Acórdão nº 274/12.4TBCBT-A.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 05 de Dezembro de 2013

Magistrado ResponsávelANT
Data da Resolução05 de Dezembro de 2013
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães: I – Relatório; Apelante (s): A… e B… (oponentes); Apelado (s): C… (exequente); ***** Nos autos de oposição à execução que o exequente C… instaurou contra os oponentes A… e B…, aqui recorrentes, foi proferida decisão que julgou improcedente a oposição e ordenou o prosseguimento dos autos.

Inconformados com tal decisão, dela interpuseram os oponentes o presente recurso de apelação, em cuja alegação formulam, em súmula, as seguintes conclusões: 1. A douta sentença julgou provado que “G. No dia 25 de março de 2010 o Exequente remeteu aos Executados uma carta, que não foi devolvida, pela qual informou que, face ao incumprimento das obrigações emergentes do Contrato de Mútuo, foi o mesmo resolvido, tendo o Exequente procedido ao preenchimento da livrança pelo valor de € 329.639,88”.

  1. Os Recorrentes impugnaram o envio de cartas de resolução do contrato e a apresentação a pagamento da livrança, cabendo ao Exequente a prova destes factos, ao abrigo do disposto no artigo 343º do Código Civil.

  2. Os documentos juntos aos autos a fls. 28, 29 e 30 não contêm qualquer referência ao Exequente nem comprovam que as tais cartas foram enviadas, e muito menos recebidas.

  3. As testemunhas, por seu lado, não tiveram nenhum conhecimento directo ou indirecto do envio dessas comunicações, ou de outras, pelo que, por absoluta falta de prova deve este facto ser eliminado do rol dos factos provados.

  4. Deu-se como provado que “I. A aludida livrança encontra-se em escudos tendo o Exequente, por lapso, procedido ao seu preenchimento com o valor de € 329.639,88, sem ter procedido à sua conversão em escudos”.

  5. Cabia ao Exequente provar esse tal “lapso” enquanto facto.

  6. No entanto, nenhum elemento documental escrito, nem nenhum elemento testemunhal (conforme se constata pela audição da gravação digital), atestou as condições em que foi preenchida a livrança, pelo que a existência de um lapso é mera suposição, sem qualquer fundamento.

  7. Pelo contrário, preenchimento em escudos foi realizado quer no campo numérico, quer por extenso, revelando que quem preencheu a livrança tinha plena consciência de que o fazia em escudos e não em euros.

  8. Termos pelos quais deve ser eliminado o facto I., ou, pelo menos, eliminada a referência ao suposto lapso, por absoluta falta de prova.

  9. Sob a letra J., foi dado como provado que “o Exequente, antevendo necessidade de alertar para o lapso, manuscreveu na própria livrança que, de facto, a importância nela mencionada reporta-se ao valor em euros e não em escudos”.

  10. No entanto, não existe prova nos autos sobre a autoria das diferentes inscrições na livrança, sendo que existem, para além das assinaturas, dois outros tipos de letra.

  11. Uma vez que não tem qualquer suporte probatório, pois nenhum documento a isso se refere, nem nenhuma testemunha a isso aludiu, não devia este facto ser dado por provado.

  12. A presente execução assenta numa livrança, entregue em branco pela Executada IRB, em que os Executados são avalistas.

  13. Perante uma livrança em branco “é necessária interpelação prévia do avalista quando, sendo o título entregue em branco ao credor (para este lhe apor a data de pagamento e a quantia prometida pagar, em termos deixados ao seu critério), pois só assim o avalista tem conhecimento do montante exacto e da data em que se vence a garantia prestada” (Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, acórdão de 20/01/2011, relatado pela Juíza Desembargadora Maria Manuel Gomes).

  14. Essa interpelação é requisito de exequibilidade das livranças contra os avalistas, já que estes não conhecem os termos do pacto de preenchimento, nem os desenvolvimentos da relação subjacente.

