Acórdão nº 894/11.4TBVCT.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 01 de Outubro de 2013

Magistrado ResponsávelFILIPE CARO
Data da Resolução01 de Outubro de 2013
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I.

Â… mulher, M…, casados segundo o regime de comunhão de adquiridos, residentes na Rua …, concelho de Viana do Castelo, intentaram ação declarativa de condenação, sob a forma de processo sumário, contra M… e marido, J…, casados segundo o regime de comunhão de adquiridos, residentes em…, em França, alegando essencialmente que, por escritura pública celebrada a 30.8.1995, compraram aos R.R. uma quarta parte indivisa de uma casa de habitação e que, apesar de várias insistências suas, nunca aqueles vendedores se mostraram disponíveis para entregar a posse da parte adquirida pelos A.A. ou para devolverem o preço que estes pagaram na referida aquisição. Os R.R. transmitiram a outrem essa mesma parte indivisa do prédio, agindo de má fé, incorrendo em responsabilidade civil por facto ilícito (art.º 483º do Código Civil). E assim, tendo transmitido duas vezes o mesmo direito, devem restituir aos A.A. tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição não for possível, o valor correspondente, nos termos do art.º 289º, nº 1, do Código Civil.

Culminam a petição inicial com o seguinte pedido: “Nestes termos e nos melhores de direito aplicáveis, deve a presente acção ser julgada procedente e provada e os R.R. condenados a pagar aos A.A. a quantia de 16.412,36€, correspondente ao capital e aos juros entretanto vencidos, bem como nos juros vincendos, bem como nos juros vincendos, e ainda nas custas e acréscimos legais”. (sic) Citados, os R.R. contestaram a ação, por exceção e por impugnação.

Quanto ao primeiro ponto invocaram a existência de contradição entre o pedido e a causa de pedir, não compreendendo como não foi posta em causa, pelos demandantes, a validade e a eficácia da referida escritura pública e, simultaneamente se pede a restituição do preço alegadamente pago, acrescido de juros vencidos e vincendos.

Os R.R. impugnaram parte dos factos alegados na petição inicial, apresentando a sua versão dos acontecimentos, designadamente a simulação do preço, fixando-o por valor mais elevado do que o real com vista a evitar o exercício do direito de preferência de terceiros; e nem sequer o preço real foi alguma vez pago.

Concluíram pela improcedência da ação.

Os A.A. replicaram impugnando parte da matéria alegada na contestação. Invocaram a nulidade do contrato por o direito em causa lhes ter sido vendido numa ocasião em que os vendedores já não eram seus titulares, alteraram/completaram o pedido em conformidade e reafirmaram o pagamento do preço, de acordo com o constante da escritura pública.

O pedido passou a ter a seguinte redação:

a) Se declare nulo o negócio jurídico de compra e venda celebrado em 30.8.1995 por escritura pública; b) Se condenem os R.R. a restituírem aos A.A. a quantia de € 18.028,30 correspondente ao capital (preço, sisa e quantia despendida com a realização da escritura pública) e juros entretanto vencidos, assim como nos juros vincendos, custas e acréscimos legais.

Foi proferido despacho saneador no âmbito do qual se admitiu a alteração/explicitação do pedido pela expressa invocação da nulidade da compra e venda.

Dispensada a audiência preliminar e a elaboração de factos assentes e base instrutória, e instruído o processo, teve lugar a audiência de discussão e julgamento que culminou com respostas fundamentadas à matéria de facto.

Foi proferida sentença que culminou com o seguinte segmento decisório: “Por todo o exposto, julgo a presente acção parcialmente procedente e, em consequência: - declaro a nulidade do negócio celebrado entre as partes, por escritura pública de compra e venda datada de 30 de Agosto de 1995; - condeno os réus a pagar aos Autores, a título de indemnização, a quantia de € 1.153,76 (mil cento e cinquenta e três euros ,e setenta e seis cêntimos), acrescida dos respectivos juros vencidos e vincendos, à taxa legal, desde a data da citação e até efectivo e integral pagamento.

Custas a cargo dos Autores e dos Réus na proporção de 90% e de 10%, respectivamente.” (sic) Inconformados, os A.A. recorreram da sentença, tendo apresentado alegações com as seguintes CONCLUSÕES: “1º - Dá-se aqui por reproduzida a matéria de facto dada por provada e constante na sentença recorrida; 2º - Assenta a sentença e o raciocínio da Mmª Juiz “ a quo” no pressuposto de que tendo os RR. invocado que o preço não foi pago, arguindo mesmo a simulação da compra e venda, que os AA. não lograram fazer prova do pagamento do preço; 3º Na realidade os AA. possuem uma escritura pública de compra e venda em que os RR. declaram vender aos AA., “ pelo preço de dois milhões de escudos, quantia que dela declaram ter já recebido (..)”; 4º Estamos perante um documento autêntico, e que nos termos do artigo nº 371, nº 1 do Código Civil, o mesmo faz prova plena dos factos que referem como praticados pela autoridade ou oficial público respectivo, assim como dos factos que neles são atestados com base nas percepções da entidade documentadora;…” 5º A afirmação exarada em escritura pública de compra e venda de um prédio de que os outorgantes vendedores disseram, naquele ato, já haverem recebido o preço da venda faz prova plena de tal afirmação.

