Acórdão nº 2717/16.9T8VNF-B.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 18 de Dezembro de 2017

Magistrado ResponsávelESPINHEIRA BALTAR
Data da Resolução18 de Dezembro de 2017
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam em Conferência na Secção Cível da Relação de Guimarães Construções A Lda foi declarada insolvente, por sentença proferida nos autos principais e transitada em julgado.

Na sentença declaratória da insolvência, foi fixado o prazo de 30 dias para a reclamação de créditos.

Findo o prazo para a reclamação, dentro dos 15 dias subsequentes ao termo do referido prazo, o Sr. Administrador da insolvência juntou aos autos a lista de todos os credores por si reconhecidos, obedecendo a todas as formalidades legais.

O credor Banco X, SA veio impugnar a lista de créditos reconhecidos, quanto à natureza dos seus créditos.

Também a credora PD impugnou a lista de créditos reconhecidos quanto à natureza do seu crédito, que foi considerado como comum, defendendo que goza de garantia real – direito de retenção.

A credora Banco X, SA apresentou resposta à impugnação apresentada pela credora PD, impugnando o crédito desta, bem como a natureza que esta pretende que lhe seja atribuída.

O senhor Administrador da Insolvência respondeu, aceitando o crédito da Banco X, SA nos termos constantes da impugnação apresentada por esta credora e defendendo a improcedência da impugnação apresentada pela credora PD, ou seja, mantendo o reconhecimento do crédito conforme constava da lista de créditos reconhecidos.

Atento o reconhecimento pelo senhor Administrador da Insolvência e não oposição da insolvente quanto ao crédito da credora Banco X, SA, foi julgada a procedente a impugnação por esta apresentada, quanto ao seu crédito.

Foi proferido despacho saneador, nos termos do qual o tribunal foi considerado o competente, as partes dotadas de personalidade e capacidade judiciárias, bem como de legitimidade, e o processo isento de nulidades, exceções ou questões prévias que obstassem ao conhecimento do mérito da causa e que cumprisse conhecer, estado em que se mantém.

Procedeu-se a audiência de julgamento.

Foi proferida decisão nos seguintes termos: “Termos em que reconheço a PD um crédito sobre a insolvente no valor de € 369.897,05, com a natureza comum, improcedendo, assim, a impugnação que apresentou, bem como parcialmente a impugnação do credor Banco X, SA quanto a esta matéria.” Inconformada com o decidido a credora reclamante PD interpôs recurso de apelação formulando as seguintes conclusões: “I. Vem o presente recurso interposto da sentença proferida pelo Tribunal a quo, especificamente na parte do segmento decisório que ora se transcreve: "Termos em que reconheço a PD um crédito sobre a insolvente no valor de € 369.897,05, com a natureza comum, improcedendo, assim, a impugnação que apresentou... " (itálico e sublinhado nosso).

II. Para justificar a referida decisão, entendeu o Tribunal a quo que a Recorrente, não tendo prestado sinal no contrato-promessa de permuta em causa nos autos, não beneficia do direito de retenção previsto na norma geral do artigo 754° do Código Civil, nem se enquadra na situação prevista no artigo 755° n.º 1 alínea f) do mesmo Código, concluindo que " ... não tem a credora PD fundamento legal que lhe permita a qualificação do seu crédito como garantido por direito de retenção sobre as fracções." - vide decisão recorrida, página 8, último parágrafo.

III. A aplicabilidade do artigo 755° n.º 1 alínea f) do Código Civil não só não depende da entrega de sinal, como abrange outros contratos para além da promessa de compra e venda, estando verificados todos os pressupostos para que o crédito da Recorrente seja reconhecido como garantido por direito de retenção sobre as fracções A (em Gaveto) e C (em Banda) do artigo matricial …° da União das Freguesias de B e C, descritas na Conservatória do Registo Predial sob os n.ºs … e …, até ser ressarcida do montante do crédito reconhecido.

IV. A decisão em crise não engloba uma correcta subsunção dos factos provados às disposições jurídicas aplicáveis, impondo-se uma diversa solução jurídica, em concreto que reconheça que o crédito da Recorrente, no valor de € 369.897,05 (trezentos e sessenta e nove mil oitocentos e noventa e sete euros e cinco cêntimos), encontra-se garantido por direito de retenção sobre as fracções A e C do artigo matricial … da União das Freguesias de B e C, descritas na Conservatória do Registo Predial sob os n.ºs … e …, correspondentes, respectivamente, às verbas n.º 1 e 3 do auto de apreensão de bens.

V. A questão (única) a decidir por este Venerando Tribunal é aferir qual a natureza do crédito da Recorrente, isto é, se de natureza comum como decidiu a sentença em crise, se garantido por direito de retenção, como defende e aqui pugna a Recorrente.

