Acórdão nº 305/13.0TBALJ.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 14 de Abril de 2016

Magistrado ResponsávelFERNANDO FERNANDES FREITAS
Data da Resolução14 de Abril de 2016
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

- ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES –

  1. RELATÓRIO I.- Rosalina C, Vítor C e Pedro C, intentaram a presente acção declarativa comum contra “L – Companhia de Seguros, S.A.”, pedindo: que sejam declarados únicos e universais herdeiros da vítima Virgílio C; e que a Ré seja condenada a pagar-lhes, segundo as regras do direito sucessório, a quantia global de € 200.000, acrescida de juros, à taxa legal de 4%, desde a data da citação até efectivo pagamento.

Fundamentam alegando, em síntese, que são, respectivamente, esposa e filhos, e únicos e universais herdeiros de Virgílio C, peão que no dia 12/09/2012, pelas 08:00 horas, ao km. 123,500 do I.P.4, foi atropelado por um veículo automóvel, que circulava de marcha-atrás, cujo condutor estava ao serviço e por conta da sua entidade patronal, sendo o sinistro imputável a culpa dele.

Em consequência do referido atropelamento, Virgílio C sofreu lesões graves e acabou por falecer. Também eles, AA., sofreram com o ocorrido e ficaram privados dos proventos com que o mesmo contribuía para as despesas familiares.

Liquidam pela importância peticionada a indemnização pelos danos decorrentes do acima descrito acidente, correspondendo € 60.000,00 pela perda do direito à vida; € 70.000,00 por danos não patrimoniais sofridos por eles AA.; € 15.000,00 por danos não patrimoniais sofridos por Virgílio C; e € 55.000,00 a título de perda patrimonial.

Contestou a R., aceitando ter sido transferida para si a responsabilidade civil relativamente ao veículo referido, mas, alega, o acidente em causa não deve ser considerado de viação, porque não ocorreu em via pública ou equiparada, pelo que o contrato de seguro celebrado consigo não cobre o referido sinistro; e, alega ainda, o acidente deveu-se a culpa do sinistrado, pelo que a acção deverá improceder.

A “A, Companhia de Seguros, S.A.”, requereu a sua intervenção principal, alegando que o acidente em causa também foi um acidente de trabalho, cujo risco estava para si transferido, por contrato de seguro de acidentes de trabalho, por força do qual teve de pagar aos A.A. e a terceiros a quantia de € 45.957,76, e terá de pagar outras, do que pretende ser reembolsada pela Ré, tudo acrescido dos juros de mora legais a contar da citação até integral pagamento, vindo posteriormente a requerer a ampliação do pedido para a quantia de € 50.682,25, com a alegação de ter entretanto feito pagamentos aos AA. das pensões em que fora condenada no Tribunal do Trabalho.

Os autos correram os seus pertinentes trâmites, vindo a proceder-se ao julgamento que culminou com a prolação de douta sentença que julgou a acção parcialmente procedente, e: - Declarou que, os Autores são únicos e universais herdeiros da vítima Virgílio C; - Condenou a Ré a pagar aos Autores a quantia de € 172.531,53 (cento e setenta e dois mil quinhentos e trinta e um euros e cinquenta e três cêntimos), acrescida de juros, calculados à taxa legal de 4%, desde a decisão até integral pagamento; - Condenou a Ré a pagar à “A, Companhia de Seguros, S. A.”, a quantia de € 50.682,25 (cinquenta mil seiscentos e oitenta e dois euros e vinte cinco cêntimos), acrescida de juros, calculados à taxa legal de 4%, contados desde a citação/notificação até integral pagamento.

Inconformada, traz a Ré o presente recurso pretendendo que seja revogada a decisão acima transcrita.

Contra-alegaram os Autores defendendo o acerto da decisão impugnada que, por isso, pretendem seja mantida.

O recurso foi recebido como de apelação com efeito meramente devolutivo.

Foram colhidos os vistos legais.

Cumpre apreciar e decidir.

** II.- A Ré/Apelante foi convidada a reformular as conclusões que apresentara por não estarem conformes com o disposto no art.º 639.º do Código de Processo Civil (C.P.C.) e cumpriu com o convite nos termos e pela forma que ficaram a constar de fls. 222 a 232 dos autos, que são do seguinte teor: 1- A Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Douto Tribunal "a quo", porquanto na mesma não houve uma apreciação correcta dos pressupostos de direito e de facto constantes dos presentes autos.

2- Em primeiro lugar entendeu, o tribunal a quo, de forma incorrecta, que o sinistro em discussão está abrangido pelo seguro automóvel do veículo em causa.

3- Depois, considerou, erradamente, que são aplicáveis, por analogia, as regras do código da estrada ao acidente dos autos, pelo que, o Condutor do veículo seguro terá violado com a sua conduta o disposto nos Arts 24 nº1, 35 nº1 e 46 nº1 do C.E.

4- Para além disso, expõe o entendimento na Sentença, do qual discordamos, de que o acidente em causa configura um acidente de viação.

5- O acidente em causa não configura um acidente de viação, porque, á data em que este eclodiu, a via encontrava-se em obras e consequentemente vedada ao trânsito automóvel, sendo que o veículo seguro era conduzido por um trabalhador afecto às obras em execução na respectiva via.

