Acórdão nº 444/11.2TBCBC.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 22 de Janeiro de 2013

Magistrado ResponsávelFILIPE CARO
Data da Resolução22 de Janeiro de 2013
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I.

T.., LDA.”, com sede no Lugar do.., Braga, instaurou ação declarativa de condenação, sob a forma de processo sumário, contra A.., residente na.., Cabeceiras de Basto, alegando, no essencial, que, no exercício da sua atividade comercial, lhe vendeu um trator agrícola pelo preço de € 21.812,28, de que o R. apenas pagou € 16.495,28, estando em dívida o remanescente (€ 5.317,00) e que o mesmo, interpelado, se tem recusado a pagar. Aquando da última interpelação, o R. comunicou-lhe “que não lhe devia qualquer montante, pois o preço da aquisição já se encontrava pago”.

Àquele valor de capital acrescem os respetivos juros de mora, à taxa legal comercial variável.

E termina assim o seu articulado: “Nestes termos e nos que doutamente são supridos por V. Ex.a, deve a presente acção ser julgada procedente, por provada, e por via dela: - Ser o Réu condenado a pagar à Autora o montante de € 5.317,00 (cinco mil trezentos e dezassete euros), correspondente ao remanescente do preço da aquisição do tractor, acrescido dos respectivos juros legais de mora vencidos e vincendos, até efectivo e integral pagamento, computando-se os mesmos actualmente em € 4.771,41 € (quatro mil setecentos e setenta e um euros e quarenta e um cêntimos), perfazendo o total de € 10.088,41 (dez mil oitenta e oito euros e quarenta e um cêntimos).” (sic) Citado, o R. contestou a ação, impugnando parcialmente a matéria alegada na petição inicial. Ali referiu que «na verdade, entre a A. e o R. foi celebrado um contrato, em Setembro de 2002, através do qual aquela vendeu a este o tractor “John Deer”, modelo 5319», em cujo pagamento recebeu um trator seminovo no valor atribuído de € 15.967,00 e cinco cheques de € 2.000,00 cada um, tendo efetuado o pagamento dos três primeiros, no montante de € 6.000,00 e, bem assim, embora com atraso, o pagamento dos dois últimos, no valor de € 4.000,00, em numerário e em prestações.

Concluiu que nada deve e defendeu que a ação fosse julgada improcedente.

A A. respondeu à contestação, reafirmando a alegada falta de pagamento. Fez notar que dos cinco cheques, no valor individual de € 2.000,00, nenhum teve boa cobrança, pelo que dos alegados € 10.000,00, apenas foi paga a quantia de € 4.683,00, estando em falta o valor pedido a título de capital.

Concluiu como na petição inicial, opondo-se à procedência da exceção do pagamento.

O tribunal proferiu despacho saneador tabelar e dispensou a audiência preliminar e a elaboração de base instrutória.

Instruída a causa, decorria a fase da audiência de julgamento, e tendo o R. prestado já depoimento de parte, veio o mesmo apresentar o requerimento de fl.s 124, com o seguinte teor: «1- Aquando da citação dos presentes autos, entreguei toda a documentação ao meu genro, J..; 2- O meu genro foi quem tratou de tudo, tendo apenas assinado a procuração favor da Sociedade de Advogados; 3- O teor da contestação é da autoria ao meu genro, J...

4- Confrontado com o seu teor, constato que não é correcto, quanto à minha pessoa, o alegado sob os artigos 5º, 6º, 7º, 8º, 9º,10º,11º,12º e 13º daquela; 5- Pelo que pretendo que tal matéria seja retirada, uma vez que a mesma não foi aceite especificamente pela Autora, antes pelo contrário, como se retira do artigo 1º da resposta; 6- Na verdade, como resulta do meu depoimento de parte, corroborado pelo depoimento de parte do gerente da R., não celebrei qualquer negócio com a Ré, não lhe adquiri qualquer tractor e, por isso, nunca efectuei qualquer pagamento por conta do preço de tal tractor; 7- Pois, como foi afirmado pelo gerente da Ré [1] em depoimento de parte, quem celebrou o negócio melhor retratado nos autos foi o J..;». (sic) O tribunal reservou para a resposta à matéria de facto o conhecimento do requerimento.

Encerrada a discussão da causa, o tribunal apresentou respostas, fundamentadas, em matéria de facto, que não foram objeto de reclamação.

Foi depois proferida sentença que culminou com o seguinte dispositivo: “Pelo exposto, decide-se julgar a presente acção totalmente improcedente e, em consequência, absolve-se o réu A.. do pedido.” (sic) Inconformada, a A. apelou da sentença, com as seguintes CONCLUSÕES: «1.ª O Tribunal da 1.ª Instância decidiu julgar a acção totalmente improcedente, absolvendo o réu do pedido, entendendo que o negócio jurídico foi celebrado com o Sr. J.., e não com o apelado.

  1. Esta decisão é uma decisão-surpresa.

  2. Por isso, a decisão caiu, nessa partem, no âmbito da cláusula geral sobre as nulidades processuais secundárias constantes do n.º 1 do artigo 201.º do C.P.C., nulidade aqui expressamente invocada com as consequências processuais que a declaração judicial da mesma trará.

