Acórdão nº 573/16.6PBVCT.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 25 de Setembro de 2017

Magistrado ResponsávelAUSENDA GON
Data da Resolução25 de Setembro de 2017
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, na Secção Penal, do Tribunal da Relação de Guimarães: No processo supra referenciado, que corre termos na Instância Local, Secção Criminal, da Comarca de Viana do Castelo, o arguido L. A.

, que vinha acusado pelo Ministério Público pela autoria de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo art. 152º, nºs1, al.b), 2 e 4 do C. Penal, foi julgado e condenado por sentença proferida e depositada a 22/3/2017, como autor de um crime de injúria, p. e p. pelo art. 181º, nº 1 do C. Penal, na pena de 60 dias de multa, à taxa diária de € 6, bem como a pagar à assistente S. M., a título de indemnização civil por danos não patrimoniais, a quantia de 400 euros, acrescida de juros à taxa legal, contados desde a data da decisão.

*O arguido interpôs recurso dessa decisão, formulando na sua motivação as seguintes conclusões: «1ª - A sentença recorrida enferma da nulidade prevista no artigo 379°, n° 1, alínea c), segunda parte, do Código de Processo Penal; 2ª - Com efeito, tendo o recorrente sido absolvido do crime de violência doméstica — o único de que vinha acusado, não era possível condená-lo pelo crime de injúrias sem se encontrar cumprida uma condição imprescindível e objetiva de procedibilidade: a dedução de acusação particular; 3ª - E não sendo passível de suprimento a falta de acusação particular, nada mais restava do que arquivar os autos; 4ª - Para além da nulidade de que enferma, a sentença recorrida violou, manifestamente, o referido artigo 50°, do C P Penal; 5ª - Bem ainda como fez errada interpretação desse preceito, ao considerar que, tendo havido uma adesão por parte da assistente à acusação pública deduzida, tal deve ser tido implicitamente como formulação daquela acusação particular; 6ª - A não proceder o até aqui alegado, atentos os factos dados como provados e a fundamentação da sentença recorrida, a pena aplicada de 60 (sessenta) dias de multa é exagerada, encontrando-se mais equilibrada e em consonância a pena de 20 dias de multa ao valor diário acolhido pela decisão; 7ª - Já quanto ao pedido de indemnização civil, entende o recorrente não ocorrer o dano, falhando, assim, um dos pressupostos do instituto da responsabilidade civil, devendo do mesmo o recorrente ser absolvido; 8ª - Todavia, e por último, assim não se entendendo, o valor de € 400,00, atenta a fundamentação da decisão recorrida, é manifestamente exagerado, sendo mais equilibrado o valor de € 200,00.

».

O recurso foi regularmente admitido.

O Ministério Público, junto da 1ª Instância, apresentou resposta à motivação, sustentando que a sentença recorrida deve ser mantida, tal como elaborada. Neste Tribunal, o Exmo. Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu aprofundado parecer de sentido oposto, pois defendeu que, ainda que se entendesse que na sentença se procedeu a uma mera alteração jurídica dos factos imputados ao arguido e tidos por demonstrados, sempre faltaria, para o procedimento pelo crime particular de injúria, o necessário pressuposto processual constituído pela acusação da assistente, o qual não se poderia ter por preenchido pela mera adesão desta à acusação publica.

Foi dado cumprimento ao art. 417º, nº 2, do CPP.

Efectuado exame preliminar e colhidos os vistos, vieram os autos à conferência, cumprindo agora apreciar e decidir.

*Na medida em que o âmbito dos recursos se delimita pelas respectivas conclusões (art. 412º, nº 1, do CPP), sem prejuízo do que importe conhecer oficiosamente por obstar à apreciação do seu mérito, no recurso suscitam-se as questões de saber: se a inexistência de acusação particular, enquanto condição de procedibilidade do procedimento criminal pelo crime de injúrias pelo qual o recorrente foi condenado deveria ter determinado, ao invés, o arquivamento dos autos; subsidiariamente, se a pena de multa deve quedar-se por 20 dias e se deve o recorrente ser absolvido da indemnização, ou, se assim não for, deve apenas ser condenado na quantia de € 200.

