Acórdão nº 360/09.8TCGMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 13 de Junho de 2013

Magistrado ResponsávelISABEL ROCHA
Data da Resolução13 de Junho de 2013
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam os Juízes que constituem a 1.ª secção cível.

I – RELATÓRIO 1. A... instaurou a presente acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra B..., pedindo que:

  1. Seja declarado o incumprimento definitivo do contrato promessa pela R. promitente vendedora por facto só a si imputável e tal falta desta suprida mediante sentença, nos termos do artigo 830º do Código Civil que efective o contrato prometido, onde a R. seja condenada a ver transferida para a herança aberta por óbito do marido da A. quanto a metade e para a própria A. quanto à sua meação a plena propriedade das fracções “BN” e “H” identificadas na pi, devendo ser proferida sentença que produza os efeitos da declaração negocial da faltosa, ou, subsidiariamente se tal não for possível, ser a R. condenada nos termos do nº 2 do art. 442º do CC no pagamento da quantia pecuniária referente a diferença entre o preço fixado no contrato promessa e o actual valor dos prédios, acrescido da quantia entregue a título de sinal e princípio de pagamento a liquidar em execução de sentença mas nunca inferior a Eur :282.356,77€; b) Seja declarado que desde Novembro de 1992 o casal formado pela A. e seu falecido marido vivem (dormem, fazem as refeições, convivem com amigos, recebem a correspondência, etc) na fracção referida e pagam as quotas mensais do condomínio exercendo assim, sobre tais fracções e desde aquela data uma posse pública, pacífica, continuada e de boa fé, na convicção segura de que são os únicos e exclusivos possuidores desde a data referida e simultaneamente de que sobre os ditos imóveis têm o “animus” de virem a tornar-se proprietários.

    c) Seja a Ré condenada a reconhecer que a A. goza do direito de retenção sobre as fracções "BN” e "H" identificadas no item 3 deste articulado; Para tanto, e em síntese, alega que: é cabeça de casal da herança aberta por óbito do seu marido, C..., falecido em 07/11/2003, com quem foi casada no regime da comunhão de adquiridos; a R. é titular inscrita do direito de propriedade dos prédios descritos na Conservatória do Registo Predial de Guimarães sob o n.º -BN e -H; por contrato celebrado em 13 de Novembro de 1992, a R. enquanto solteira, prometeu vender ao marido da A., autor da herança que aquela aqui representa, essas mesmas fracções, pelo preço global de 11.500.000$00, correspondendo 10.000.000$00 ao valor atribuído à fracção “BN” e 1.500.000$00 o valor atribuído à fracção H; no âmbito desse contrato a R., na qualidade de promitente vendedora, recebeu a quase totalidade do preço, no valor de 11.499.000$00, de que deu a correspondente quitação, ficando acordado que o remanescente do preço no valor de 1.000$00, seria pago no acto da escritura definitiva de compra e venda, sendo que a mesma seria outorgada logo que o promitente comprador o pretendesse; ainda antes da formalização do contrato promessa das referidas fracções, nessa qualidade de promitentes compradores, à A. e ao seu falecido marido foram entregues as chaves e todos os pertences das fracções, tendo estes entrado na posse desses imóveis que ainda hoje mantêm, e nos quais instalaram, e sempre mantiveram a sua casa de morada de família, na qual criaram e educaram os seus filhos, inclusive a aqui R; trataram tais imóveis como exclusivamente seus, mobilando a habitação, neles fazendo os melhoramentos e obras que entendessem, designadamente alterações às divisões, acabamentos, pagando todas as despesas, contribuições e impostos a eles relativos, tudo conforme se pode aferir das facturas/recibos comprovativos de tais encargos suportadas exclusivamente pelo casal; usaram tais imóveis, ali tomando refeições, pernoitando, convivendo com amigos e familiares, recebendo visitas e correspondência, cuidando da manutenção e limpeza, sempre à vista de toda a gente, sem a oposição de quem quer que fosse, muito especialmente da aqui R; a R. nunca teve qualquer intervenção nas decisões sobre os imóveis, sendo absolutamente certo que foram sempre a A. e o seu falecido marido reconhecidos por todos, sem excepção, como proprietários dos referidos imóveis, situação que se manteve para o falecido marido da A. pai da R., até à sua morte, tendo este como última morada tal imóvel, e que se mantém para a aqui A., que após o falecimento deste, aí continua a residir e tratar dos mesmos como até então, agora na qualidade de cabeça de casal da herança, continuando usar nos mesmos termos e condições referidos nos itens anteriores, suportando agora a A., viúva todas as despesas inerentes a tais imóveis; a A., na qualidade de cabeça de casal e para a referida herança, exigiu, entre outros, o cumprimento do contrato promessa de compra e venda; para tal, procedeu à notificação judicial avulsa da R., através da qual à mesma foi comunicado a data e local para a realização da escritura, dando assim cumprimento a A., na qualidade de cabeça de casal e administradora da herança aberta por óbito do seu falecido marido, ao estatuído na cláusula terceira do contrato promessa no que concerne à marcação da escritura definitiva de compra e venda; agendada a escritura para o dia 1 de Março de 2006, não obstante a R. ter comparecido à mesma, recusou a sua outorga, inviabilizando a concretização da venda definitiva relativa às fracções prometidas no contrato objecto dos presentes autos, invocando circunstancialismos falsos e vagos, sem qualquer sustentação fáctica e jurídica, para a sua não realização; não obstante, a A. continuou a diligenciar, por diversos meios, para que o contrato promessa fosse cumprido, sem obter contudo qualquer sucesso; a tudo a aqui R. sempre se negou, uma vez que bem sabe que com tal escritura definitiva de compra e venda, os imóveis integrarão a herança aberta por óbito do seu falecido pai, na qual a aqui A. é cabeça de casal e nessa qualidade administradora dos mesmos, para além de proprietária da meação; outra solução não resta à A. senão intentar a presente acção com vista à obtenção de declaração negocial substitutiva da declaração em falta da promitente vendedora em causa ou, para a hipótese de se entender que tal não é possível, que seja resolvido o contrato-promessa, devendo a promitente vendedora indemnizar a aqui A. pela diferença entre o preço fixado no contrato promessa e o actual valor dos prédios (225.000€), acrescido da quantia entregue a titulo de sinal e princípio de pagamento; tendo ocorrido tradição dos imóveis a que se refere o contrato promessa, estando a A. na sua posse há mais de 17 anos e sendo esta também titular do crédito resultante do incumprimento da R., goza aquela do direito de retenção sobre esses imóveis, que é conferido ao promitente comprador nos termos da alínea f) do n.º1 do artigo 755º do C.C.

