Acórdão nº 5002/13.2TBBRG-A.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 10 de Novembro de 2016

Magistrado ResponsávelPURIFICA
Data da Resolução10 de Novembro de 2016
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

- Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães – Relatório Nos autos de inventário supra identificados instaurados em 27 de Julho de 2013 e que correm seus termos por óbito de Francisco F e Rita F nos quais desempenha as funções de cabeça de casal MARIA C foi por esta interessada apresentado recurso da decisão proferida em 29 de Abril de 2016 que tem o seguinte teor: Notificada da relação de bens apresentada pela cabeça-de-casal, veio, a fls. 64 e seguintes, a interessada Maria B dela reclamar, sustentando, além do mais e no que interessa apenas para a economia deste despacho, que não foi relacionada a quantia de 60.000,00 € que se encontrava depositada na Caixa Geral de Depósitos e que integra a herança, mas que foi transferida para uma conta da cabeça de casal em 05/09/2010.

Devidamente notificada, a cabeça-de-casal informou que essa quantia serviu para pagar o preço do imóvel relacionando como verba n.º 1 e que vendeu à inventariada em meados de Setembro de 2010, pelo que não deve ser relacionado.

Foram juntos documentos.

Posteriormente foram indicadas testemunhas pelas interessadas. Também posteriormente, foi aditado passivo à relação de bens, que foi impugnada nesta parte.

Tudo visto, cumpre decidir.

Nos termos do art. 1348° do Código de Processo Civil, apresentada a relação de bens, podem reclamar contra ela os interessados, acusando a falta de bens que devam ser relacionados, requerer a exclusão de bens indevidamente relacionados, arguindo a inexactidão na descrição dos bens de relevo para a partilha.

Notificado da reclamação, o cabeça-de-casal pode relacionar os bens em falta ou dizer o que lhe oferecer, sendo que, confessando a existência dos bens em falta, procederá ao aditamento da relação de bens inicial (art. 1349°, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).

Não se verificando tal situação, notificam-se os restantes interessados para se pronunciarem, aplicando-se o nº 2 do art. 1344° e decidindo o juiz da existência de bens e da pertinência da sua relacionação, sem prejuízo do disposto no art. 1350° do Código de Processo Civil.

Nos termos do art. 1344°, n.º 2, para o qual remete o art. 1349°, n.º 3, as provas são indicadas com os requerimentos e respostas e, efectuadas as diligências probatórias necessárias, é a questão decidida, sem prejuízo do disposto no art. 1335° do Código de Processo Civil.

Como tem sido entendido, o ónus da prova cabe ao reclamante, decidindo-se o non liquet como liquet em seu desfavor.

As interessadas indicaram testemunhas de forma extemporânea, pelo que, não sendo legalmente admissíveis esses róis, vão indeferidos.

O passivo é matéria a submeter à conferência de interessados, não sendo apreciado nesta sede.

Apreciemos a questão da relacionação dos 60.000,00 €.

Como é sabido, o depósito bancário constitui um depósito irregular, ao qual se aplica as regras do mútuo, por meio do qual a posse e o direito de propriedade do dinheiro depositado pelo cliente se transfere para o banco que recebeu o depósito, ficando o cliente depositário com um direito de crédito sobre o banco, correspondente ao montante depositado.

As contas colectivas podem ser conjuntas, solidárias ou mistas.

No caso em apreço, a instituição bancária informou que a conta titulada pela inventariada e pelas interessadas, conta n.º 2014005471961, era uma conta individual, podendo ser movimentada com apenas uma assinatura, e foi encerrada em 7 de Fevereiro de 2011.

A interessada reclamante sustenta que a quantia que existia nessa conta (60.000,00 €), pertence à herança da inventariada e como tal deverá ser relacionada.

A cabeça de casal (aceitando implicitamente que esse dinheiro era da inventariada, apesar das várias titulares da conta) sustentou que esse dinheiro se destinou a pagar-lhe o preço do imóvel que vendeu à sua mãe, inventariada, em meados de Setembro de 2010, mas que ainda está registado na conservatória do registo predial em seu nome e do seu marido.

Explicou que esse imóvel está relacionando como verba 1.

