Acórdão nº 730/16.5T8GMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 18 de Dezembro de 2017

Magistrado ResponsávelMARIA JO
Data da Resolução18 de Dezembro de 2017
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência (após corridos os vistos legais) os Juízes da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, sendo Relatora - Maria João Marques Pinto de Matos; 1º Adjunto - José Alberto Martins Moreira Dias; 2º Adjunto - António José Saúde Barroca Penha.

*I - RELATÓRIO 1.1.

Decisão impugnada 1.1.1. José (aqui Recorrido), residente na Travessa …., da freguesia de …, concelho de Guimarães, propôs a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra António e mulher, Manuela (aqui Recorrentes), residentes na Rua …, freguesia de …, concelho de Guimarães, pedindo que: · fosse declarada a nulidade, por simulação, do contrato de compra e venda celebrado por escritura outorgada em 30 de Março de 2009, de fls. 71 a 74 do Livro de notas para escrituras diversas nº ..., do Cartório da Notária Alexandra; · fossem condenados os Réus a reconhecerem que o Autor é o dono e legítimo proprietário e possuidor do prédio dela objecto; · fosse ordenado o cancelamento do registo de aquisição de tal prédio a favor dos Réus; · fosse ordenado o cancelamento de todos os ónus ou encargos incidentes sobre o aludido prédio.

· Alegou para o efeito, em síntese, ter declarado vender aos Réus, e terem estes declarado comprar-lhe, por escritura notarial de 30 de Março de 2009, a fracção autónoma designada pela letra «C», correspondente ao rés-do-chão, primeiro andar em parte e entre pisos, e logradouro a norte nascente, do prédio urbano sido na Rua ..., freguesia de ..., concelho de Guimarães, pelo preço declarado de € 175.000,00.

Mais alegou ter sido, porém, aquela venda simulada, servindo apenas para que ele próprio, com a conivência dos Réus, viesse a beneficiar do empréstimo concedido pelo Banco A, S.A. a estes últimos, necessário à viabilização do seu negócio de reparação de automóveis, instalado precisamente no prédio pretensamente pretendido vender e pretendido comprar; e ter sido igualmente destinado a si próprio um outro mútuo, celebrado por instrumento avulso de 23 de Dezembro de 2009, concedido pela mesmo Banco A, S.A. aos mesmos Réus, e com vista ao mesmo propósito referido antes, de viabilização do giro comercial da sua oficina de reparação automóvel.

Alegou ainda o Autor que, para garantia das quantias assim mutuadas, foram constituídas duas sucessivas hipotecas sobre o prédio em causa.

Por fim, o Autor defendeu que, sendo a pretensa compra e venda referida nula, por simulação absoluta, assistir-lhe-ia o direito de a ver aqui declarada, tal como a declaração de nulidade dos registos realizados no pressuposto da sua validade.

1.1.2.

Regularmente citados, os Réus (António e mulher, Manuela) contestaram, pedindo que a acção fosse julgada improcedente, sendo eles próprios absolvidos do pedido Alegaram para o efeito, em síntese, não ter sido o contrato de compra e venda de fracção autónoma celebrado com o Autor simulado, sem prejuízo do mesmo se propor futuramente, se melhorasse de condição financeira, readquirir-lhes o imóvel dele objecto, pagando-lhes o respectivo preço.

Mais alegaram que, não só eles próprios já pagaram à Banco A, S.A. a quantia de € 70.987,92, para amortização do empréstimo que contraíram para aquisição da dita fracção (sendo as quantias que o Autor satisfez, por conta do cumprimento do empréstimo por eles próprio contraído, apenas amortizações parciais do futuro preço da sua eventual reaquisição por ele próprio), como terem-na sucessivamente hipotecado, para garantia de pagamento de duas dívidas fiscais de Tabacos A. R., S.A., de que são sócios e gerentes.

Alegaram ainda que, tendo-lhes o Autor pedido emprestada a quantia de € 55.000,00, e como não dispusessem da mesma, voltaram a pedir um empréstimo à Banco A, S.A., de igual montante, garantido por nova hipoteca sobre a fracção em causa, entregando-lhe depois aquele montante, com a obrigação do Autor o restituir a eles próprios.

Por fim, os Réus defenderam que, tendo todas as declarações negociais correspondido à vontade real dos seus autores, não se verificaria nos autos, nem a simulação do contrato de compra e venda da fracção autónoma em causa, nem dos empréstimos por eles contraídos junto do Banco A, S.A..

1.1.3.

Convidado por despacho o Autor a fazer intervir nos autos o Banco A, S.A. e a Autoridade Tributária e Aduaneira (por preterição de litisconsórcio necessário passivo), veio deduzir incidente de intervenção principal provocada, relativamente a ambas, que lhe foi deferido.

1.1.4.

Regularmente citadas, as Intervenientes Principais provocadas contestaram, pedindo que a acção fosse julgada improcedente quanto a elas próprias, sendo cada uma delas absolvida dos pedidos 1.1.4.1.

O Banco A, S.A.

fê-lo alegando, em síntese, ter concedido aos Réus os dois financiamentos por eles solicitados, para garantia dos quais constituiu duas hipotecas sobre a fracção autónoma em causa, actuando sempre convicta que as declarações negociais que lhe foram dirigidas por aqueles correspondiam à sua vontade real, tal como sucedeu com as que ela própria emitiu.