    1. Regular e pessoalmente citada, a ré contestou, nos seguintes termos: a A. não é parte legítima por não ser mais do que cabeça-de-casal da herança aberta por óbito do seu marido; A Ré é possuidora - e não mera “titular inscrita” dos imóveis descritos na p.i., que adquiriu mediante o pagamento do preço convencionado; independentemente disso, por si e antepossuidores, há mais de 5, 15, 20, e 30 anos vem possuindo ininterruptamente os descritos prédios, tendo-os igualmente adquirido por usucapião; A A. está a ocupar, sem título, ilícita e não consentidamente, esses prédios, com a firme oposição da Ré, que entendendo que lhe cabe o direito de exigir que a A. reconheça o seu direito de propriedade e lhe faça a entrega dos mesmos, livres de coisas e de pessoas, fez distribuir neste tribunal o processo n° 1075/05.1TCGMR, pendente na 1ª Vara, no qual pediu o reconhecimento da propriedade e a restituição dos imóveis. Daí resulta, senão a excepção da litispendência, pelo menos, a existência de uma causa prejudicial; por outro lado, aceitando a A. que ocorra incumprimento definitivo da Ré, a acção é inadmissível pois só seria possível, accionar o mecanismo do art°. 830° do Código Civil ocorrendo simples mora; impugna ainda a matéria alegada na p.i., defendendo que o objectivo da A., de seu marido e da Ré, ao outorgarem os documentos citados na inicial, foi o de, no interesse, aliás, do A. e marido, anteciparem as partilhas dos bens do casal com os filhos, garantindo, através do contrato promessa - e apenas isso - o direito de, querendo e podendo, fazerem reverter a transmissão enquanto o pai da Ré fosse vivo; certo é, contudo, que a A. não vive no prédio e que este não é casa de morada de família, como é óbvio, visto que é viúva e seus dois únicos filhos vivem em casa própria e distinta dessa; de resto, a Ré não recebeu de seu pai qualquer importância nem se comprometeu com ele a transmitir- lhe a propriedade dos imóveis; A autora replicou, pugnando pela improcedência da excepção de ilegitimidade da Ré e pedindo a condenação desta como litigante de má-fé.

    Por despacho de fls. 188 e ss., transitado em julgado, na procedência da invocada excepção de ilegitimidade, foi a ré absolvida da instância por preterição de litisconsórcio necessário activo.

    Foi então requerida pela Autora e admitida, a intervenção principal provocada de D... ao lado da autora e, por via desta intervenção, considerou-se suprida a dita excepção de legitimidade.

    Foi proferido despacho saneador, tendo sido organizada a matéria de facto assente e a base instrutória, que foi objecto de reclamação por parte da Ré, a qual foi deferida, aditando-se àquela o quesito 14.º Realizou-se a audiência de julgamento, com observância do legal formalismo.

    Após decisão que incidiu sobre a matéria de facto, foi proferida sentença que julgou parcialmente procedente a acção e, em consequência: Declarou-se que, desde Novembro de 1992, o casal formado pela A. e seu falecido marido vivem (dormem, fazem as refeições, convivem com amigos, recebem a correspondência, etc) na fracção referida e pagam as quotas mensais do condomínio exercendo assim, sobre tais fracções e desde aquela data uma posse pública, pacífica, continuada e de boa fé, na convicção segura de que são os únicos e exclusivos...

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