Acórdão nº 1735/06.0TBFLG-B.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 17 de Janeiro de 2013

Magistrado ResponsávelANTERO VEIGA
Data da Resolução17 de Janeiro de 2013
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na 1ª Secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães.

Rui … e Maria … deduziram oposição à Execução contra F … - Instituição Financeira de Crédito, SA, alegando, em síntese, que, para pagamento do preço de um veículo automóvel que o executado adquiriu ao stand …, sito em Vila …, este celebrou um contrato de mútuo com a Exequente, entregando ainda um veículo sua propriedade, de marca Opel Corsa.

No âmbito do referido contrato, o executado subscreveu a livrança junta aos autos executivos e a executada prestou aval na mesma.

No momento da aquisição do veículo automóvel, o Executado estava convencido que este era do ano de 1996, tal como lhe tinha sido assegurado pelo representante legal do referido stand. Porém, poucos dias depois, veio a saber que, afinal, o veículo era do ano de 1989.

Nessa altura, remeteu ao referido stand uma carta, declarando que considerava resolvido o contrato de compra e venda, bem como à aqui Exequente, declarando resolvido o contrato de mútuo.

O contrato de mútuo foi efectuado para pagamento do preço devido ao stand, pela compra da viatura, pelo que o mesmo era imprescindível para a realização do contrato de compra e venda, sendo ambos dependência um do outro. O contrato celebrado com o stand era o contrato principal e o contrato que deu origem à assinatura da livrança era o acessório, pelo que, tendo sido resolvido o principal, não faria sentido a manutenção do acessório.

Termina pedindo, assim, a procedência da oposição á execução e a extinção da instância executiva.

A Exequente contestou, sustentando, em síntese, que os efeitos da validade e eficácia do contrato de crédito apenas se repercutem na validade e eficácia do contrato de compra e venda nos casos em que exista qualquer tipo de colaboração entre o credor e o vendedor na preparação ou na conclusão do contrato de crédito.

Ora, no caso concreto, este tipo de colaboração não existe, pelo que, não enfermando o contrato de crédito de qualquer vício, não pode ser afectado pelas vicissitudes ocorridas no âmbito do contrato de compra e venda.

Acresce que a Exequente diligenciou junto do vendedor no sentido de apurar a verdade dos factos, tendo este lhe referido que foram cumpridos todos os requisitos legais previstos no DL nº 359/91, de 21 de Setembro. Tendo ainda sido confirmado pela entidade vendedora não existir qualquer divergência entre o veículo pretendido e aquele que lhe foi efectivamente entregue.

Por último, o executado assinou uma declaração onde confirma que o bem objecto do contrato lhe foi entregue, renunciando ao direito de revogação da proposta de crédito. Mais declarou que o fornecedor lhe explicou na íntegra o contrato. Ao proceder dessa maneira, criou nas partes a expectativa jurídica da conclusão do negócio, pelo que a sua conduta é atentatória do princípio da boa fé contratual. Nestes termos, tem de ser convocada à resolução do caso a figura jurídica do abuso de direito, concluindo-se que o Executado não pode agora vir alegar que o bem que lhe foi entregue diverge do bem que ele efectivamente pretendeu adquirir. Assim como não pode dizer que não tinha conhecimento das cláusulas que regulamentam ambos os contratos. As declarações produzidas pelo embargante têm de ser valoradas positivamente, caso contrário, estar-se-ia a promover a desresponsabilização do embargante dos actos que de forma livre e ponderada praticou.

Termina, assim, pedindo a total improcedência da oposição à execução.

Realizado o julgamento o Mmº Juiz respondeu à matéria de facto e proferiu sentença julgando a oposição procedente e extinta a execução.

Inconformada a exequente/oponida interpôs recurso de apelação da sentença.

Conclusões do recurso: 1º - Na sentença aqui recorrida é defendido que está “(…) a validade/eficácia do contrato de crédito dependente da validade/eficácia do contrato de venda” e que “declarada a anulabilidade do contrato de compra e venda celebrado entre o Executado e o vendedor do veículo automóvel, cessam também os efeitos do contrato de crédito ao consumo”.

  1. O tribunal a quo chegou a esta conclusão ao efectuar uma interpretação a contrario do estipulado no nº 1 do artigo 12º do D.L. 359/91 de 21/09 em que é referido que a validade/eficácia do contrato de compra e venda é afectada pela validade/eficácia do contrato de consumo ao crédito.

  2. - Ou seja, foi feita uma inversão do texto da lei à revelia da vontade do legislador.

  3. - Pois este intencionalmente apenas codificou a hipótese inversa pelo que não pretendeu configurar no texto da lei a possibilidade de se estender os vícios do contrato de compra e venda ao contrato de crédito pois estes são autónomos e juridicamente independentes.

  4. - Neste sentido ver Acórdão de 20/12/2004, pelo Tribunal da Relação do Porto, publicado em www.dgsi.pt, com o nº convencional JTRP00037510, que desde já passamos a citar: “Se o legislador tivesse querido que a nulidade do contrato de compra e venda determinasse a nulidade do contrato de crédito certamente o teria dito. E onde a lei não distingue não cabe ao intérprete distinguir”.

  5. - Até porque tal norma provém da transposição para a ordem interna de direitos comunitários, que o legislador certamente não desconhecia, e que estipulavam que “os Estados-membros assegurarão que a existência de um contrato de crédito não influenciará de maneira alguma os direitos do consumidor contra o fornecedor dos bens ou serviços adquiridos ao abrigo desse contrato, nos casos em que os bens ou serviços não sejam fornecidos ou de qualquer modo não estejam em conformidade com o contrato relativo ao seu fornecimento” (artigo 11º nº 1 da Directiva 87/102/CEE do Conselho de 22 de Dezembro de 1986) (sublinhado e negrito nosso).

  6. - Isto posto, não se pode deixar de considerar que o tribunal a quo fez uma interpretação que não só é demasiado extensiva na sua possível aplicação prática, como vai ao arrepio não só da letra da lei que é expressa na sua vontade, mas também da mens legislatoris.

  7. - Mesmo que fosse seguida a posição adoptada pelo tribunal a quo, não se poderia aceitar que o erro sobre o objecto do contrato de compra e venda seja comunicável ao contrato de crédito ao consumo.

  8. - Pois tal como já foi referido, estes são autónomos e independentes entre si, tanto na sua formação como na sua execução.

  9. - Tal resulta do próprio texto do artigo 12º nº 2 do D.L. 359/91 de 21/09, que apenas considera a hipótese de “consumidores demandarem o credor em caso de incumprimento ou cumprimento defeituoso do contrato de compra e venda por parte do vendedor desde que, não tendo obtido do vendedor a satisfação do seu direito, se verifiquem cumulativamente as seguintes condições: a) Existir entre o credor e o vendedor um acordo prévio por força do qual o crédito é concedido exclusivamente pelo mesmo credor aos clientes do vendedor para aquisição de bens fornecidos por este último; b) Ter o consumidor obtido o crédito no âmbito do acordo prévio referido na alínea anterior” 11º - Da análise do normativo legal torna-se evidente que a lei exige a verificação cumulativa de ambos os requisitos (exclusividade e acordo prévio) sem os quais não podem os consumidores ver resolvidos os contratos de mútuo.

  10. - Ora, dos factos com pertinência para o presente recurso não resulta provado que entre a Apelante e o ponto de venda existisse qualquer pacto de exclusividade, até porque os clientes do stand eram livres de optarem por outros modos de aquisição dos bens.

  11. - Assim, e como se observou no Acórdão de 20/04/2007 do Supremo Tribunal de Justiça, publicado em www.dgsi.pt, com o nº 07ª685, “(…) se não se verificarem estes dois requisitos, o credor não responde pelo incumprimento do devedor: entendeu o legislador que só em situações com estes contornos a conexão entre os dois contratos é suficientemente apertada para que se possa justificar, mediante a extensão da responsabilidade do vendedor ao financiador, terceiro em relação ao contrato de compra e venda e em nome da efectiva protecção do consumidor, uma tão clara derrogação do princípio da relatividade dos contratos (no sentido exposto, cfr. o acórdão...

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