Acórdão nº 461/11.2TBFAF.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 15 de Outubro de 2013
Data | 15 Outubro 2013 |
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I.
M.. e mulher, M.., residentes na Rua .., concelho e comarca de Fafe, intentaram ação declarativa, sob forma de processo sumário, contra A.. e marido, F.. residentes na Rua.., concelho e comarca de Fafe, alegando, no essencial, que são proprietários de dois prédios, um deles rústico (artigo 1282) e o outro urbano (1844), e os R.R. são proprietários de um prédio urbano (artigo 1905, que proveio do artigo 1845, provindo este do artigo 339) composto, além do mais, por casa e quinteiro, sendo que os dois referidos prédios urbanos (um dos prédios dos A.A. e o prédio dos R.R.) provieram de um único prédio urbano, enquanto este último (artigo 339) e o rústico dos A.A. (artigo 1282) foram adquiridos em comum e na proporção de metade para o A. marido e seu pai A.. no dia 2.10.1967. Mas, por escritura de permuta de 17.1.1979, o A. marido adquiriu a seus pais (além de outras metades, noutros prédios) a metade indivisa dos prédios dos artigos 1844 e 1282, ficando único titular da plena propriedade dos mesmos.
Situando-se o prédio dos R.R. entre aqueles dois prédios dos A.A., e sendo que o quinteiro daqueles, juntamente com o logradouro do prédio dos A.A. constituía a totalidade do prédio mãe antes da operada divisão, o acesso ao prédio rústico dos A.A. a partir da via publica sempre, há mais de 20 e 30 anos vem sendo feito através do quinteiro do prédio urbano que atualmente pertence aos R.R., no sentido poente/nascente e no sentido inverso para daquele aceder ao prédio urbano dos A.A. e deste à via publica, em extensão e largura determinadas, designadamente para o exercício da atividade agrícola, tendo-se constituído sobre o quinteiro daquele, a favor dos prédios dos A.A., uma servidão de passagem, por destinação e pai de família e também por usucapião.
Não obstante, no dia 4 de fevereiro de 2011, os R.R. construíram um muro no seu quinteiro que obstrói totalmente o leito da passagem e impede os A.A. de transitar através do caminho de servidão entre os seus dois prédios.
Terminam com o seguinte pedido, ipsis verbis: «Nestes termos e nos mais de direito que mui doutamente serão supridos, deve a presente acção ser julgada totalmente procedente por provada e, por consequência,
a) Ser declarado e reconhecido o direito de propriedade dos A.A. aos prédios melhor identificados sob o artigo 12 supra; b) Ser declarado e reconhecido o direito de servidão de passagem a pé, com gados presos e soltos, com veículos de tracção animal, motorizados ou com tractores e respectivas alfaias, durante todo o ano e a qualquer hora, através do prédio dos R.R. (serviente), referido no artigo 15º supra, e a favor dos prédios dos A.A. (dominantes), referidos e identificados no artigo 1º supra; c) Serem os R.R. condenados a reconhecerem esse direito de servidão de passagem a favor dos prédios dos A.A. e, consequentemente, a não impedir nem estorvar os A.A. de exercer tais direitos de servidão; d) Serem os R.R. condenados a procederem à eliminação do muro melhor identificado no artigo 32º supra, permitindo aos A.A. o livre exercício do seu direito de servidão de passagem.» Citados, os R.R. contestaram a ação impugnando parcialmente os factos da petição inicial.
Nada opuseram, designadamente, quanto à titularidade do direito de propriedade dos A.A. sobre os dois referidos prédios (artigos 1884 e 1282) e reconheceram que os dois prédios provieram do prédio urbano inscrito sob o artigo 339, prédio este adquirido em compropriedade pelo A. marido e pelo seu pai no ano de 1967, à semelhança do que fizeram com outros prédios, de tal modo que, após processo de discriminação, em 1978, por permuta, ao pai do A. ficou a pertencer o prédio acima identificado como o prédios do R.R. (por eles adquirido por doação) e ao A. o prédio identificado em 1º da petição inicial.
O prédio nº 339, objeto da discriminação não pertencia única e exclusivamente ao mesmo dono, como também os prédios discriminados não ficaram a pertencer a donos diferentes. Os A.A. já eram donos da metade indivisa do seu prédio, assim como o seu pai dono de metade indivisa do dele. E no momento em que se operou a sua discriminação não havia qualquer sinal visível permanente que revelasse de forma inequívoca qualquer serventia de um prédio em relação a outro.
Nunca se constituiu qualquer servidão de passagem a favor dos prédios dos A.A.; só por tolerância dos R.R. o A. marido atravessava o quinteiro dos R.R. a pé. Há mais de 20 ou 30 anos que os A.A. deixaram de passar pelo dito quinteiro para passarem por um caminho dizendo que era o local por onde deveriam passar.
A existir servidão de passagem constituída por usucapião, deve ser considerada extinta por desnecessidade.
O muro construído pelos R.R. em nada afeta a passagem quer para o prédio urbano dos A.A., que confina diretamente com a via pública, quer para o prédio rústico dos mesmo, que tem acesso direto pelo referido caminho.
Defendem assim a improcedência da ação.
