Acórdão nº 180/11.0TBVRM.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 04 de Junho de 2013

Magistrado ResponsávelANA CRISTINA DUARTE
Data da Resolução04 de Junho de 2013
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I. RELATÓRIO F.. intentou ação de investigação de paternidade contra M.., D.., J.., P.. e I.., como herdeiros de O.., falecido em 08/11/2010, alegando que nasceu, em 21/02/1975, do relacionamento amoroso havido entre sua mãe e este O.., devendo declarar-se que a autora é sua filha, retificando-se o registo de nascimento em conformidade.

Contestaram as rés M.. e D.., excecionando o caso julgado, em virtude de, em 1976 ter sido intentada uma ação de investigação de paternidade, pela mãe da autora, na qualidade de legal representante de sua filha, contra o presuntivo pai, O.., ação que viria a ser julgada improcedente, o que também já havia acontecido com a ação de averiguação oficiosa intentada pelo MP contra o mesmo O... Mais impugnam, por falsos, ou por desconhecimento, os fatos alegados, sustentando que a mãe da autora, antes do nascimento de sua filha, teve, pelo menos, um namoro com um indivíduo conhecido.

Replicou a autora, para dizer que face ao valor mais alto do direito ao conhecimento da verdade biológica e considerando os meios de prova científicos que hoje existem e que não existiam à data das anteriores ações de investigação de paternidade, terá que cair o caso julgado, prevalecendo o direito à verdade biológica sobre o direito à paz social e à segurança jurídica.

Teve lugar audiência preliminar, no âmbito da qual foi proferida decisão que, em face do caso julgado, absolveu os réus da instância.

Discordando da decisão, dela interpôs recurso a autora, tendo finalizado a sua alegação com as seguintes Conclusões: I. Vem o presente recurso interposto do, aliás, douto despacho proferido nos presentes autos, que absolveu os Réus da instância com base na excepção do caso julgado.

  1. a questão que substancialmente está em causa é a da compatibilização prática entre o princípio constitucional da intangibilidade e imutabilidade do caso julgado e a tutela do direito fundamental à identidade pessoal.

  2. Entendeu o Mº Juiz a quo, verificar-se, in casu, a execpção do caso julgado, decidindo no sentido de ter precludido o direito da Autora intentar nova acção, com os mesmos fundamentos e com a mesma pretensão a que já, antes, fora negado provimento.

  3. Assim, o real objecto da controvérsia circunscreve-se em saber se, tendo sido julgada improcedente acção de reconhecimento judicial, intentada pela pretensa filha, com fundamento na falta de prova, o caso julgado material, resultante de tal decisão, cede em detrimento de um valor colossal como o da certeza biológica.

  4. Entendemos que tal interpretação não pode colher sob pena de uma flagrante injustiça e desigualdade.

  5. Não pode um direito tão importante como é o da identidade biológica ser macerado pela excepção do caso julgado.

  6. É facto que, correram termos acções de averiguação oficiosa de paternidade e de investigação de paternidade ilegítima, intentadas, respectivamente, pelo Ministério Público e pela mãe da Autora em representação desta, nos anos de 1975 e 1976.

  7. Tais acções foram julgadas improcedentes por falta de prova, pois foram baseadas na falível prova testemunhal.

  8. Acresce que, em pleno século XXI, a prova rainha nesta matéria é a prova hematológica, tendente à verificação do ADN, representando um meio de fiabilidade absoluta da descoberta da verdade biológica.

  9. O acórdão do Tribunal Constitucional nº 23/06, escreve que “ (…) os avanços científicos permitiram o emprego de teste de ADN com uma fiabilidade próxima da certeza - probabilidades bioestatísticas superiores a 99,5%”.

  10. Assim, nesta situação, mitigando o caso julgado, pode-se terminar, de modo absoluto, com a incerteza da vida da Autora, que ao longo de intermináveis anos sofreu e continua a sofrer a falta da sua paternidade e nome.

  11. O que aqui está em jogo é muito mais do que a paz social, função do princípio da intangibilidade do caso julgado.

  12. Trata-se da identidade pessoal da Recorrente – o direito a conhecer a paternidade - que se inscreve no âmbito dos direitos de personalidade.

  13. O direito à identidade biológica é um direito constitucionalmente consagrado - artº 26.º, n.º 1 da CRP.

  14. É o direito de, cada um, conhecer as suas raízes, a sua identidade pessoal e genética, a sua historicidade pessoal.

  15. O direito à identidade biológica é um pilar estruturante da própria vida, cuja limitação tem de ser constitucionalmente legitimada e proporcional.

  16. Em nome da verdade, da justiça e de valores que merecem a mais possante tutela, o caso julgado - e a paz social que dele advém - não podem prevalecer sobre o direito inviolável da identidade pessoal, antes terão que ser compatibilizados e harmonizados.

  17. Questão, esta que terá de ser resolvida, não recorrendo aos efeitos do caso julgado, mas sim à sensibilidade do aplicador da lei, o julgador.

  18. Assim sendo, deve o despacho ora recorrido ser reformulado, por violação de princípios constitucionalmente consagrados, máxime, o artº 26º da Constituição da Republica Portuguesa, no sentido de abrogar, denegar, a excepção de caso julgado, permitindo à Recorrente prosseguir com a presente acção, a fim de, através da perícia hematológica, estabelecer a paternidade omissa, XX. Devendo declarar-se que a interpretação que o despacho recorrido faz da eficácia do caso julgado é inconstitucional e deve ceder perante um direito mais forte: o direito ao nome, filiação e identidade biológica.

    Termina pedindo a revogação da decisão impugnada.

    As rés contestantes contra alegaram pugnando pela confirmação do despacho recorrido.

    O recurso foi admitido, como de apelação, com subida nos próprios autos e efeito suspensivo.

    Já neste Tribunal da Relação foram as partes notificadas para se pronunciarem, ao abrigo do disposto no artigo 3.º, n.º 3 do Código de Processo Civil, sobre a possibilidade de se colocar a questão da eventual caducidade do direito da autora, nos termos do disposto no artigo 1817.º, n.º 1 do Código Civil, na redação da Lei n.º 14/2009 de 01/04, face ao decidido no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 401/2011, de 22/09/2011.

    Responderam ambas as partes, pugnando as rés pela caducidade do direito da autora e esta pela validade e temporalidade do seu direito, invocando a inconstitucionalidade da norma do n.º 1 do artigo 1817.º do CC, na redação que lhe é dada pela Lei 14/2009 de 01/04.

    Foram colhidos os vistos legais.

    As questões a resolver traduzem-se em saber: - se, tendo sido julgada improcedente ação de reconhecimento judicial de paternidade, intentada pela mãe, em representação de sua filha menor, agora aqui autora, o caso julgado material, decorrente de tal decisão deve ceder, em consequência de, em momento ulterior se ter tornado possível a utilização de meios de tecnologia avançada que permitem estabelecer a paternidade sem qualquer dúvida e atendendo a que está em causa o direito ao conhecimento da verdade biológica; - se tal se mostra compatível com a caducidade da ação, entretanto ocorrida.

  19. FUNDAMENTAÇÃO Na decisão recorrida não foram fixados os factos, em oposição ao que determina o artigo 659.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, pelo que passa a suprir-se tal falta, elencando-se os factos provados (por documento): 1 - A autora nasceu no dia 21 de fevereiro de 1975, na freguesia e concelho de Vieira do Minho; 2 - Por sentença de 6-7-1976, transitada em julgado, proferida no processo n° 53/75, que correu seus termos no Tribunal de Vieira do Minho, em que era autor o Ministério Público, em representação da menor, aqui autora, e réu o pretenso pai O.., foi o aludido réu absolvido do pedido; 3 - Na referida acção pedia-se que a menor fosse reconhecida como filha ilegítima do réu: 4 - Posteriormente, por sentença de 07/05/1979, transitada em julgado, proferida no processo n° 108/76, que correu termos pelo Tribunal de Vieira do Minho, em que era autora G.., na qualidade de legal representante da aqui autora, sua filha e réu aquele mesmo O.., foi o mesmo réu absolvido do pedido; 5 - Na referida acção pedia a autora que fosse declarada a sua representada, sua filha, F.., filha ilegítima do réu; 6 - Em 25/05/2011 intentou a autora F.. a presente acção contra os herdeiros daquele O.., falecido em 08/11/2010, na qual pede que seja declarado que a autora é filha do dito O...

    A decisão recorrida tem o seguinte teor: «Do Caso Julgado Na contestação excepcionaram as Rés M.. e D.. com o caso julgado, alegando que a presente acção é igual a uma outra intentada pela mãe da ora Autora, na qualidade de legal representante desta, contra o presuntivo pai O.., que veio a ser julgada improcedente. Requerem que se julgue procedente a invocada excepção.

    Respondeu a Autora dizendo que não se verifica a invocada excepção por força de um valor maior, o direito ao conhecimento da ascendência biológica, em razão do qual caem muitos outros, incluindo o caso julgado.

    Para sustentar a posição que defende cita, a título exemplificativo, vários Acórdãos nos nossos tribunais superiores.

    Apreciando e decidindo.

    O caso julgado pressupõe a repetição de uma causa depois da anterior ter sido decidida por sentença que já não admite recurso ordinário, visando-se assim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior (cfr. artigo 497.º, n.º s 1 e 2, do Código de Processo Civil).

    Por sua vez, a causa repetir-se-á sempre quando se propõe acção idêntica a...

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