no imóvel objecto de doação, e apesar de referirem ter conhecimento da dificuldade económica que apresentava a LB, Lda., empresa do primeiro R., essa dificuldade era referida por terceiros, porque a eles nada deveram em algum momento, ou seja, nenhuma das testemunhas inquiridas denotou o mínimo de conhecimento pessoal, fundamentado e conciso acerca de tal realidade.

    4 – A Mma Juiz “a quo” firmou também a sua convicção no depoimento prestado pela filha dos apelados, o que patenteia que o seu depoimento não foi analisado de forma crítica, pois não deveria ter sido considerado credível e razoável à luz das regras da ciência, da lógica e da experiência, sendo certo que tais exigências mais saem reforçadas quando se trata de uma testemunha que, pelo grau de parentesco, tem interesse “próprio” na decisão final.

    5 – Porém, os doadores e a donatária não actuaram de forma silenciosa e de segredo sobre as suas vidas, escondendo essa situação das pessoas, pois claro foi que o apelado marido, aquando...

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