Acórdão nº 925/07.2TBFLG.G2 de Tribunal da Relação de Guimarães, 14 de Novembro de 2013

Magistrado ResponsávelESTELITA MENDON
Data da Resolução14 de Novembro de 2013
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na 1ª secção civil do Tribunal da Relação de Guimarães: * “A…, Lda” instaurou a presente acção com processo ordinário contra “B…, Companhia de Seguros, Sa” (agora B… S.A.), peticionando a condenação desta no pagamento da quantia de €226.950, a título de produtos subtraídos, bem assim a importância não inferior a €20.000, tudo acrescido de juros desde a citação até pagamento. Para o efeito, alegou que celebrou com a ré um contrato de seguro pelo qual transferiu para esta o risco de furto de matérias primas, mercadoria acabada e demais existências que se encontrassem nas suas instalações. Que no dia 17 de Março de 2005, alguém, contra a vontade e sem o consentimento da autora, entrou nas suas instalações e retirou pele no valor de €94.800, forro no valor de €7.500 e calçado no valor de €17.800, tendo a autora sido obrigada a despender a quantia de €50 pela substituição de duas das fechaduras. Em virtude do furto, a autora deixou de poder produzir as suas mercadorias e ficou prejudicada na sua imagem, sofrendo assim um prejuízo não inferior a €10.000.

Em 30 de Agosto de 2005, a autora foi, de novo, vítima de furto nas suas instalações, na sequência do qual lhe retiraram €56.000 em pele, €10.000 em forro e €40.800 em calçado, na sequência do que deixou de poder produzir as suas mercadorias e ficou prejudicada na sua imagem, devendo ser compensada por montante não inferior a €10.000.

Devidamente notificada, a ré contestou aduzindo que o contrato de seguro cobre apenas o valor dos objectos existentes na fábrica e desde que enquadráveis no elenco aí referido, pelo que, desde logo, os lucros cessantes e danos na imagem e reputação não se compreendem nas obrigações assumidas com o seguro. Concluiu a ré que inexistiam vestígios da efectiva ocorrência dos furtos e, além disso, que, após inventário, os valores alegados pela autora não correspondiam às efectivas existências nas mencionadas datas.

A autora replicou contrariando a versão do articulado de contestação e concluindo com o pedido de condenação da ré em multa e indemnização por litigância de má fé.

Proferido despacho saneador e organizada a matéria de facto assente e a base instrutória, os mesmos não foram objecto de reclamação.

Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, com observância dos formalismos legalmente prescritos, tendo sido dada resposta à matéria de facto, que não foi objecto de censura.

Proferida sentença, foi decidido “julgar a acção parcialmente procedente e, consequentemente, condenar a ré “B… – Companhia de Seguros, SA” a pagar à autora “A…, Lda” a quantia de duzentos e vinte e seis mil, novecentos e cinquenta euros, acrescida de juros contados desde a citação, à taxa em cada momento vigente para obrigações comerciais, até efectivo pagamento”.

Dela foi interposto recurso, no âmbito do qual foi revogada a sentença proferida e determinado o aditamento de um quesito à base instrutória, com repetição do julgamento quanto a tal matéria.

Aditado o quesito, em obediência ao Acórdão proferido, realizou-se audiência de julgamento e deu-se resposta à matéria de facto, que não foi objecto de reclamação.

A final foi proferida sentença que decidiu “julgar a acção parcialmente procedente e, consequentemente, condenar a ré B… – Companhia de Seguros, Sa” a pagar à autora “A…, Lda” a quantia de cento e seis mil e oitocentos euros, acrescida de juros contados desde a citação, à taxa em cada momento vigente para obrigações comerciais, até efectivo pagamento”.

Desta sentença apelou a A. A…, L.da, oferecendo alegações e formulando as seguintes CONCLUSÕES: 1. Vem o presente recurso da Sentença do tribunal a quo que, contrariamente à sua inicial decisão, sem mais justificação e relativamente a matéria não revogada, absolve parcialmente a Ré do pedido, nomeadamente da indemnização devida pelo furto ocorrido nas instalações da Autora em 17 de Março de 2005.

  1. A acção em causa foi interposta em Janeiro de 2007 para reclamar o pagamento das indemnizações de dois furtos ocorridos, um em Março de 2005 e outro em Agosto de 2005. Na primeira decisão do Tribunal de Felgueiras, em Novembro de 2010, a Ré foi condenada no pagamento de ambas as indemnizações.

  2. A decisão foi revogada pela Relação de Guimarães, em Abril de 2012, para baixa do processo e julgamento de UM quesito aditado, relativamente apenas e só ao furto de Agosto “Artigo 8.º-A da Base Instrutória: Rebentando os portões do edifício? (com referência à introdução nas instalações da Autora na madrugada de 30 de Agosto de 2005, (…)” 4. Tal quesito foi dado como provado e a Ré condenada a pagar a indemnização correspondente ao furto de Agosto.