Os A.A. responderam à contestação impugnando parte da matéria alegada pelos R.R. e reafirmando o uso e a necessidade da passagem e a constituição a servidão de passagem, quer por destinação e pai de família, quer por usucapião, nada justificando a sua extinção por desnecessidade, sendo que os R.R. também não deduziram esse pedido.
O tribunal dispensou a audiência preliminar e proferiu despacho saneador tabelar, abstendo-se expressamente de elaborar factos assentes e base instrutória.
Instruído o processo, foi realizada a audiência de discussão e julgamento, que culminou com a prolação de respostas fundamentadas à matéria de facto controvertida, ali discriminada, de que não houve reclamação.
Foi depois proferida sentença final que culminou com o seguinte dispositivo: «Pelo exposto, tendo em atenção as considerações produzidas e as normas legais citadas, decido:
a) Declarar e reconhecer o direito de propriedade dos autores sobre os prédios descritos nas alíneas a) e b) dos factos provados; b) Absolver os réus do demais peticionado; c) Condenar os autores nas custas do processo – arte. 446.°, n.º 1, do CPC.» (sic) * Inconformados com a decisão, os A.A. interpuseram recurso de apelação onde alegaram com as seguintes CONCLUSÕES, ipsis verbis: (…) Defendem, assim, os apelantes que seja revogada a decisão recorrida e substituída por outra que jugue a ação procedente, condenando os R.R. nos termos do pedido.
* Os R.R. responderam em contra-alegações, com as seguintes conclusões: (…) Defendem, nestes termos que seja negado provimento ao recurso.
* Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
II.
As questões a decidir --- exceção feita para o que é do conhecimento oficioso --- estão delimitadas pelas conclusões da apelação dos A.A., acima transcritas (cf. art.ºs 608º, nº 2, 635º e 639º do novo Código de Processo Civil, aprovado pela lei nº 41/2013, de 26 de junho).
Com efeito importa apreciar e decidir as seguintes questões: 1- Erro na apreciação da prova e modificação da matéria de facto e contradição na decisão em matéria de facto; 2- A constituição de uma servidão de passagem por destinação de pai de família; 3- A constituição de uma servidão de passagem por usucapião; e 4- Abuso de direito dos A.A.
III.
São os seguintes os factos dados como provados na 1ª instância [1]: a. Encontra-se inscrito na matriz urbana sob o art. 1844, que proveio do inscrito na matriz urbana sob o art. 339, em nome de M.. (ora autor) o seguinte prédio: uma casa, com a área coberta de 90 m2, logradouro com 75 2, eira com 33 m2, alpendre com 19 m2 e espigueiro com 3,25 m2, a confrontar do norte e poente com caminho, do sul com A.. e do nascente com restante prédio donde foi destacado.
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Encontra-se inscrito na matriz rústica sob o art. 1282, em nome de M.. (ora autor), o seguinte prédio: cerrado da casa, de lavradio, vinho e azeite, a confrontar do norte com caminho, do sul com proprietário, do nascente com A.. e poente com proprietário c. Encontra-se inscrito na matriz urbana sob o art. 1905, que por sua vez proveio da mesma matriz sob o artigo 1845, o qual por sua vez proveio do inscrito na mesma matriz sob o artigo 339, em nome de A.. (ora ré) o seguinte prédio: uma casa, com a área coberta de 108 m2, com uma divisão no rés-do-chão e duas no primeiro andar, com uma cozinha separada com a área de 56 m2, com quinteiro de 96 m2, alpendre com 18 m2, espigueiro com 3,25 m2 e terreno de horta formado por cinco leiras, umas denominadas trás da casa com 390 m2 e outras denominadas do alpendre com 377 m2, a confrontar do norte com caminho, do sul com caminho, do nascente com proprietário e do poente com a restante parte do prédio.
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Os prédios descritos em A) e C) provieram do prédio urbano inscrito na matriz urbana sob o art. 339, o qual foi objecto de um processo administrativo de descriminação com o n.º 5/78.
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Por escritura pública de compra e venda celebrada no Cartório Notarial de Fafe em 02 de Outubro de 1967, o prédio inscrito na matriz urbana sob o art. 339 (facto A) e o prédio inscrito na matriz rústica sob o art. 1282 (facto B) foram adquiridos, em comum e na proporção de metade para cada um, pelo autor M.. e pelo seu pai, A...
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Por escritura pública de permuta celebrada no Cartório Notarial de Fafe em 17 de Janeiro de 1979, o autor M.. adquiriu, por permuta com os seus pais (A.. e mulher), a metade indivisa de vários prédios, entre os quais os prédios identificados em A) e B).
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Após o processo de descriminação supra referido, a A.. (pai do autor) ficou a pertencer o prédio referido em C) e a M.. (ora autor) o prédio identificado em A) e B).
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Há mais de 20 e 30 anos que os autores, por si e passados, estão na posse do prédio referido em A), designadamente habitando-o, nele confeccionando refeições, recebendo os amigos e familiares, dormindo e guardando lenhas, alfaias agrícolas, animais e veículos automóveis, fazendo obras de conservação e remodelação.
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Há mais de 20 e 30 anos que os autores, por si e passados, estão na posse do prédio referido...
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