Acórdão nº 4/05.7TBMNC.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 30 de Maio de 2013

Magistrado ResponsávelHELENA MELO
Data da Resolução30 de Maio de 2013
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam os juízes da 1ª secção cível do Tribunal da Relação Guimarães: I – Relatório A…, SA, intentou acção declarativa de condenação, com processo comum ordinário, contra B…, C…, D… -, Lda. E…, F…, G…, H… -, Lda., I…, J… e L… -, Lda..

Em síntese, alegou que as 1ª e 2ª RR. colaboraram profissionalmente consigo como prestadoras de serviços, estabelecendo contactos com várias empresas/entidades e propondo-lhes, em nome e no interesse da A, a elaboração de candidaturas e execução de serviços na área da formação profissional, nomeadamente consultoria, acompanhamento e monitoragem, no âmbito de programas promovidos por entidades estaduais e comunitárias e objecto de financiamento público.

Para tanto, as 1ª e 2ª RR. utilizaram os meios postos ao seu dispor pela A., como instalações, telefones, computadores e toda a informação confidencial neles contida e também as bases de dados existentes nas instalações da A; utilizaram ainda as informações, conselhos e know-how da A.

No âmbito dessa actividade, a A. elaborou para os 4º a 9º RR. candidaturas a cursos de formação profissional financiados, nas quais estas RR. indicaram a A. como entidade formadora.

Acontece que, após a apresentação dessas candidaturas, as 1ª e 2ª RR. cessaram a sua colaboração com a A. e constituíram a 3ª R, tendo então contactado os 4º a 9º RR. para que estes pedissem à entidade gestora dos programas financiados a substituição da entidade formadora (A) e realizassem a formação objecto das candidaturas com a 3ª R. como empresa consultora e com a 10ª R. como entidade formadora, o que aqueles RR. fizeram.

Este comportamento de todos os RR. foi gerador de prejuízos para a sua actividade, pelo que pede a sua condenação na quantia global de € 426.723,07 (repartida por cada um dos RR. de acordo com o prejuízo concreto decorrente da actuação de cada um deles), mais juros.

Contestaram os RR. negando que o seu comportamento tenha sido gerador de quaisquer prejuízos para a A. e, nessa medida, concluindo pela improcedência da acção. As 1ª, 2ª e 3ª RR. pediram a condenação da A. como litigante de má fé.

A A. replicou mantendo a versão adiantada na p.i.

Foi elaborado despacho saneador, onde se conheceu da alegada prejudicialidade da pendência de acção penal contra a 1ª e a 2ª RR, tendo concluído-se pela não suspensão da instância e seleccionaram-se os factos assentes e os controvertidos.

Foram deduzidas reclamações que foram parcialmente atendidas.

Procedeu-se à realização da audiência de discussão.

A final foi proferida sentença que julgou a acção procedente relativamente à 1ª e 2ª RR., condenando cada uma no pagamento de uma indemnização de 10.000,00 à A., acrescida de juros à taxa legal, desde a data da citação até integral pagamento, absolvendo as demais RR. do pedido contra si formulado.

A 1ª e a 2ª RR não se conformaram e interpuseram o presente recurso de apelação, onde apresentaram as seguintes conclusões: 1. A recorrente não se conforma com a sentença, na parte em que condenou cada uma das recorrentes a pagar à A. a quantia de 10.000,00 (dez mil euros) acrescida de juros à taxa de 4% desde a citação até integral pagamento, por estas terem violado o dever de lealdade emergente do contrato de prestação de serviços que as havia vinculado à Autora.

  1. O art. 762º do Código Civil estabelece a consagração genérica dos deveres acessórios de conduta inerentes às mais variadas obrigações, dispondo no seu número 2 que: “no cumprimento da obrigação, assim como no exercício do direito correspondente, devem as partes proceder de boa fé. A violação da generalidade destes deveres acessórios de conduta pode obrigar à indemnização dos danos causados à outra parte ou dar mesmo dar origem à resolução do contrato ou a sanção análoga.

  2. Assim, para que a decisão condenatória das recorrentes possa ser sustentável é necessário que se verifiquem, cumulativamente, dois pressupostos: a). que esteja demonstrado que elas não respeitaram os referidos deveres acessórios (no caso dos autos, está em causa o dever de lealdade); b). que daí tenham resultado prejuízos ou danos para a A. ou que a satisfação integral do seu crédito tenha ficado prejudicada ou dificultada.

  3. Ao contrário do entendimento perfilado na sentença, de toda a factualidade provada (nomeadamente os factos 8, 9, 10, 11, 14, 19, 28, 31, 38, 46, 64 a 66, 70 a 73 da base instrutória e art. 41º da contestação das 1ª, 2ª e 3ª RR; os factos 90, 91, 92, 93, 94 e art. 25º da contestação das 1ª, 2ª e 3ª RR; os factos 95, 96, 97, 98, 99, 100, 101, 102, 104, 105 e arts. 25º, 30º e 34º da contestação das 1ª, 2ª e 3ª RR; os factos 106, 107, 108, 109, 110, 111, 112, 131, 132, 133, 134, 135, 136, 137, 138, 142, 143, 144, 145, 147, 148, 152, 154, 158, 159, 161, 163, 167, 168, 170, 172, 173, 174, 176, 177, 178, 179, 182 e 183, 184, 186, 190, 205) nada se extrai no sentido de poder concluir que as recorrentes violaram qualquer dever de lealdade a que pudessem manter-se vinculadas à A...