  3. Mais se diz no Acórdão revogatório que “Nestes termos, e não se mostrando desde já possível, por insuficiência da matéria de facto, a justa valoração sobre o julgamento feito em 1.ª instância, pelas razões acima expostas, deverá proceder-se à ampliação da Base Instrutória, nos termos que se indicam, e á repetição do julgamento relativamente a tal matéria, ou ainda, de qualquer outra que eventualmente se venha a revelar necessária com o fim de evitar contradições na decisão, tal como preceitua o n.º 4 do art.º 712.º do Código do Processo Civil.” 6. Surpreendentemente, relativamente ao furto de Março, foi a Ré absolvida dessa responsabilidade.

  4. A alteração da sentença relativamente ao furto de Março de 2005, sem que nessa parte tenha sido revogada por Tribunais Superiores e sem alteração, ainda que mínima, da decisão sobre a matéria de facto provada, atenta contra todos os princípios do direito, incluindo os Constitucionalmente consagrados, como o da segurança jurídica e da protecção da confiança dos destinatários da justiça.

  5. A total inversão da decisão, sem explicação mínima, viola frontalmente a lei, estando, nesta parte, viciada de nulidade, nos termos dos artigos 659.º, 666.º n.º 1 e 668.º n.º 1 b) e d), todos do CPC, a qual se vem arguir.

  6. Ou o M.mo. Juiz utilizava a possibilidade que o Acórdão lhe apresenta de repetir o julgamento quanto a qualquer outra (matéria) que eventualmente se venha a revelar necessária, o que não fez; Ou então, estando esgotado o seu poder jurisdicional, estava-lhe vedado modificar a decisão relativamente a matéria que não foi alvo da repetição de julgamento.

  7. Violou-se de forma expressa o princípio do esgotamento do poder jurisdicional do Juiz, e concomitantemente, os deveres de fundamentação das decisões.

  8. Termos nos quais se impõe a revogação da decisão ora proferida pelo Tribunal de Felgueiras, na parte em que modifica a decisão de condenação da Ré pela indemnização relativa ao furto ocorrido em Março, repristinando a decisão inicial de condenação, porque em relação a esta, estava esgotado o poder jurisdicional do Tribunal a quo, nos termos dos artigos 659.º, 666.º n.º 1 e 668.º n.º 1 b) e d), todos do CPC.

  9. Sem conceder, mesmo que assim não se entendesse, sempre seria de condenar a Ré relativamente aos factos ocorridos em Março de 2005, como se fez, e bem, relativamente aos factos ocorridos em Agosto de 2005.

  10. Relativamente aos acontecimentos de 17 de Março de 2005, ficou provado na presente acção que, nomeadamente, a. A autora e ré celebraram entre si o contrato de seguro titulado pela apólice nº 5017955 b. No dia 17 de Março de 2005, o seguro encontrava-se em vigor c. Por força do contrato de seguro referido, a autora transferiu para a ré, entre outros, o risco de furto de matérias-primas, mercadorias acabadas e demais existências que se encontrassem nas suas instalações sitas em Pinhal Basto, Macieira da Lixa, Felgueiras d. As instalações da autora são constituídas por dois pavilhões contíguos (à data com comunicação interna) e espaço circundante, estando vedadas por rede, muro e portões.

    e. Na madrugada de 17 de Março de 2005, alguém de identidade desconhecida, entrou nas instalações da autora contra a vontade desta e furtou do interior dessas instalações 47.629,05 pés de pele, no valor total de €94.800, 15.000 pés de forro, no valor global de €7.500 e 3.560 pares de calçado (produto cortado e costurado, faltando colocar a sola e a palmilha), no valor de €17.800 (ponto 5 dos factos provados na Sentença) f. A ré não indemnizou a autora dos prejuízos reclamados por esta com o fundamento de que não ficou demonstrada a existência de um furto ou um roubo nas suas instalações.

  11. Releva enfatizar que, como consta da douta sentença, a ré não indemnizou a autora dos prejuízos reclamados por esta com o fundamento de que não ficou demonstrada a existência de um furto. Foi apenas essa a alegação trazida na contestação e articulados seguintes, até à Sentença. Tal “defesa” cai por terra, uma vez que como se referiu não há dúvida nos autos quanto à existência dos furtos.

  12. Ficou provada não apenas a existência de um furto, mas que esse ocorreu em instalações vedadas por rede, muro e portões, todos devidamente fechados e, naturalmente, sem o conhecimento e contra a vontade da Autora.

  13. No entanto, mesmo perante a prova do furto, e das condições em que se encontrava o local na altura em que o mesmo ocorreu, veio, agora, o M.Mo. Juiz absolver a Ré, invocando que “No que a esta situação concerne, cremos que, face ao que foi alegado e provado em audiência, nenhuma das circunstâncias previstas nas condições gerais se integrou por forma a que o furto ocorrido pudesse quedar-se no âmbito das garantias; na verdade, nem sequer foi alegado, através da adução de factos, que o furto tivesse ocorrido com arrombamento, escalamento ou chaves falsas.

  14. Impõe-se referir e salientar que o contrato de seguro, na cláusula 5.ª relativa à cobertura, não enumera apenas o arrombamento, escalamento ou chaves falsas. Refere a alínea b) desse mesmo artigo que, está ainda coberto o furto que seja cometido sem os condicionalismos anteriores, quando o autor ou autores do crime se introduziram furtivamente no local ou nele se esconderam com intenção de furtar.

  15. A introdução furtiva no local, alegada na petição inicial e provada em audiência de...

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