Acórdão nº 496/15.6T8VCT.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 28 de Setembro de 2017

Magistrado ResponsávelMARGARIDA SOUSA
Data da Resolução28 de Setembro de 2017
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães: I. RELATÓRIO: O MINISTÉRIO PÚBLICO propôs a presente ação especial de interdição, por anomalia psíquica, de M. S., solteira, residente no Largo …, s/n, concelho de Viana do Castelo.

Alegou, em síntese, que a requerida sofre de psicose esquizofrénica paranoide e, apesar de medicada mantém um delírio estruturado, persecutório e em relação à família, necessitando de supervisão para a toma da medicação e para a gestão da sua alimentação e demais atividades diárias, bem como orientação para a prática de qualquer ato relacionado com a sua pessoa e dos seus bens.

Anunciada a propositura da ação e citada a Requerida, esta contestou, alegando, em suma, que não sofre de doença mental, permanente e sem perspetivas de recuperação que impliquem a necessidade constante de apoio e orientação de terceiro, tendo penas passado por uma fase na vida marcada por alguma instabilidade emocional devido ao falecimento do seu pai, pessoa de quem era muito próxima. Mais alegou frequentar voluntariamente a consulta de psiquiatria na Unidade Local De Saúde, tomar a medicação que lhe é prescrita e aceitar todo o apoio que possa receber dos seus familiares e amigos.

Procedeu-se a interrogatório judicial da requerida e a exame pericial, nos termos do disposto no art.º 898º do NCPC.

Foi proferido despacho saneador, identificando-se o objeto do litígio e os temas de prova e ordenada a realização de novo exame médico.

Procedeu-se à realização da audiência de julgamento, tendo sido proferida sentença a decretar a inabilitação da Requerida com fundamento em Anomalia Psíquica, “ficando todos os actos de disposição e alienação de património sujeitos a autorização do curador nomeado, nos termos do disposto nos art.ºs 901º, nº 2 do CPC e 153º, nº 1 do Cód. Civil”.

Inconformada, recorre a Requerida, formulando as seguintes conclusões: “1. Deveria ter sido dado como provado que a Requerida está a cumprir todas as consultas e a medicação prescrita, que é a conclusão que se impõe em face do teor do auto do interrogatório realizado à requerida e dos relatórios periciais juntos aos autos.

  1. Deveria ter sido dado como provado porque consta do auto de interrogatório e é relevante para a boa apreciação da causa, que a requerida é licenciada em Relações Internacionais e actualmente frequenta o Mestrado.

  2. Também deveria ter sido dado como provado, por constar dos autos – ver ofício com a referência UAC242AG503580, de 27-03-2015 e despacho proferido em 12-05-2015 constante do ofício 37301735) - e relatório pericial de fls. 81 e ss que a requerida recebe da CGA uma pensão de sobrevivência por óbito de seu pai A. S..

  3. Pelo que, salvo o devido respeito, entendemos que Tribunal a quo procedeu à fixação da matéria de facto dada como provada de forma deficiente.

  4. Acresce que, a factualidade provada não é suficiente para determinar a inabilitação da requerida, ora apelante.

  5. Só uma anomalia psíquica incapacitante, actual e permanente pode determinar a interdição da pessoa que dela sofre.

  6. As causas de interdição são incapacitantes, quando sejam de tal modo graves, que tornem a pessoa inapta para se reger a ela própria e aos seus bens.

  7. Se a causa não assumir essa gravidade, ela não determina a interdição, embora possa determinar a inabilitação.

  8. E, deve ainda ser permanente e não meramente acidental ou transitória.

  9. Mas, para além disso, a causa de incapacidade dever ser actual, ou seja, existir no momento em que se pretende interditar ou inabilitar a pessoa, e não passada ou futura.

  10. Não é qualquer anomalia psíquica que por si própria justifica a inabilitação. A decisão de inabilitação deve ser avaliada em concreto em função da pessoa do cidadão visado, dos seus interesses pessoais, da necessidade da medida. A regra é a capacidade civil. A inabilitação é a excepção. É indispensável que a anomalia psíquica comprometa a razão o raciocínio e o juízo crítico.

  11. E tem de ser permanente. Os institutos da anulação e nulidade dos negócios jurídicos por falta ou vício de vontade ou por vícios ligados ao objecto negocial são suficientes para prevenir, segundo o legislador, as situações esporádicas de incapacidade negocial.

  12. Aplicando todos estes ensinamentos, à matéria de facto provada, fácil é concluir não estarem preenchidos todos os requisitos da inabilitação supra referidos, concretamente, o requisito da actualidade. Com efeito, 14. A Recorrente está a ser vítima do estigma da doença mental que lhe foi diagnosticada. Isto porque, 15. Não se provou que alguma vez as suas decisões tenham sido o efeito de um episódio de crise da sua doença.

  13. Pelo contrário, resulta do exame médico realizado às faculdades mentais da Recorrente consta que apresentou ao longo da vida algumas competências (cognitivas, deliberativas, e volitivas) que, apesar de inconstantes lhe permitiram decidir com alguma, e suficiente, adequação sobre o seu quotidiano.

  14. E que a doença apesar de crónica, pode conter, neste caso, e desde que cumprida a medicação, períodos de estabilização adequada.

  15. Sendo também de sublinhar que as conclusões constantes do segundo relatório pericial são apresentadas no plano das possibilidades, ou seja como uma hipótese e não como um facto actual.

  16. A inabilitação, constituindo uma excepção à regra da capacidade civil, não pode ser decretada a título preventivo de uma eventual incapacidade, mas tão só perante uma situação actual, o que não se verifica no caso dos autos.

  17. Ou seja, o risco de verificação de incapacidade da recorrente está dependente de uma contingência, da eventualidade de ocorrência, no futuro, de períodos de descompensação.

  18. Em 45 anos de vida, apenas por uma ocasião, devido a forte abalo emocional que sofreu com o falecimento do pai com quem mantinha forte ligação, a requerida apresentou um quadro de descompensação.

  19. Ou seja, a situação de incapacidade da requerida é sustentada por um episódio ocasional no passado, incerta num tempo futuro, portanto, não é actual.

  20. Ao declarar reconhecer na Recorrente a existência de uma situação de incapacidade que justifica a inabilitação por anomalia psíquica, retirando-lhe a possibilidade de praticar, por acto próprio e sem autorização de curador, todos os actos de disposição e alienação de património, fixando-se o início da incapacidade em 16/11/2014, a sentença recorrida violou por errada interpretação e aplicação, entre outras as disposições dos arts. 152.°, com referência ao art.º 138.°, 70.°, 67.º do Código Civil.

Conclui pedindo a revogação da sentença recorrida e a sua substituição por outra que declare improcedente a ação.

O M.P. não contra-alegou.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

* II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO: O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, ressalvadas as questões que sejam do conhecimento oficioso do tribunal (artigos 635º, n.º 4 e 639º, n.º 1 do NCPC).

No caso vertente, as questões a decidir que ressaltam das conclusões recursórias são as seguintes: - Saber se a decisão relativa à matéria de facto é deficiente, havendo necessidade de a ampliar; - Saber se a factualidade apurada permite afirmar a atualidade do estado requerido pela inabilitação, isto é, se permite afirmar a verificação, no presente, de uma doença psíquica incapacitante da autogestão dos seus bens por parte da...

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