*Importa apreciar tais questões e decidir. Para tanto, deve considerar-se como pertinentes ao conhecimento do objecto do recurso os factos considerados provados e não provados na decisão recorrida (transcrição): «Factos provados: 1- A assistente S. M. viveu em união de facto com o arguido desde data não apurada, mas situada entre os meses de Julho/Agosto de 2007 até ao dia 16 de Abril de 2016; 2- Desta relação não nasceram filhos, sendo a assistente progenitora de dois filhos: S. S., nascida a 11-7-1997, e R. S., nascido a 25-3-2003, fruto de uma relação anterior; 3- No início do mês de Junho de 2015, a assistente resolveu abandonar o lar conjugal, indo para a casa de um casal amigo, concretamente, de P. C. e S. F., sita na Rua …, nesta cidade e comarca, onde permaneceu, durante cerca de uma semana, regressando depois à residência que partilhava com o arguido; 4- Em 20 de Março de 2016, à noite, depois do jantar, ocorreu uma contenda, de contornos não concretamente apurados, que envolveu o arguido, a assistente, a filha desta e o namorado da última, no decurso da qual foi arremessada uma vela que atingiu a assistente na testa; 5- Na sequência deste episódio, a assistente teve que receber tratamento hospitalar, tendo sido suturada com pontos; 6- No dia 16 de Abril de 2016, a assistente abandonou o lar conjugal, fazendo-o o arguido uns dias depois, após ter posto termo ao contrato de arrendamento; 7- No dia 1 de Maio de 2016, entre as 19h36m e as 22h58m, o arguido remeteu à assistente 10 mensagens escritas com os conteúdos seguintes: “Sua puta diz a esse burro q é mais um a ser enganado como foi principalmente o Zé q nem sabe se o filho é fele” (19h36m); “Vais ter a pága sua puta” (19h38m); “Se és mulher atende” (19h39m); “Já sabia és uma vadia do piorio” (19h41m); “Diz a esse burro q está aí q mal começou e já tem cornos de metro porque quem se mete com gente assim è o q se espera” (19h43m); “E eu quero o meu carro aqui porque se não vais sofrer as consequências” (19h45m); “Toda a gente me dizia que eras uma rota e eu sempre a defenderte” (19h50m); “Voute fazer a vida num inferno sua vadia” (19h58m); “Deves trazer essa cona cheia de leite sua rota por isso os preservativos da mesinha de cabeceira” (20h27m); “O bem q te desejo é q todo o mal do mundo te caia em cima porque é o q tu mereces” (22h58m); 8- Em data não concretamente apurada, mas posterior à referida em 7., a assistente foi operada a um aneurisma; 9- O arguido agiu de forma livre, deliberada e conscientemente; 10- Com o propósito de, através da conduta supra descrita em 7., atingir a assistente na sua honra, consideração e dignidade, como conseguiu; 11- O arguido sabia que a sua conduta é proibida e punida por lei; 12- O arguido não tem antecedentes criminais; 13- O arguido tem origem numa família numerosa, de recursos económicos modestos, residente no concelho de Viana do Castelo; beneficiou ao longo da infância e juventude de cuidados básicos essenciais ao seu desenvolvimento, usufruindo de um ambiente familiar equilibrado e afectuoso, mantendo os pais entre si uma relação de respeito e colaboração; esteve integrado no agregado familiar de origem até aos 21 anos de idade, altura em que casou com a mãe dos seus dois filhos, matrimónio que durou cerca de 19 anos; 14- Há cerca de nove anos, o arguido estabeleceu um relacionamento amoroso com a assistente sendo na altura ambos casados; a vivência em comum foi iniciada algumas semanas depois, tendo o casal fixado residência numa freguesia situada na periferia urbana da cidade de Viana do Castelo, onde organizaram a sua vida; 15- A inserção escolar do arguido ocorreu na idade própria, no estabelecimento de ensino situado na sua área de residência, tendo concluído o 6º ano de escolaridade; apesar de posteriormente ter frequentado o 7º ano em Ponte de Lima e, no ano seguinte, no seminário, não chegou a concluir o 9º ano de escolaridade, desistindo durante a frequência do 8º ano, quando contava 15 anos de idade; 16- Iniciou a actividade profissional por volta dos 17 anos de idade, numa oficina de carpintaria, situada na sua freguesia de origem, onde trabalhou cerca de quatro anos; posteriormente, alterou a sua actividade profissional, passando a laborar na área da distribuição de materiais de construção civil, numa empresa situada na zona de Viana do Castelo, onde se manteve durante quatro anos; 17- Em seguida, voltou a desempenhar a sua actividade numa oficina de carpintaria, situada igualmente na sua freguesia de origem, em Lanheses, onde esteve cerca de dez anos, com alguns períodos de interrupção; 18- Nos últimos três anos, voltou a trabalhar na área da distribuição e montagem de móveis, estando integrado na empresa “ Comércio e Decoração de Mobiliário, Lda.”; 19- Na comunidade de origem, o arguido é considerado um indivíduo educado e pacato, mantendo com os conterrâneos um relacionamento interpessoal adequado; 20- Após o termo do relacionamento com a assistente, o arguido arrendou um apartamento tipo T1, situado na cidade de Viana do Castelo; mantém o posto de trabalho e organiza as suas rotinas de acordo com a sua vida laboral, efectuando com frequência viagens ao estrangeiro (França); 21- O percurso de vida do arguido decorreu num meio familiar de recursos económicos modestos, organizado, manifestando um percurso escolar adequado ainda que pouco investido, iniciando a vida laboral através da aprendizagem de uma profissão; 22- Constituiu família em idade própria, tendo-se divorciado ao fim de quase vinte anos, para assumir o relacionamento com a assistente; 23- O arguido dispõe de estabilidade profissional e de uma situação económica considerada satisfatória, beneficiando também de apoio dos familiares de origem, com quem convive com alguma regularidade; 24- A assistente trabalha num lar de idosos e o horário é por turnos; 25- A conduta do arguido supra descrita em 7. causou na demandante humilhação; 26- Arguido e assistente, durante o período referido em 1., adquiriam um veículo automóvel, de marca Audi A3, de matrícula...

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