Acórdão nº 252/08.8TBVLN.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 21 de Setembro de 2017
Magistrado Responsável | HELENA MELO |
Data da Resolução | 21 de Setembro de 2017 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam em conferência no Tribunal da Relação de Guimarães: I – Relatório Manuel, Maria e J. B., instauraram a presente acção declarativa de condenação sob a forma de processo ordinário destinada a efectivação de responsabilidade civil emergente de acidente de viação demandando os rés Fundo de Garantia Automóvel, CI, Companhia de Seguros A, S.A., pedindo a condenação solidária dos RR. a pagarem-lhes as seguintes quantias, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais: €23.638,19, para o autor Manuel; €12.974,54, para a autora Maria e €10.566,22, para a autora J. B.. A estes pedidos acresce o pedido de indemnização que vier a ser fixada em incidente de liquidação de sentença, designadamente a título de privação do uso da viatura sinistrada, propriedade do primeiro A. e sem prejuízo de oportuna ampliação do pedido que venham a efectuar.
Para tanto, e em síntese, alegaram ter ocorrido um acidente de viação, em que foram intervenientes o veículo automóvel ligeiro de mercadorias de matrícula RM, propriedade do autor Manuel e por si conduzido, o veículo ligeiro de passageiros de matrícula VI, propriedade do réu CI e por ele conduzido, que não beneficiava de contrato de seguro válido e eficaz e o veículo ligeiro de passageiros de matrícula UH, propriedade da sociedade “A. M. T., Ldª” e conduzido por A. M., na qualidade de empregado à ordem, com conhecimento, com autorização e por conta desta sociedade, que transferira a sua responsabilidade para a ré Companhia de Seguros A, S.A., por contrato de seguro válido e eficaz à data do sinistro.
Mais alegou que o acidente de viação se ficou a dever a culpa exclusiva dos condutores dos veículos VI e UH.
**Válida e regularmente citada, a ré Companhia de Seguros A, S.A. alegou que a responsabilidade pela ocorrência do sinistro é exclusivamente de imputar ao condutor do veículo IV que circulava de forma desadequada e com excesso de velocidade o que fez com que invadisse a hemi faixa de rodagem contrária embatendo, de forma violenta, no veículo RM e com isso projectou-o contra o UH. Assim, declina a sua responsabilidade pelo pagamento da indemnização reclamada pelos autores. Por fim, impugnou os danos alegados pelos autores e alegou que os montantes reclamados são excessivos.
**O réu Fundo de Garantia Automóvel, apresentou-se a contestar e, defendendo-se por excepção, alegou que houve preterição de litisconsórcio necessário passivo uma vez que não foi também demandado o proprietário do veículo conduzido pelo réu CI, J. F., e impugnou a versão do acidente, os danos e os montantes indemnizatórios reclamados pelos autores que considerou serem exagerados.
**O réu CI foi citado editalmente, não tendo apresentada contestação.
Citado o Ministério Público, veio este invocar incompatibilidade na defesa do réu por ter sido proferido despacho final de acusação no inquérito nº 481/05.6GBVLN (cfr. fls. 391 e ss.), tendo a sentença que foi proferida neste processo sido junta a fls. 896-906. Nessa sequência foi nomeado patrono oficioso ao referido réu CI que também não apresentou contestação.
**Os autores replicaram, impugnando matéria e documentos juntos pelas rés, e, por mera cautela, requereram a intervenção principal provocada de J. F.. (cfr. fls. 360 e ss.)**Por decisão proferida a fls. 416, foi admitida a intervenção principal provocada de J. F., que citado, apresentou contestação, alegando que vendeu o veículo VI ao réu CI e desde finais de Março de 2005 não voltou a tê-lo na sua posse, tendo inclusivamente transferido o seguro para outro veículo com a matrícula NQ. Mais alegou que ao ter tido conhecimento de que o veículo vendido tinha sido interveniente num acidente de viação e que o réu CI não tinha actualizado o respectivo registo de propriedade, requereu à DGV de Viana do Castelo a apreensão do mesmo e esclareceu o Instituto de Seguros de Portugal – FGA acerca da titularidade do direito de propriedade (cfr. fls. 419 e ss.).
**Foi dispensada a realização de audiência preliminar.
Foi proferido despacho saneador e seleccionada a matéria de facto assente e controvertida – cfr. fls. 446 e ss.
*A fls. 824, veio a autora Maria requerer a ampliação do pedido indemnizatório referente à incapacidade permanente para a quantia de €71.674,54.
O réu FGA e a ré Companhia de Seguros A, pronunciaram-se, a fls. 840 e ss. e 849 e ss, respectivamente, e pugnaram pela inadmissibilidade deste pedido.
A fls. 916, foi proferida decisão no sentido de admitir a ampliação do pedido.
*Procedeu-se a julgamento com observância de todo o formalismo legal e a final foi proferida sentença com o seguinte teor: “Pelo exposto, decide-se julgar a presente acção parcialmente procedente, e consequentemente, condenar, solidariamente, os réus Fundo de Garantia Automóvel e CI, a pagar: 1) Ao autor Manuel a quantia de €7.697,08 (sete mil seiscentos e noventa e sete euros e oito cêntimos), a titulo de danos patrimoniais, e de €7.640,00 (sete mil seiscentos e quarenta euros), a titulo de danos não patrimoniais.