  4. É líquido e indiscutível que depois de desvinculadas da A. as recorrentes não ficam inibidas de desenvolver actividade similar àquela que haviam desenvolvido enquanto prestadoras de serviços da A. - está em causa o princípio da liberdade de estabelecimento.

  5. O único ponto onde poderia levantar-se a questão tem a ver, exactamente, com aquele que vem focado na sentença e que se resume a isto: os 4º a 9º RR. começaram por apresentar a sua candidatura enquanto as recorrentes prestavam serviço à A. mas, mais tarde, após as recorrentes se terem desligado da A. contrataram com estas e a sociedade que haviam constituído o desenvolvimento das candidaturas entretanto aprovadas.

  6. Porém, da matéria provada extrai-se que foi por causa da confiança merecida pelas 1ª e 2ª RR. e a amizade da 1ª R. com os representantes dos 4º a 9º RR. que estes últimos aceitaram candidatar-se à formação financiada; que, ao terem conhecimento que as recorrentes se haviam desvinculado da A. decidiram que, daí em diante, seriam as recorrentes, ou a sociedade que tinham constituído (a 3ª R), a continuar a tratar do processo de candidatura. E, na sequência dessa manifestação de vontade, a 3ª R. foi contratada pelos 4º a 9º RR. cujas candidaturas vieram a ser aprovadas como entidade consultora, para prestar apoio técnico e gestão orçamental e contabilística inerente a essas candidaturas.

  7. Por isso, as recorrentes, não tiveram qualquer comportamento nem actuação que pudesse contribuir para que os 4º a 9º RR. decidissem prosseguir a formação com a empresa por elas constituída.

  8. A sentença até reconhece estes factos mas, não obstante, vai mais longe ao afirmar que, mesmo assim, as recorrentes não deviam aceitar prosseguir, à margem da A., o processo de candidatura já iniciado por esta. Voltamos a discordar.

  9. A sentença esquece que, por um lado, o que tem de extrair-se da referida matéria de facto provada é que, em primeiro lugar, os 4º a 9º RR. só prosseguiriam as suas candidaturas com as recorrentes e a empresa por estas criada (a Ré Tríade); em segundo lugar, face à desvinculação das recorrentes da A., esta última jamais poderia vir a contratar com aqueles 4º a 9º RR. O poder de decidir esteve sempre do lado dos 4º a 9º RR. e as recorrentes em nada contribuíram para que estes decidissem cessar a relação com a A. - nada de nada vem provado nesse sentido.

  10. Neste contexto, é obrigatório concluir-se que as recorrentes nenhum comportamento tiveram face à A. que possa ser rotulado de minimamente desleal.

  11. Também, da conduta das recorrentes não resultaram quaisquer danos para a Autora ou a satisfação integral do seu crédito foi prejudicada.

  12. Neste ponto concreto relevam os factos provados 8, 9, 10, 11, 14, 19, 28, 31, 38, 46, 93, 94 e art. 25º da contestação das 1ª, 2ª e 3ª RR.); 95, 96, 97, 98, 99, 100, 101, 102, 104, 105 e arts. 25º, 30º e 34º da contestação das 1ª, 2ª e 3ª RR; 106, 107, 135, 136, 137, 138, 143, 144, 145, 158, 167, 173, 176, 183, 184, 104 e 207.

  13. É determinante, ainda, a matéria de facto não provada, que corresponde a todos os prejuízos e danos alegados pela A. e que ficou nos nºs 75 e 76; 81 a 85; 21 a 23, 33 a 35, 41 a 43, 51 a 53, 58 a 60, 86, 199 a 201 da base instrutória.

  14. Por último, o que se assume como decisivo é que a própria sentença, no seu título II, 2, ii) e iii), pag. 21, considera que, face à resposta negativa ou restritiva dos factos 75 e 76 improcede, no todo, o pedido formulado pela A. de indemnização por enriquecimento sem causa; por outro lado, ainda, face à resposta negativa ou restritiva dos factos 81 a 85 não ficam provados quaisquer danos patrimoniais, na modalidade de danos emergentes da Autora; face à resposta negativa e restritiva dos factos 21 a 23, 33 a 35, 41 a 43, 51 a 53, 58 a 60, 86, 199 a 201 não ficam provados quaisquer danos patrimoniais, na vertente do lucro cessante e, por fim, perante a resposta negativa e restritiva dos factos 77 e 78 não ficaram provados quaisquer danos não patrimoniais – é a sentença que o afirma e bem.

  15. Ou seja, a sentença julga improcedentes todos os pedidos de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais formulados pela A., por não terem resultado provados os factos em que se fundamentavam esses pedidos formulados pela própria A. mas, depois, faz tábua rasa disso e acaba por fixar uma indemnização recorrendo a juízos de equidade !!!!!! 17. Há, aqui, uma insanável contradição entre os factos que não resultaram provados e a decisão. Dito de outra forma, uma vez que aqueles factos mencionados não ficaram provados, a decisão de condenação fica sem qualquer fundamento e vai mesmo contrariar a base factual que não ficou provada; acabando por dar por provado na parte decisória da sentença toda aquela matéria que resultou não provada.

  16. Por isso, é obrigatório concluir-se que nenhum prejuízo ou dano resultou para a A.

    nem o seu crédito resultou insatisfeito.

  17. Há um facto instrumental colateral e à margem de tudo isto que resultou provado e que a sentença descurou mas que, tudo bem visto...

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