VI. Qualificando o contrato celebrado entre Recorrente e Insolvente em 17.01.2007 - doc. 2 junto com a impugnação de créditos -, trata-se de um contrato-promessa de permuta, através do qual a Recorrente, enquanto proprietária do prédio rústico com capacidade construtiva, sito no …, freguesia de B, concelho de Esposende, designado por terreno da horta, com uma área de 41 00m2, confrontando a Norte com CL, de Sul e Nascente com caminho, e de Poente com Caminho de Servidão, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º …, e inscrito na respectiva matriz rústica sob o artigo …°, prometeu permutá-lo com a Insolvente em troca de duas moradias a edificar por esta nesse mesmo terreno, acabadas e prontas a habitar - cfr. factos provados sob as alíneas A a F.

VII. As fracções a edificar e a entregar pela Insolvente à Recorrente vieram a ser identificadas na matriz pelas fracções A (em Gaveto) e C (em Banda) do novo artigo matricial …° da União das Freguesias de B e C, encontrando-se descritas na Conservatória do Registo predial sob os n.ºs … e …, correspondendo, tendo por referência o auto de apreensão de bens apresentado pelo Sr. Administrador de Insolvência, às verbas descritas sob os números 1 (fracção A) e 3 (fracção C)) - cfr. factos provados sob as alíneas L e M.

VIII. No caso de contrato-promessa em que não tenha havido sinal mas tenha havido tradição da coisa o regime é o seguinte: “o incumprimento por parte do promitente da alienação ou constituição dá ao credor o direito a exigir, a título indemnizatório, o valor actual do direito não transmitido ou constituído, descontado o preço convencionalmente estipulado - cf. Ana Prata, Contrato-Promessa e o seu Regime Civil, Livraria Almedina. 1995 - fls. 846 e sgs. Gaivão Telles, Direito das Obrigações, 6a edição-138.

IX. O direito de retenção é um direito real de garantia - arts. 754°, 758° e 759° do CC - atribui a possibilidade ao seu titular de se pagar, com preferência aos demais credores, sobre o valor da coisa retida, constituindo também uma causa legítima de incumprimento de obrigação de responsabilidade, ou seja, tido como uma causa de licitude, à semelhança da "exceptio non adimpleti contractus", não está sujeito a registo e vale "erga omnes" - cf. Ac. STJ de 7/10/82 e 22/6/89 in BMJ 320-407, RLJ, 119-179, com anotação A. Varela e AJ, 1%-14, respectivamente, Gaivão Telles, o Direito, 106°/119°-17.

X. O direito de retenção previsto no art. 755°, alínea f) do Código Civil abrange outros contratos promessa, que não só o de compra e venda, ou seja, qualquer contrato promessa de transmissão ou constituição de um direito real, nomeadamente, o do caso dos autos, o contrato-promessa de permuta - cf. Ac. STJ 2/7/96, CJ 1996, ano IV, tomo II - 159.

XI. A Recorrente, em virtude de ter celebrado um contrato-promessa de permuta, goza do direito de retenção que lhe é concedido pelo art. 755° alínea f) do Código Civil, apesar de não ter havido entrega de sinal.

XII. Este direito constitui garantia do seu crédito resultante do incumprimento por parte da insolvente, crédito que se encontra pacificamente quantificado e reconhecido, e que ascende ao valor de € 369.897,05 (trezentos e sessenta e nove mil oitocentos e noventa e sete euros e cinco cêntimos).

XIII. Constituindo o direito de retenção um direito real de garantia, goza a Recorrente do direito de ser paga com preferência aos demais credores - um poder de sequela -, pois goza do direito de prevalência sobre a hipoteca, ainda que o registo desta seja anterior, nos termos do artigo 759° do Código Civil.

XIV. Do conceito de direito de retenção, o que resulta é a necessidade de traditio rei. A existência de sinal, de cumprimento definitivo ou de simples mora, não fazem parte do conteúdo desde direito nem estiveram na base do seu reconhecimento.

XV. O direito de retenção previsto na alínea f) do n.º 1 do artº 755° do C.C. assenta em três pressupostos: i) existência de promessa de transmissão ou de constituição de direito real;ii) entrega da coisa objecto do contrato promessa; iii) titularidade, por parte do beneficiário, de um crédito sobre a outra parte, decorrente do incumprimento definitivo do contrato prometido, pressupostos que se encontram inequivocamente preenchidos para que assista à Recorrente o direito de retenção.

XVI. Mesmo à luz da norma geral prevista no artigo 754° do Código Civil, assiste à Recorrente...

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