2) Mais se condenam os réus FGA e CI a pagar a quantia de €20.180,00 (vinte mil cento e oitenta euros) a título de privação do uso do veículo e ainda na quantia que se vier a apurar em decisão ulterior relativa aos danos futuros que venham a verificar-se a este nível.
3) À autora Maria a quantia de €2.548,54 (dois mil quinhentos e quarenta e oito euros e cinquenta e quatro cêntimos), a titulo de danos patrimoniais, e de €7.140,00 (sete mil cento e quarenta euros), a titulo de danos não patrimoniais.
4) À autora J. B.
a quantia de €41,22 (quarenta e um euros e vinte e dois cêntimos), a titulo de danos patrimoniais, e de €6.000,00 (seis mil euros), a titulo de danos não patrimoniais.
5) A pagar aos autores os juros, à taxa legal, a contar da data da citação e da data da presente sentença, sobre o valor indemnizatório atribuído para ressarcimento dos danos patrimoniais e não patrimoniais, respectivamente.
Tanto o R. Fundo de Garantia Automóvel como os AA. não se conformaram e interpuseram recursos de apelação.
Conclui o Fundo de Garantia Automóvel da seguinte forma as sua alegações: 1º Ora, salvo o devido respeito, que é muito e merecido, não andou bem o Tribunal a quo, no que diz respeito à interpretação do invocado dano de privação do uso de veículo e, consequentemente, no valor atribuído a título de indemnização a liquidar ao A. pelo referido dano.
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Na douta petição inicial apresentada, alegam os AA., mais concretamente nos artigos 109º, 110º e 111º, resumidamente, que o veículo RM, propriedade do A., ainda não foi reparado, devido ao facto de os RR. não assumirem essa responsabilidade.
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Em momento algum é invocado pelos AA. que a falta de reparação do veículo ocorreu devido à falta de capacidades económicas e financeiras do Autor Manuel, proprietário do veículo.
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Não foi alegada pelos AA. a existência de qualquer carência económica, pelo que, sempre se dirá que, se a privação do veículo estava a causar um transtorno elevado ao A., este teria de ter diligenciado pela recuperação do mesmo, com vista a atenuar os seus prejuízos.
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O Tribunal a quo em momento algum deu como provado um facto que justifique o comportamento do A. em não proceder à reparação do veículo.
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Ora, estando o A. perante um veículo cuja reparação é possível e não tendo invocado qualquer carência económica para o efeito, não se aceita que não tenha providenciado pela sua reparação, por forma a evitar o dano de privação do uso do mesmo que agora invoca.
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Mais se refere que, o valor determinado pelo Tribunal a quo a título de indemnização pela privação do uso relativa aos danos sofridos pelo A. desde a data do acidente até à data da propositura da ação, que se computa em € 20.180,00, é excessivo.
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Ora, o Recorrente é do entendimento do disposto no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12-01-2012, processo nº 1875/06.5TBVNO.C1.S1, de que “V - A simples privação do uso de um veículo, desacompanhada da demonstração de outros danos – seja na modalidade de lucros cessantes (frustração de ganhos), seja na de danos emergentes (despesas acrescidas justificadas pela impossibilidade de utilização) – não é suscetível de fundar a obrigação de indemnizar.
VI - Daí que, não tendo a autora alegado, nem demonstrado, quaisquer ganhos ou vantagens frustradas pela impossibilidade de utilização do veículo sinistrado, nem as despesas que teve de suportar com o aluguer de viaturas – inexista dano de privação.”.
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Sempre se dirá que, efetivamente os AA. peticionaram uma indemnização pelo dano de privação de uso do veículo, mas o que é certo é que, não ficou provado que o A. tenha deixado de exercer a sua atividade profissional por ter ficado sem o veículo sinistrado.
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Os AA. não lograram provar que a privação do uso do seu veículo RM por virtude da sua danificação lhe originou algum prejuízo específico, o que se impunha face ao instituto da responsabilidade civil.
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De acordo com o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 08/09/2014, processo nº 243/11.1TBAMT.P1, “- Para o proprietário ter direito a indemnização pela privação do uso do veículo, nos termos do n.º 1 do artigo 483.º e dos artigos 562.º e seguintes do Código Civil, não basta a verificação em abstracto da privação do veículo, sendo ainda necessário que a privação cause uma diminuição ao nível da satisfação das necessidades do proprietário, consideradas na sua globalidade.”.
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Sucede que, ainda que assim não se entenda, o valor arbitrado pelo douto Tribunal de 1ª Instância, a título de indemnização pelo dano de privação do uso, é manifestamente exagerado.
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Na medida em que, ao se recorrer à equidade para fixar a indemnização pela privação de uso do veículo, haverá que ter em conta as várias circunstâncias apuradas, nomeadamente, o facto de não se ter provado qualquer facto para além da própria privação do uso.
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Pelo que, julgar equitativamente não pode aqui implicar, sem mais, que o tribunal julgue tendo por base o custo do aluguer de uma viatura de idênticas características...
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