  3. Por nenhuma das partes os ter alegado, antes tendo alegado ambas factos diversos e, mais do que isso, até contrários – o que, por si só, torna inaplicável o n.º 3 do artigo 264.º e a alínea f) do n.º 2 do artigo 650.º do CPC – jamais os factos 2 e 6 poderiam ter sido dado como provados, senão em violação do estatuído na 1.ª parte do n.º 2 do artigo 264.º e no artigo 268.º do CPC, impondo-se que tais factos sejam suprimido da matéria tida por provada.

  4. Tendo a apelante lançado mão da demanda para que lhe fosse paga determinada quantia, que discriminou, o Tribunal de 1.ª Instância atendeu favoravelmente a este argumento, reflectindo-o inclusive nos factos provados: «3. Do preço relativo à venda do tractor referido em 2., encontra--se pago o valor de €.16.495,28.» (Cfr. par. 5, da pág. 2 da sentença, negrito nosso.) 6.ª Este facto dado como provado entra em contradição com a decisão, pois, começando por reconhecer a existência da alegada dívida – e a alegada dívida não é senão a resultante do preço em falta do único contrato de compra e venda objecto dos autos (entre apelante e apelado) – acaba concluindo da inexistência dessa dívida (porque, afinal, não houve contrato nenhum entre apelante e apelado).

  5. Está, pois, consubstanciada a nulidade da sentença fulminada pela alínea c) do n.º 1 do artigo 668.º do CPC – aqui expressamente invocada.

  6. O Tribunal a quo decidiu que o contrato de compra e venda do tractor em causa foi celebrado entre a autora e a testemunha (!!!) J...

  7. Todavia, essa questão não fazia, nem faz, parte do objecto desta demanda.

  8. Por isso, conhecendo de questão de que não podia tomar conhecimento, incorreu na nulidade sancionada pela 2.ª parte da alínea d) do n.º 1 do artigo 668.º do CPC.

  9. De acordo com a M.ª Julgadora a quo, a apelante «instaurou a presente acção declarativa de condenação sob a forma de processo sumário contra A..», acrescentando que «a autora conclui pedindo que condene o réu a pagar à autora a quantia € 5.317,00, acrescida dos respectivos juros de mora legais, vencidos e vincendos e até efectivo e integral pagamento».

  10. Seguidamente, diz que «o réu, citado para contestar, confirma a existência do contrato de compra e venda do tractor, mas acrescenta que já procedeu ao pagamento integral da quantia em peticionada o que fez em cheque e em dinheiro, razão pela qual nada deve.» 13.ª Contudo, terminou decidindo que o contrato de compra e venda foi celebrado entre a apelante e o Sr. J.., pelo que o apelado não seria responsável pelo pagamento do remanescente do preço da aquisição do tractor.

  11. Esta conclusão, para além de estar ancilosada (e muito!) nos termos da fundamentação recursória supra, não só não se baseia nos factos apurados na audiência de discussão e julgamento, nem nos factos dados como provados com base em suporte documental, como é frontalmente contrária a tais factos.

  12. Um dos factos tidos como provados pelo M.º Juiz a quo, é o da resposta que o apelado deu à interpelação da apelante para pagamento do remanescente do preço da aquisição do tractor (5.º facto), onde expressa claramante: “recebi a sua carta datada de 21.06.2011 e não concordo com o seu teor, pois está tudo pago. Aliás, desde 2002 é a 1.ª vez que me interpelam para pagar uma coisa que há muito está paga”, é ilustrativo que o demandado não é alheio ao negócio jurídico em análise.

  13. Quando inquirido pelo Mandatário da apelante sobre em nome de quem tinha sido celebrado o negócio, a testemunha (afinal transformada em parte, mas parte sem poder ser condenada??!!) J.. disse que tinha sido celebrado o negócio em nome do apelado, o que deve ser valorado neste recurso.

  14. Além do mais, a propriedade do tractor encontra-se registada a favor do apelado e, de igual modo, também se encontra registada a favor da apelante uma reserva de propriedade sobre o bem (cfr. documento n.º 1, de que ora se requer admissão aos autos).18.ª Tal é uma prova e presunção legal da titularidade do direito de propriedade sobre o tractor e, consequentemente, da titularidade de direitos e obrigações relativos àquele (artigos 7.º do Código do Registo Predial, ex vi do artigo 29.º do DL n.º 54/75, de 12.02).

  15. Uma dessas obrigações é pagar o remanescente do preço pela aquisição do tractor, como peticiona a autora e como o Tribunal a quo reconhece como facto provado: “3. Do preço relativo à venda do tractor referido em 2., encontra-se pago o valor de €.16.495,28.” 20.ª Ao decidir como o fez o Tribunal violou as disposições legais acima referidas e aquelas em que baseou a decisão de absolvição.» (sic) Remata o recurso defendendo a revogação da sentença.

* O R. respondeu em contra-alegações, apresentando também CONCLUSÕES: «1- A apelante requereu a junção de 1 documento, porém, a necessidade de junção de documentos por via do julgamento efectuado, só se verifica, quando pela fundamentação da sentença ou pelo objecto da condenação, se torne necessário provar factos com cuja relevância a parte não poderia razoavelmente contar antes da decisão ser proferida, o que, manifestamente, se não verifica no caso vertente.

2- Por isso, a junção de tal documento não deve ser admitida, tanto mais que, como o próprio legal representante da A. refere em sede de depoimento de parte, esta já há muito tinha conhecimento que o...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT