Acórdão nº 2058/10.5TBBCL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 13 de Junho de 2013

Magistrado ResponsávelMANSO RAINHO
Data da Resolução13 de Junho de 2013
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam em conferência na 1ª Secção do Tribunal da Relação de Guimarães: A..., acompanhado depois pela mulher B... (por efeito de intervenção principal provocada), demandou, pelo Tribunal Judicial de Barcelos e em autos de processo na forma sumária, C... e marido D..., peticionando que fossem estes condenados: a) a reconhecer que o Autor é dono e possuidor do prédio que descreve; b) a reconhecer que o caminho por onde se acede ao prédio do Autor, a norte deste, faz parte integrante do domínio público e que todos os cidadãos têm o direito de nele passar, em toda a sua extensão e sem embaraço; c) caso não se entenda que o caminho é público, a reconhecer que o Autor é titular de uma servidão de passagem a favor do seu prédio, constituída por usucapião, podendo por ali aceder ao prédio do Autor pessoas e veículos; d) a absterem-se da prática de atos lesivos do direito do Autor, nomeadamente deixando de dificultar ou impedir o acesso de e para o prédio do Autor através do caminho que provém da Rua Dr. Francisco Sá Carneiro e termina no portão de entrada do prédio dos Réus.

Alegou para o efeito, muito em síntese, que lhe foi doado pelos pais o prédio misto que descreve e onde tem em construção uma casa. A aquisição de tal prédio está registada a seu favor, além de que o tem adquirido por usucapião. O prédio confronta de norte com um caminho público, com a largura de 4 a 5 metros, que lhe serve de acesso (sendo este o único acesso para a parte urbana), e por onde passam livremente, desde tempos imemoriais, pessoas, animais e veículos, e onde estão implantadas infra-estruturas públicas de água e electricidade. A não se tratar de caminho público, sempre estará constituída sobre tal espaço, e a favor do prédio do Autor, uma servidão de passagem. Sucede que os Réus afirmam que o espaço em questão lhes pertence, sendo que recentemente a Ré começou a colocar o seu veículo no início do caminho, impedindo assim o acesso por carro ao prédio do Autor, com os prejuízos que descreve.

Contestaram os Réus, concluindo pela improcedência da ação.

Disseram, muito em síntese, que o acesso ao prédio do Autor desde a via pública sempre se fez e pode fazer, a pé ou por carro, por um outro acesso a nascente, de sorte que não existe qualquer privação de acesso por causa dos fatos que imputa à Ré. O espaço a que se reporta o Autor não é um caminho, mas uma faixa de terreno que é parte de prédio, que descrevem, que a Ré recebeu por sucessão de seus pais. Tal prédio, incluindo a dita faixa, sempre foi usufruído e cuidado pela Ré e antecessores, sendo a faixa utilizada por terceiros por mera tolerância.

Deduziram reconvenção, peticionando que: a) se declarasse e se condenasse os Autores a reconhecê-lo, que a Ré é dona do prédio a que aludem, b) se declarasse e se condenasse os Autores a reconhece-lo, que a dita faixa de terreno faz parte do aludido prédio; c) se condenasse os Autores a absterem-se de praticar quaisquer atos que perturbem a propriedade e a posse da Ré sobre tal faixa, deixando de a utilizar; d) se condenasse os Autores a retiraram da faixa de terreno todas as instalações e infra-estruturas de água e electricidade que servem o seu prédio.

Seguindo o processo seus termos, veio a final a ser proferida sentença que, em procedência parcial da ação, condenou os réus a reconhecer que os autores são donos do prédio que identificam nos art.s 2º a 11º da petição e a reconhecer que o caminho por onde se acede ao prédio do autor, a norte daquele, está destinada ao uso público e que todos os cidadãos têm direito a nele passar, em toda a sua extensão e sem embaraço. O conhecimento do restante pedido foi considerado prejudicado. A reconvenção foi julgada parcialmente procedente, sendo os Autores condenados a reconhecer que os Réus são donos e possuidores do prédio a que aludem. No mais peticionado, foi a reconvenção julgada improcedente.

Inconformados com o assim decidido, apelam os Réus.

Da respectiva alegação extraem as seguintes conclusões:

  1. Nos termos do n.º 4 do artigo 646.º do CPCivil, deverá ter-se por não escrita a resposta do Tribunal a quo sobre a matéria vertida no quesito 1.º, na sua totalidade.

  2. O processo para obtenção de alvará de licença de construção de uma moradia é um processo que, por lei, tem de ser escrito, com apresentação, em suporte de papel, não só dos requerimentos como também dos documentos e das plantas para apreciação camarária.

  3. Nesses processos, quod non est in actus non est in mundus, não tendo a Câmara que apreciar nada que não esteja formalmente no processo nem o requerente terá de cumprir nada que não esteja, de forma expressa, decidido por despacho camarário escrito constante desses autos e transitado em julgado.

  4. As respostas aos quesitos 25.º, 26.º, 27.º, 28.º e 39.º, reportados todos a um processo camarário alegadamente apresentado pelos autores à Câmara Municipal de Barcelos, deverão merecer, salvo melhor entendimento, resposta negativa ou, assim não se entendendo, deverão ter-se por não escritas tais respostas.

  5. Com efeito, tais factos só poderiam ser provadas através de competente certidão camarária, que não foi junta aos autos.

  6. A presente ação constitui, na ótica da Ré Reconvinte, uma ação popular substitutiva cumulada com um pedido de reconhecimento de propriedade, pelo que importaria ter sido realizada a citação dos titulares dos interesses em causa na ação bem como do Ministério Público, o que não aconteceu e prefigura uma nulidade de conhecimento oficioso.

  7. E sendo uma ação popular, teria competido aos Autores a alegação e prova de que se encontravam em pleno gozo dos seus direitos civis e políticos, o que não se presume (artigo 26.º-A do CPCivil), daí redundando a ilegitimidade dos Autores para a dedução da presente ação.

  8. Nas respostas aos quesitos 7.º, 9.º, 10.º, 12.º, 26.º, 28.º, 41.º, 43.º e 65.º a 70.º foi incluída a expressão “afecta ao uso público” ou, na sua outra formulação, “destinada ao uso público”.

  9. Tal constitui respostas excessivas, devendo ter-se por não escritas nessa parte.

  10. De resto, a afetação ao uso público é uma conclusão que deve ser retirada de factos que a traduzam.

  11. Por ser matéria conclusiva e não alegada pelas partes nos articulados deve igualmente a mesma, nessa parte, e em qualquer uma das suas duas formulações, ser considerada como não escrita nas respostas aos quesitos acima elencados.

  12. Traduzindo-se o uso possível de uma parcela de terreno ao acesso a prédio(s) particular(es) ou parte dele(s), como in casu, não se afigura existir qualquer interesse público relevante na sua utilização nem qualquer destinação ao uso público.

  13. O uso que terceiros possam eventualmente fazer dessa parcela para aceder a prédio(s) particular(es) ou parte deste(s) não traduz qualquer destinação a uso público ou afetação a uso público.

  14. Não foram alegados nem tal resultou dos factos provados qualquer destinação a uso público dessa parcela de terreno.

  15. É pressuposto da procedência da ação, salvo melhor entendimento, que os Autores provem a dominialidade pública do caminho – ou seja, e face aos pedidos formulados, necessitam os Autores provar que nos encontramos perante um caminho e que o mesmo é público.

  16. Uma faixa de terreno que dá apenas acesso físico a dois prédios, mesmo na ótica dos factos constantes da douta sentença ora recorrida, não é um caminho público, não se tendo provado os requisitos fácticos para que tal possa ser reconhecido.

  17. Não sendo caminho público, não é uma questão de legitimidade ativa dos Autores que esta matéria levanta, como parece entender a douta sentença recorrida, mas sim de falência do próprio direito invocado pelos Autores, que é o pretendido direito de aceder ao seu prédio por tal parcela de terreno, por ser caminho público – ou seja, coloca-se ao nível da procedência ou improcedência dos pedidos formulados pelos Autores.

  18. Da douta sentença em apreço parece resultar o entendimento de que não se encontram preenchidos os pressupostos para o reconhecimento da dominialidade pública do caminho enquanto caminho público (o que se afigura correto), restando assim o recurso ao domínio privado da pessoa coletiva pública a que pertenceria tal parcela de terreno.

  19. Só que, a ser assim, bastando-se e sustentando-se a douta sentença não com o facto de tal parcela de terreno ser caminho público mas tão só com o facto de pertencer ao domínio privado de pessoa coletiva pública, a questão da legitimidade dos Autores para intentar a presente ação, nos moldes em que a mesma foi deduzida, ganha novo fôlego, falhando aos Autores legitimidade para intentar a presente ação bem como os pedidos que formularam na sua petição sob as alíneas b) e d), esta última na medida em que dependa da procedência do pedido da alínea b). t) A factualidade dada como provada que engloba a utilização livre e desimpedida, por quem quer que seja, da parcela de terreno em discussão nos autos não se retira da inspeção ao local nem tão pouco da documentação trazida aos autos – resulta, sim, da apreciação atenta e ponderada dos depoimentos produzidos em sede de prova testemunhal.

  20. Nos casos em que a decisão do julgador se escora na credibilidade de um meio de prova assente na oralidade e na imediação, o tribunal de recurso pode censurar essa decisão se resultar que o percurso da convicção belisca as regras da experiência comum, da lógica e dos conhecimentos científicos.

  21. Nenhuma das testemunhas conseguiu explicar para quê, e com que desiderato, a faixa de terreno em discussão nos autos era utilizada por todos quando se lhes aprouvesse – em que é que se manifestava, pois, o uso pelo público.

  22. Perante uma faixa de terreno retangular, com 3 a 4 metros de largura e 50 metros de comprimento, delimitada lateralmente por prédios de particulares, que de uma das pontas tem uma rua municipal e de outra prédios de particulares, que tem como função exclusiva o acesso físico a tal (ou tais) prédio(s) ou a parte dele(s), belisca a lógica, os conhecimentos da ciência e a experiência...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT