Acórdão nº 11/10.8TAPTB.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 18 de Fevereiro de 2013

Magistrado ResponsávelMARIA LU
Data da Resolução18 de Fevereiro de 2013
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, na secção criminal do tribunal da relação de Guimarães: I – RELATÓRIO No processo comum (com intervenção do tribunal singular) n.º11/10.8TAPTB do Tribunal Judicial de Ponte da Barca, por sentença proferida em 25/5/2012 e depositada na mesma data, o arguido/demandado Franclim P... foi condenado pela prática de um crime de falsificação de documento p. e p. pelos arts.255.º n.º1 alínea a) e 256.º n.º1 alíneas e) e f) do C.Penal, na pena de 290 dias de multa, à taxa diária de €11,00, no total de €3.190,00 e a pagar à demandante C... Imobiliária, Lda. o montante de €1.200,00 a título de danos morais.

Inconformado com a decisão condenatória, o arguido interpôs recurso, extraindo da respectiva motivação, as seguintes conclusões [transcrição]: 1 – O crime de uso de documento falso, p. e p. pelas als. e) e f) do nº 1 do artº 256º CP não exige apenas que esse uso seja determinado pela intenção (dolo-do-tipo) de prejudicar e/ou beneficiar alguém.

2 – Além desse requisito do dolo de segundo grau ou confluência, exige ainda que o documento seja falso no sentido definido pelo corpo do nº 1 do preceito, a saber: que tenha sido adulterado (em qualquer uma das modalidades previstas, incluindo a intelectual) com a intenção de beneficiar e/ou prejudicar terceiros ou o Estado.

3 – Não ficou provado nenhum facto que sustente este elemento subjetivo primordial, este dolo-do-tipo de primeiro grau ou confluência.

4 – Sem esse requisito, o uso de um documento, ainda que esse uso seja determinado pela intenção de prejudicar terceiros ou o Estado ou de auferir um benefício ilegítimo, não é punível a título de uso de documento falso, p. e p. pelo artº 256º, 1, e) e f), ainda que, porventura, o possa ser a outros títulos.

5 – Aquele elemento subjetivo que designamos primordial, de primeiro grau ou confluência, não se presume, tendo de ser demonstrado e provado de modo positivo e inequívoco, o que, repete-se, não ocorre no caso vertente.

6 – Ainda, por isso, que se mantivessem os factos provados como vêm descritos na douta sentença recorrida, impunha-se (impõe-se) a absolvição do Recorrente, tanto do crime quanto do pedido de indemnização civil, sob pena de violação do disposto naquelas normas do artº 256º CP e do artº 483º CC.

7 – Sem prescindir, o depoimento da testemunha Francisco O... (com as especificações que constam do texto desta motivação e aqui se dão por reproduzidas), conjugado com as regras da experiência comum impõe que se considere não provada a matéria de facto descrita nas alíneas F), G), H) e M) da douta sentença, que, por isso, foi incorretamente julgada, com ofensa do disposto no artº 127º CPP.

8 – Assim alterada a decisão proferida em sede de apreciação da matéria de facto, como se propugna e peticiona, dúvidas não pode haver de que não está preenchido sequer o requisito subjetivo específico do crime de uso de documento falso, pelo que se impõe, também por essa via, a absolvição total do Recorrente.

O Ministério Público junto do tribunal recorrido e a assistente “C... – Imobiliária, Lda.” responderam ao recurso, defendendo a sua improcedência [fls.622 a 642 e 645 a 654].

Admitido o recurso e fixado o seu efeito, foram os autos remetidos ao tribunal da relação.

Nesta instância, o Exmo.Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer em que se pronunciou pela improcedência do recurso [fls.665 a 668].

Cumprido o disposto no art.417.º n.º2 do C.P.Penal, não foi apresentada resposta.

Colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência.

II – FUNDAMENTAÇÃO Decisão recorrida A sentença recorrida deu como provados e não provados os seguintes factos, bem como a respectiva motivação: 1. Matéria de facto provada: A. O Arguido foi sócio gerente da Sociedade P..., Sociedade de Construções, Lda., com sede na Av. x, Ponte da Barca e, antes de Julho de 2009, logrou ter acesso a vários documentos quer daquela Sociedade, quer da Sociedade C... – Imobiliária, Lda, com sede no Parque Industrial C..., 2ª fase, lote S 6, Lameira Sra. Graça, Aveleda, Braga, das quais era sócio gerente Francisco O..., sendo gerente único desta última.

B. De entre os documentos que o Arguido teve acesso, nos moldes referidos em A., encontram-se vários contratos promessa de compra e venda de imóveis, actividade de ambas as Sociedades referidas em A., contratos esses que tinham aposta a assinatura de Francisco O..., gerente de ambas as Sociedades.

C. Em data não concretamente apurada, anterior a Julho de 2009, pessoa de identidade não apurada, aproveitando a página final de um desses contratos assinado pelo punho de Francisco O... com os seguintes dizeres: “7ª Os promitentes vendedores e promitentes compradores prescindem do conhecimento notarial das respectivas assinaturas, sendo-lhes vedado, sob pena de litigância de má fé, a invocação da nulidade da sua falta.

  1. Declaram os outorgantes estarem de acordo com o presente Contrato, pelo que vai ser assinado pelos mesmos.

    Ponte da Barca, 25 de Agosto de 2004 (assinatura de Francisco Sousa Oliveira Assinatura ilegível)” D. imprimiu no verso desse documento, como se tratasse de folha de rosto, os seguintes dizeres: “CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS Entre: C... – Imobiliária, Lda., contribuinte n.º 503786640, sociedade comercial por quotas, com sede no Parque Industrial de Celeiros, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Braga sob o número 5.262/96.12.13, representada neste acto por Francisco O..., casado, contribuinte n.º 150228902, residente na Rua A, Freguesia de Ferreiros, Concelho de Braga, o qual outorga, na qualidade de sócio gerente, e de PRIMEIRO OUTORGANTE e Franclim P..., solteiro, maior, contribuinte fiscal número 198234945, portador do bilhete de identidade n.º 10252611, emitido pelo Centro de Identificação Civil de Viana do Castelo, residente no lugar da Barreira, freguesia de Oleiros, concelho de Ponte da Barca na qualidade de SEGUNDO OUTORGANTE.

    é acordado fazer o seguinte contrato, nos termos das cláusulas seguintes: 1ª O primeiro outorgante é dono e legítimo proprietário da empresa mencionada na cláusula primeira que se dedica à construção e venda de apartamentos, lojas e vivendas, 2ª O SEGUNDO OUTORGANTE presta serviços ao PRIMEIRO OUTORGANTE, nomeadamente como mediador nos negócios de aquisição de terrenos, encarregado geral em obra e departamento comercial, nas obras efectuadas pelo PRIMEIRO OUTORGANTE, nomeadamente na “Urbanização Alto da Prova”, no lugar de Prova, freguesia de Paço, concelho de Arcos de Valdevez e Urbanização da Boavista, na vila de Monção.

  2. O PRIMEIRO OUTORGANTE promete pagar ao segundo outorgante o valor de 750.000 € (setecentos e cinquenta mil euros), líquidos, livres de impostos, até ao dia 31 de Dezembro de 2004, pelos Serviços referidos na cláusula segunda.

  3. O prazo da obrigação deste contrato de prestação de serviços pelo segundo outorgante termina no dia em que estejam dadas por concluídas e escrituradas as obras referidas.

  4. Estipulam ambos que qualquer incumprimento das obrigações deste contrato confere ao contraente não faltoso a possibilidade de exigir uma indemnização calculada nos termos gerais de direito, isto é calculada com base em prejuízos e expectativas sofridas.

  5. Qualquer alteração às condições deste contrato deverá ocorrer sempre por aditamento escrito.”.

    E. O Arguido, em 23 de Julho de 2009, instaurou acção de processo ordinário junto do Tribunal Judicial de Braga, à qual foi atribuído o nº 5027/09.4TBBRG que corre termos na Vara de Competência Mista daquele Tribunal, contra “C... – Imobiliária, Lda.”, Sociedade identificada em A. e Assistente nestes autos, com base no documento referido em C. e D., peticionando o pagamento do valor de €: 750 000,00 (setecentos e cinquenta mil euros), conforme o teor do texto que constava como se da face do documento referido em C. se tratasse, transcrito em D.

    F. Ao utilizar o documento referido em C. e D. como elemento de prova numa acção judicial pretendia e pretende o Arguido fazer acreditar a terceiros, nomeadamente ao Mmo. Juiz a quem a acção de processo ordinário nº 5027/09.4TBBRG foi distribuída, que a Sociedade “C..., Imobiliária, Lda.” se comprometeu a pagar-lhe o montante de €: 750 000,00, o que não corresponde à verdade, e consequentemente, esperando obter ganho de causa, recebendo tal contrapartida económica, a qual não lhe é devida, factos que o Arguido não desconhece.

    G. O Arguido agiu com a intenção de obter um benefício que não lhe era devido.

    H. O Arguido sabia que a realização da montagem do documento, nos termos referidos em C. e D., por pessoa de identidade não apurada, fazendo constar do mesmo facto juridicamente relevante – a dívida que a Sociedade “C... Imobiliária, Lda.” assumia perante o Arguido – e a utilização, por si, do mesmo como meio de prova em acção judicial eram susceptíveis de causar prejuízo patrimonial àquela Sociedade no montante de €: 750 000,00 (setecentos e cinquenta mil euros).

    M. Agiu livre, voluntária e conscientemente, tendo perfeito conhecimento que a sua conduta era proibida por lei.

    Mais se provou que: N. A propositura da acção declarativa referida em E. foi do conhecimento de fornecedores, clientes, funcionários, colaboradores, ex-funcionários e ex-colaboradores da Assistente, a Sociedade “C..., Imobiliária, Lda.” O. No âmbito da acção referida em E., a Assistente arrolou como testemunhas o seu ex-funcionário, Dr. Gil L... e Paula D..., outrora sócio da Sociedade P... – Sociedades de Construções, Lda., referida em A., a quem foi dado a conhecer o documento referido em C. e D.

    P. O referido em N. e O. foi de moldes a criar, junto dessas entidades e pessoas, a ideia de que a Sociedade Assistente tinha contraído a dívida titulada pelo documento referido em C. e D.

    Q. O Arguido é solteiro e exerce, desde há 3 anos e meio, a actividade de gestor de empresas em Angola, Luanda – na Sociedade Suíça sediada naquele país denominada “G... Assistência Técnica, Lda” – onde reside (em casa da Empresa onde labora)...

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