6- As várias directivas sobre o regime europeu do seguro obrigatório, traduzem uma mesma realidade que é a circulação automóvel, em vias abertas ao tráfego público ou com semelhantes condições de utilização, e dos danos que tal actividade provoque, nomeadamente, aos utilizadores das vias estranhos ao veículo.

7- Tendo em conta que o sistema de seguro obrigatório de responsabilidade civil em Portugal tem como finalidade a protecção dos lesados de acidente de viação, só deve considerar-se como tal, o ocorrido no exercício da condução nas vias de trânsito livre e público.

8- Assim, apenas estarão protegidos pelo seguro obrigatório, os lesados de acidente ocorrido na via publica devendo esta caracterizar-se pela liberdade de trânsito (seja municipal ou nacional), ao contrário daquilo que foi decidido pelo tribunal "a quo".

9- Neste sentido veja-se o acórdão da relação do Porto de 25-10-2007 que caracteriza a via publica como "Desde que esteja em causa uma "via pública", no conceito fornecido pelo art.º 1º, al. a) do Cod. Est. — caracterizada aquela pela liberdade de trânsito (seja municipal ou nacional) —, sujeita-se a todas as normas que disciplinam o trânsito, previstas no Cod. Est." 10- A Sentença proferida pelo tribunal "a quo" considerou, ainda, e mal, que o sinistro em discussão está abrangido pelo seguro automóvel.

11- Salvo o devido respeito não concordamos com tal entendimento, uma vez que não se encontram preenchidos os requisitos de que depende a sujeição do acidente dos autos ao seguro obrigatório, nomeadamente, o facto de o acidente ter ocorrido em via publica ou equiparada.

12- Sobre a validade do presente requisito sempre se dirá decorrer a mesma do elemento literal (art.º 150 nº 1 do Código da Estrada, para o qual remete expressamente o art.º 80 nº1 do Dec. Lei 291/2007, sem descurar as sugestões a que se prestam respectivamente os arts 121 nº1 e 4 nº 2 dos aludidos diplomas).

13- Assim como de um elemento axiológico, tendo em conta a função do risco tutelado pelo seguro obrigatório automóvel, que consiste no "risco" que deriva da liberdade de circulação que se manifesta nas vias de acesso indiscriminado.

14- Ora se o que fundamenta a obrigação de seguro é o risco específico emergente da liberdade de trânsito nas vias públicas, não se compreende que, se uma via estivesse fechada ao trânsito público, como é o caso dos autos, desaparecendo por isso o risco, a aludida obrigação ainda assim persistisse.

15- O Risco não é apenas um elemento essencial do Contrato mas a própria razão de ser de contratar, por isso se não se verifica, não pode a prestação da Recorrente, tendo em conta a natureza aleatória do contrato de seguro, ser accionada, porque o risco não se verificou, como é caso dos autos, mal analisada pelo tribunal a quo.

16- Uma vez que o Contrato de seguro foi celebrado no âmbito da liberdade contratual das partes, nos termos do art.º 405 nº1 do C.C, não tendo o risco se verificado, conforme se referiu, não se pode aplicar ao presente pleito a regra contida no art.º 503 nº 3 do C.C.

17- Importa atender ao Acórdão da Relação de Coimbra de 22-01-2008 que compreendeu que "para a caracterização de um acidente como de viação, ao qual seriam aplicáveis as disposições do Código da Estrada (e regulamentação que com ele se conexiona) e para o qual se tornava necessária a efectivação de seguro de responsabilidade civil obrigatória (destinado a cobrir o risco de circulação de veículos) é imprescindível que o lesado alegue e prove que o mesmo se desencadeou (...) numa via aberta ao trânsito publico".

18- Conforme se extrai das alíneas u) e v) do art.º 1 do C.E o que caracteriza as vias públicas e equiparadas é a ideia de que ambas se destinam ao trânsito publico ou de que este aí for tornado acessível.

19- Sendo que o acidente dos autos deu-se em zona de obra fechada ao trânsito público e cujo acesso estava condicionado aos seus trabalhadores e encarregados.

20- Como é bom de ver o C.E. subalterniza a noção de via publica à de trânsito público, sendo que este último define-se, tendo em conta Acórdão do STJ de 18-06-2009 como "o trânsito que pertence a todos, que é usado por todos, é o trânsito permitido a qualquer utente da via, independentemente do fim visado com a sua utilização, portanto, o trânsito de circulação geral de pessoas, veículos e animais".

21- Assim, considerando que a zona onde se deu o acidente dos autos se encontrava vedada do público, devido á realização de obras, é forçoso concluir que, ainda que pudessem circular veículos (afectos à obra, aos seus responsáveis e outros cujo acesso foi autorizado) não era a mesma qualificável como via pública, para efeitos de aplicação das disposições estradais e da consequente obrigação de segurar para a recorrente dos riscos de circulação.

22- Não concorda ainda a Recorrente, com o entendimento do tribunal a quo, socorrendo-se da analogia, para aplicação ao acidente dos autos, das regras do Código da Estrada.

23- É que o art.º 10 do C.C. entende que "nos casos em que a lei não preveja" pode-se recorrer da...

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