Mais alegou que, ainda que o contrato de compra e venda celebrado entre o Autor e os Réus fosse nulo, por simulação, essa nulidade não lhe seria oponível atento o disposto no art. 291º do C.C., mantendo-se por isso plenamente válidos e eficazes os financiamentos por si realizados aos Réus, e as hipotecas constituídas para os garantirem.

1.1.4.2.

A Autoridade Tributária e Aduaneira contestou alegando, em síntese, não saber, nem ter de saber, se o contrato de compra e venda celebrado entre o Autor e os Réus foi simulado, uma vez que a nulidade daí resultante não lhe seria oponível, nos termos do art. 291º do C.C. e do art. 17º, nº 2 do C.R.P., por: consubstanciar um negócio oneroso; ela própria se encontrar de boa fé; ter registado as hipotecas que garantem os dois créditos fiscais antes da propositura da presente acção; e a mesma ter sido intentada decorridos que estavam três anos sobre a celebração do negócio pretensamente simulado.

1.1.5.

Dispensada a realização de uma audiência prévia, foi proferido despacho: saneador (certificando tabelarmente a validade e a regularidade da instância); definindo o objecto do litígio e enunciando os temas da prova; apreciando os requerimentos probatórios das partes e agendando a realização da audiência final.

1.1.6.

Cumprido o demais legal, e realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença, julgando a acção parcialmente procedente, lendo-se nomeadamente na mesma: «(…) a).

declaro a nulidade, por simulação, do contrato de compra e venda titulado pela escritura pública supra referida em I.1, e determino o cancelamento do registo de aquisição, a favor dos Réus, através das Ap. nº 446, de 2009/02/20 e nº 4706, de 2009/04/01, da fracção autónoma designada pela letra “C” (“oficina e comércio de automóveis, no rés-do-chão, primeiro andar em parte e entre pisos, a norte/nascente, faz parte desta fracção um logradouro a norte/nascente”) do prédio urbano sito na Rua ..., da freguesia de ..., do concelho de Guimarães, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº. ... daquela freguesia e actualmente inscrito na matriz urbana da freguesia de ... sob o artigo 3414; b).

condeno os Réus, António e mulher Manuela, a reconhecerem que o Autor é dono e possuidor do prédio identificado em a).; c).

e absolvo os Réus e as Intervenientes Principais, Banco A, S.A., e Autoridade Tributária e Aduaneira, do mais que vinha peticionado.

Custas a cargo de Autor e Réus, na proporção dos respectivos decaimentos que se fixam, respectivamente, em 1/10 e 9/10 (cfr. artigo 527º/1 e 2 do C. P. Civil).

(…)»*1.2. Recurso (fundamentos) Inconformados com esta decisão, os Réus (António e mulher, Manuela) interpuseram o presente recurso de apelação, pedindo que o mesmo fosse provido e julgada totalmente improcedente a acção.

Concluíram as suas alegações da seguinte forma (sintetizada, sem repetições do processado, ou reproduções de textos legais ou jurisprudenciais): 1ª - Ter o Tribunal a quo feito uma errada interpretação e valoração da prova produzida, nomeadamente porque não permitia que se dessem como provados os factos enunciados na sentença recorrida sob o número 15 («Foi sugerido ao Autor que, “se arranjasse alguém com capacidade financeira e um bom perfil bancário” que aparecesse como comprador do imóvel, não haveria dificuldade em obter crédito e resolver o seu problema e o da sua sociedade, podendo, posteriormente e quando as coisas melhorassem, reaver o imóvel do hipotético “comprador»), sob o número 20 («E, posteriormente acordaram em solicitar mais um empréstimo de cerca de 50.000,00€»), sob o número 21 («De modo a resolver a situação de mora perante o Banco A, permitindo o segundo empréstimo dar ao autor a liquidez de que este necessitava para a sua empresa Auto A.»), sob o número 25 («A diferença de valor (1.319,84€) foi consumida pelas despesas com a avaliação do imóvel, processo de crédito e pagamento da escritura e conversão dos registos»), sob o número 26 («À data da primeira operação – Março de 2009 -, ficou convencionado entre o Autor e os Réus que estes cederiam ao autor uma conta bancária do Banco A de que aqueles eram titulares, para que este e a então sua mulher a movimentassem exclusivamente»), sob o número 33 («A partir do dia 1 de Abril de 2009, essa conta, da titularidade dos réus, passou a ser movimentada exclusivamente pelo autor e pela então sua mulher M. Manuela, mediante a utilização da respectiva caderneta e do cartão de crédito a ela associado»), sob o número 34 («Sem qualquer intervenção dos réus e sem o conhecimento ou consentimento destes para qualquer das operações nela realizadas por aqueles, no cumprimento do acordo então celebrado entre todos»), sob o número 36 («O Autor não quis vender e os Réus não quiseram comprar a fracção C»), sob o número 37 («E pretenderam enganar o Banco A, levando-a a conceder créditos ao autor, através das pessoas dos Réus, que de outra forma aquele não conseguiria»), sob o...

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