Acórdão nº 1744/16.0JAPRT.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 11 de Setembro de 2017

Magistrado ResponsávelAUSENDA GON
Data da Resolução11 de Setembro de 2017
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, na Secção Penal, do Tribunal da Relação de Guimarães: No processo comum colectivo nº 1744/16.0JAPRT da Instância Central, Cível e Criminal, da Comarca de Bragança, o arguido António foi condenado, por acórdão proferido em 10/02/2017 e depositado na mesma data, como autor de um crime de homicídio qualificado, previsto e punido pelos artigos 131º, 132º, nºs 1 e 2, alíneas e) e j), agravado pela utilização de arma de fogo, nos termos do disposto no artigo 86, nº 3 da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro (com referência à alínea c) do nº 1 do mesmo preceito legal e aos artigos 2º, nº 1, alíneas p) e s) e 3, nº 6, alínea c) do mesmo diploma legal) na pena de 18 (dezoito) anos e 6 (seis) meses de prisão.

Foi ainda o arguido condenado: - a pagar às demandantes civis G. Miranda, Cecília e Hermínia, a título de compensação pela perda do direito à vida a quantia de € 55.000 (cinquenta e cinco mil euros), acrescida de juros à taxa legal em vigor sobre o capital em dívida, contabilizados desde a data da decisão até integral e efectivo pagamento; - a pagar a cada uma das demandantes civis, G. Miranda, Cecília e Hermínia, a título de compensação pelos danos não patrimoniais próprios, a quantia de € 20.000 (vinte mil euros), acrescida de juros à taxa legal em vigor sobre o capital em dívida, contabilizados desde a data da decisão até integral e efectivo pagamento; - a pagar à demandante civil G. Miranda, a título de indemnização pela dano patrimonial futuro, a quantia de € 47.000 (quarenta e sete mil euros), acrescida de juros moratórios, vencidos e vincendos, à taxa legal em vigor, sobre o capital em dívida, contabilizados desde a data da notificação a que alude o art. 78º do Código de Processo Penal até integral e efectivo pagamento.

Inconformado, o arguido interpôs recurso dessa decisão, formulando na sua motivação as conclusões a seguir enunciadas: «Primeira - Relativamente aos factos descritos na Douta Acusação Pública e no Douto Acórdão, não existem testemunhas oculares, e toda a factualidade foi dada como provada e não provada foi fruto das declarações do arguido, como o é referido de forma reiterada no Douto Acórdão “...a convicção dos Julgadores estribou-se, mais uma vez, nas declarações do próprio.” Segunda - Deste modo, não se compreende, nem como, nem o porquê, de terem sido dados como provados os factos constantes nos pontos 5, 11, 12, 13, 14, 17, 18, 19, 20, 21, do Douto Acórdão, pois em momento algum foi feita prova em audiência de julgamento sobre tais factos, Terceira- Nem arguido, nem qualquer testemunha alguma vez afirmaram os factos da maneira que vêem descritos nos pontos 5, 11, 12, 13, 14, 17, 18, 19, 20, 21, do Douto Acórdão. E, por isso, se estranha o facto de “...a convicção dos Julgadores...” se tenha estribado apenas em algumas declarações do arguido, e não em todas.

Quarta - Foi o arguido/recorrente que voluntariamente quis prestar declarações, esclarecendo os factos exaustivamente e pormenorizadamente, e em momento algum foi detectada/provada em audiência de julgamento qualquer incongruência ou inverdade mantendo sempre a mesma versão de início ao fim, versão na qual o Tribunal “estribou” “a sua convicção”.

Quinta - Assim, o arguido/recorrente não concebe que apenas algumas das suas declarações tenham sido dado como provadas e não outras.

Sexta - Como foi referido, em audiência de julgamento, nunca foi intenção do arguido/recorrente matar a vítima, pois se fosse essa a sua vontade não teria municiado a arma com chumbo n° 6, de caça à perdiz, ou coelho, antes com bala, meio que seria idóneo para praticar o crime e que saberia ser letal.

Sétima - Para além de não se ter feito prova que o arguido tinha a intenção de tirar a vida à vítima, também não foi provado em audiência e discussão de julgamento que o arguido tinha agido contra pessoa indefesa! antes que, e como provado em audiência e discussão de julgamento, bem como pela prova documental, a fls 33 dos autos, que a vitima se encontrava armada com um cajado, e que o mesmo tentou utiliza-lo para atacar o arguido.

Oitava - O arguido/recorrente, sempre com a mesma versão, e sem contradições, sempre colaborando com a justiça, sempre afirmou que não era sua intenção matar a vítima, e muito menos por limites/confrontações de terrenos, versão corroborada pelo irmão da vítima, em audiência e discussão de julgamento.

Nona - O arguido/recorrente referiu que nunca foi sua intenção e que nunca apontou a arma conscientemente, muitos menos pensou em atingir órgãos vitais, contrariando a matéria de facto provada nos pontos 11 e 12, e assim, terá que resultar provado que o arguido/recorrente não apontou deliberadamente e intencionalmente qualquer arma à vítima.

Décima - Ora, face à prova produzida em audiência de julgamento resulta claro, que o arguido saiu da viatura, e ficou junto da mesma, a uma distância de cerca de 7 metros e nunca apontou o que quer que seja à vítima deliberadamente.

Décima-Primeira - Resulta provado que a vítima ameaçou o arguido/recorrente referindo a expressão “pois sou e fodo-te”, mantendo-se o arguido junto à viatura, e quem se dirigiu com velocidade com intenção de atacar foi a vítima e não o arguido! Décima- Segunda - Mais, tal relatório pericial de medicina legal comprova que a vítima investiu sobre o arguido, e da forma descrita. Da forma, que os factos vêm provados, é materialmente impossível as lesões sofridas pela vítima terem sido “ligeiramente de cima para baixo”, já que o arguido encontrava-se em local ligeiramente mais baixo que a vitima.

Décima-Terceira - Uma munição chumbo n° 6 não serve para causar estragos a nada maior que uma perdiz ou coelho, quanto mais uma pessoa. E muito menos o arguido tinha a consciência que o meio utilizado era idóneo e muito menos letal.

Décima-Quarta - O arguido/recorrente não tinha intenção de matar a vítima, caso contrário teria carregado a arma com mais do que uma munição, nomeadamente balas.

Décima-Quinta - Claramente, o objectivo foi mostrar à vítima, após as ameaças que recebera a sua família, que tinha com que se defender.

Se o quisesse matar, não teria perguntado coisa alguma e disparava do interior do seu carro, como aliás referiu em audiência de julgamento.

Décima-Sexta - Face ao exposto anteriormente, não pode o arguido concordar com a qualificação jurídica, nem com a pena aplicada. A culpa agravada é necessariamente incompatível com a ausência de intenção e premeditação do agente na prática do crime, frieza de ânimo com reflexão sobre os meios empregados, bem como a ausência de motivo fútil.

Décima- Sétima - Ao recorrerem à intenção e premeditação do agente na prática do crime, frieza de ânimo com reflexão sobre os meios empregados, bem como de motivo fútil para integrarem os factos provados no crime do art. 131.°, as instâncias moveram-se no plano da subsunção típica, não no da valoração das atenuantes, no caso, ter o agente actuado sob influencia de ameaça grave, para efeitos da medida da pena.

Décima-Oitava - Esse plano, o da determinação da medida concreta da pena, é o que se abre depois de a subsunção dos factos estar definida. E nele devem ser tidas em conta todas as circunstâncias, agravantes e atenuantes, relevantes para a determinação da pena. O crime de homicídio compreende dois elementos essenciais: o elemento material consiste num acto positivo de natureza a dar a morte a outrem; o elemento intencional traduz-se na intenção de matar, no “animus necandi” e em momento algum ficou provado em audiência de julgamento a intenção do arguido em matar, frieza de ânimo com reflexão sobre os meios empregados ou um qualquer motivo fútil.

Vigésima - Não estão preenchidos os requisitos essenciais do art.°132 ai. e) e j) do C.P., desse modo, com o devido respeito, andou mal o Tribunal a quo na determinação da qualificação jurídica do crime. O crime praticado pelo arguido preenche unicamente o crime tipificado no art.° 131º do C.P.

Vigésima-Primeira - O arguido/recorrente actuou sob influência de ameaça grave, e deve, pois, na determinação da pena, entrar, conjuntamente com todas as demais circunstâncias, na ponderação global a que se refere o n° 2 do art. 71.° do CP, ou inclusivamente na avaliação do circunstancialismo que fundamenta a atenuação especial da pena, nos termos do art.° 72.° do CP.

Vigésima- Segunda- Quanto à atenuação especial da pena, ela tem de recolher fundamento em circunstâncias que diminuam por forma acentuada a ilicitude ou a culpa (cf. art. 72.°, n.° 1, do CP), e quanto ao recorrente, provou-se o facto de ser primário, a confissão, a cooperação total com a justiça para a descoberta da verdade, legitima defesa, ou seja, ter actuado sob influencia de ameaça grave e a factualidade descrita. Circunstâncias atenuam, em alguma medida, a culpa.

Vigésima-Terceira - O arguido actuou em legitima defesa, e mesma é causa de exclusão da ilicitude prevista no art. 32.° do CP, não abdicando de um especial circunstancialismo factual e de um elenco de pressupostos ao nível do direito.

Vigésima-Quarta - A legítima defesa pressupõe que o facto é praticado como meio necessário para repelir a agressão ilícita ou antijurídica, enquanto ameaça de lesão de interesses ou valores; não pré-ordenada, ou seja, com o fito de, sob o manto da tutela do direito, obter a exclusão da ilicitude de facto integrante de crime; actual e necessária, ou seja, quando o agente, nas circunstâncias do caso, se limite a usar o meio de defesa, o que de facto sucedeu na presente factualidade.

Vigésima-Quinta - Essencial à legítima defesa é o animus defendendi, a intenção de, pelo contra-ataque, se suspender uma agressão ilegítima actual. Essa intenção de defesa, correspondendo a um estado de espírito, inapreensível sensorialmente, há-de ser a resultante de factos objectivos que a indiciem. No caso, a acção pretendida, não era a realização da morte, mas sim, o afastamento e definitiva persuasão. Nunca o arguido/recorrente admitiu que o resultado fosse a morte.

Vigésima-...

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