  1. Salvo prova do contrário feita em incidente de falsidade, cfr. Os arts. 363, nº 1 e 2, e 371º, nº 1 do Cód. Civil.

  2. Nos termos do art. 372º, nº 1 do Código Civil “ A força probatória dos documentos autênticos só pode ser ilidida com base na sua falsidade.

  3. Ora no processo em causa o Incidente de falsidade do preço não foi suscitado pelos Réus e era a estes que o cabia fazer.

  4. A afirmação documentada na escritura pública de compra e venda, relativamente ao recebimento do preço, constitui uma confissão extrajudicial que faz prova plena daquele facto, na medida em que for desfavorável ao outorgante vendedor e favorável à parte contrária – cfr. Os arts. 347º, 351º, 393º, nº2 e 395º do Cód. Civil (STJ, 2-6-1999:BMJ, 488º-313, e CJ/STJ, 1999-2º-136).

  5. A prova legal plena só pode ser contrariada por meio de prova que mostre não ser verdadeiro o facto que dela for objeto, sem prejuízo de outras restrições especialmente determinadas na lei”, nos termos do artigo 347º do Código Civil.

  6. A decisão recorrida violou ou fez errada aplicação do disposto nos artigos 347º, 363º, nº 1, 371º, nº1, 372º, 393º, nº 2 e 894º todos do Código Civil”.

Em contra-alegações, vieram os R.R. pugnar pela manutenção do decidido, concluindo do seguinte modo: “1. Competia aos Autores fazer prova de que pagaram o preço, facto que não lograram.

  1. Por isso, andou bem o tribunal recorrido, ao decidir como decidiu, na medida em que, o facto de constar da escritura pública que foi pago o preço de dois mil contos (atualmente 10.000,00€) não significa, tout court que aquele preço tivesse sido pago.

  2. Isto porque, na esteira das melhores doutrina e jurisprudência “a força probatória material dos documentos autênticos restringe-se, nos termos do artigo 371.º, nº1 do Código Civil, aos factos praticados ou percepcionados pela autoridade ou oficial público que emanam os documentos, já não abarcando, porém, a sinceridade, a veracidade e validade das declarações prestadas perante essa mesma autoridade ou oficial público.” 4. A resposta aos quesitos dada pelo Exma Sra Juiz a quo, a sua fundamentação e a fundamentação da sentença são claras e por isso inatacáveis.

  3. Não se verifica a necessidade e de invocação do incidente de falsidade.

  4. Não é o documento autêntico, em si mesmo que está adulterado, 7. Nem o seu conteúdo foi alterado propositadamente pelo notário.

  5. Em rigor, não se trata de um documento falso, mas sim de um negócio que não foi de facto realizado, porque o preço não foi pago, nem a coisa transmitida.” (sic) * Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

    II.

    A questão a decidir encerra apenas matéria de direito, estando o objeto do recurso delimitado pelas conclusões da apelação, acima transcritas, exceção feita para o que for do conhecimento oficioso (cf. art.ºs 608º, nº 2, 635º e 639º do novo Código de Processo Civil[1]).

    Impõe-se solucionar a seguinte questão: qual a força probatória da declaração constante de uma escritura pública de compra e venda, assinada pelos vendedores e pela compradora, pela qual aqueles referem expressamente ter recebido desta última o preço do direito objeto do contrato (esc.2.000.000$00)? * III.

    O tribunal recorrido deu como provados os seguintes factos [2]:

    1. Por escritura pública de compra e venda lavrada em trinta de Agosto de mil novecentos e noventa e cinco no Segundo Cartório Notarial de Viana do Castelo, exarada de folhas setenta e duas verso a folhas setenta e quatro verso, do Livro cento e trinta e dois – F, os Réus declararam vender aos Autores uma quarta parte indivisa de uma casa de rés-do-chão com seu logradouro, sito no Lugar …, concelho de Viana do Castelo, inscrita na matriz urbana sob o artigo … e descrita na Conservatória do Registo Predial de Viana do Castelo sob o número… (documentos números um, dois e três juntos com a petição inicial e cujos teores aqui se dão por integralmente reproduzido).

    2. De acordo com o documento junto aos autos a fl. 21 (original a fl. 117), cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, emitido pela Repartição de Finanças de Viana do Castelo, datado de 29 de Agosto de 1995, M…, casada, declarou que pretende pagar a sisa que for devida com referência à compra pelo preço de 2.000.000$00 vai fazer a J… e mulher, residente em …, da ¼ (uma quarta parte) indivisas de uma casa baixa em alvenaria, situada no lugar de…, inscrita na matriz respectiva sob o artigo …, com o valor patrimonial de 3.286$00, tendo sido paga a quantia de 200.000$00.

    3. Na escritura pública mencionada no artigo 1º da petição inicial (alínea a) dos factos provados) foi declarado “(…) Disseram os primeiros outorgantes: Que vendem à segunda outorgante, pelo preço de dois milhões de escudos, quantia que dela declaram ter já recebido (..)”.

    4. De acordo com o documento junto aos autos a fl. 22 (original a fl. 116), cujo...

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