  15. Essa interpelação é uma declaração negocial receptícia (Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 07-02-2011, relatado pelo Juiz Desembargador Soares de Oliveira), que se realiza em três momentos: exteriorização, expedição e recepção.

  16. A declaração receptícia (recipienda) é eficaz, de acordo com o disposto no artigo 224º, nº 1, parte, do Código Civil, quando chega ao poder do destinatário (teoria da recepção) ou é dele conhecida (teoria do conhecimento); quando seja remetida e só por culpa do destinatário não tenha sido oportunamente recebida, conforme dispõe o artigo 224º, nº 2 (teoria da expedição).

  17. O incumprimento da obrigação de interpelação prévia dos avalistas obriga à absolvição dos Recorrentes da instância executiva por inexistência de título executivo.

  18. Por outro lado, o modo como a livrança foi preenchida, torna-a inválida.

  19. O contrato de mútuo autorizava o Exequente a substituir as obrigações da D..., mediante novação, por uma obrigação cambiária constante de livrança em branco.

  20. A novação cria uma nova obrigação, com efeito liberatório (artigos 857º e seguintes do Código Civil), extinguindo as garantias que asseguravam o seu cumprimento (artigo 861º do Código Civil), e afastando os meios de defesa oponíveis à obrigação antiga, salvo estipulação em contrário (artigo 862º do Código Civil).

  21. A novação da dívida extinguiu a obrigação que o extracto de conta poderia comprovar, permanecendo apenas a obrigação cambiária, nos precisos termos que estão definidos no título de crédito, os quais são da inteira responsabilidade do Exequente.

  22. Deste modo, os Recorrentes só poderão ser responsabilizados pelo aval que concederam à obrigação cambiária, e não pelo contrato de mútuo.

  23. A livrança destinava-se a ser preenchida com os valores em escudos, o que sucedeu da seguinte forma: “32 963 988$” e “trezentos e vinte e nove mil seiscentos trinta e nove escudos e oitenta e oito centavos”, quantia diversa da expressa em algarismos.

  24. Todavia, a livrança contém mais duas menções ao seu suposto valor, as quais foram apostas fora dos espaços destinados a esse efeito e feitas por outro punho que não o da pessoa que preencheu primeiramente a livrança.

  25. Descontada a discrepância entre a quantia em numerário e a quantia por extenso, resolúvel nos termos do artigo 6º da LULL, a livrança continha todos os elementos legalmente exigidos para a sua perfeição, antes da redacção dos valores em euros.

  26. Alguém, nunca identificado no processo, mas certamente distinto do primitivo preenchedor, inscreveu duas outras quantias na livrança, em locais que não são destinados a essa função, sem fazer qualquer menção a um anterior lapso de preenchimento, supostamente corrigido pelas novas inscrições.

  27. Tal conduta afectou a confiança e da segurança jurídica em que os títulos de crédito se baseiam e procuram assegurar, para além de violar o disposto na Lei Uniforme sobre Letras e Livranças.

  28. O artigo 76º da Lei Uniforme sobre Letras e Livranças concretiza uma das características fundamentais dos títulos de crédito: o formalismo, sem o qual se gera invalidez.

  29. Paralelamente, o artigo 77º da LULL, prescreve que a livrança em branco é válida mas não eficaz, pois ainda se exige a apresentação da mesma a pagamento, preenchida de harmonia com o acordo de preenchimento.

  30. O direito incorporado no título é definido nos precisos termos que dele constam (princípio da literalidade).

  31. Citando o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, relatado pelo Juiz Desembargador Pires Condesso, em 31/01/2002: “os títulos de crédito são formais e rodeados do princípio da literalidade.

  32. As letras (tal como as livranças, diga-se) estão imbuídas do princípio da solenidade segundo a qual, para ser válida, tem de assumir uma determinada forma e revestir-se das menções que a lei impõe, sendo, pois, um título solene ou formal (G Dias na obra citada-1/269).

  33. Essas formalidades estendem-se, a nosso ver, não só aos requisitos essenciais da letra indicados no artº 1° da LULL mas também a todas as operações e...

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