Notificada para actualizar a situação jurídica do prédio relacionando como verba 1, juntou certidão de uma escritura de compra e venda celebrada em 18 de Fevereiro de 2014, donde resulta que vendeu, juntamente com o marido, à herança da inventariada, por si representada enquanto cabeça de casal o imóvel em causa, pelo valor de 60.000,00 €.

Ora, daqui resulta que a alegada compra e venda ocorrida em meados de Setembro de 2010 não ocorreu, ou pelo menos, não foi formalizada por escrito, através de escritura pública, sendo nula (devendo ser restituído o que foi prestado, por aplicação do regime da nulidade - a herança recebe os 60.000,00 € e a cabeça de casal recupera o imóvel).

Por outro lado, ao comprar o imóvel em causa em representação da herança a cabeça de casal exorbitou os seus poderes de administração da herança até à partilha.

Dispõe o art. 2079º do Código Civil que o cabeça de casal administra a herança até à partilha.

O art. 2091º do mesmo diploma legal estabelece que o exercício de outros direitos não contemplados nos artigos anteriores deve ser realizado conjuntamente por todos os herdeiros.

Nenhum artigo permite ao cabeça de casal comprar um imóvel, sem o consentimento dos outros herdeiros, dispondo de 60,000,00 € pertencentes à herança. Concluímos, deste modo, que a cabeça de casal excedeu os poderes de administração que possui.

Pelo exposto, decide-se atender a reclamação apresentada e, em consequência, determina-se que seja relacionado o montante de 60.000,00 €.

Custas do incidente pela cabeça-de-casal Notifique, sendo o cabeça-de-casal para juntar nova relação de bens.

Termina o recurso com as seguintes conclusões (que de conclusões têm pouco, sendo antes uma mera reprodução numerada da motivação) que se transcrevem: 1. Após apuramento da factualidade processual e à revelia das normas jurídicas aplicáveis entendeu o Ex.mo Juiz a quo condenar a Recorrente, havendo, pois, ofensa de lei pelo tribunal a quo mediante a violação de normas jurídicas, merecendo a douta decisão em crise censura.

  1. Desde logo, houve uma manifesta ignorância das circunstâncias específicas do negócio jurídico efectuado, que ditou a decisão aqui em causa, ao revés quer de ordem judicial anterior, bem assim como face às normas legais aplicáveis.

  2. Acontece que, após o falecimento de Rita F em Janeiro de 2011, a Recorrente foi chamada para exercer o papel de Cabeça-de-casal no âmbito da herança da referida inventariada, tendo para isso procedido à apresentação da respectiva relação de bens, na qual indicou como ativo e verba n.º 1 um terreno para construção.

  3. Na sequência, a Recorrida Maria B, reclamou da referida relação de bens, afirmando que não se encontra relacionada a quantia de €: 60.000,00 depositados na conta titulada pela inventariada e co-titulada pelas suas filhas herdeiras, mais solicitando que esse valor fosse inventariado.

  4. O certo é que, no dia 3 de Setembro de 2010 a aqui Cabeça de casal vendeu à Inventariada sua mãe um terreno que lhe pertencia pelo valor de €: 60.000,00, na presença e com o consentimento de todas as filhas da inventariada e aqui interessadas, pelo que a aqui Cabeça-de-casal recebeu da inventariada o montante de €: 60.000,00 que lhe foi transferido da conta titulada pela mesma.

  5. Consequentemente, aquando do óbito da inventariada, a Cabeça-de-casal cumpriu o seu dever moral e jurídico de inventariar como activo, o imóvel adquirido pela inventariada (verba n.º 1 da Relação de Bens).

  6. O certo é que, como o objectivo, à data, era vender de imediato o terreno a terceiros e de modo a evitar gastos desnecessários, as partes não celebraram escritura pública e não registaram o imóvel em nome da inventariada.

  7. Acresce que, o dinheiro existente na conta identificada nos autos pertence apenas e só à inventariada – mãe da aqui Cabeça-de-casal e restantes interessadas, tal como é indicado quer pela Cabeça-de-casal Recorrente, como confessado pela Reclamante e Interessada Maria B; ainda que as herdeiras/interessadas tenham passado a ser titulares da conta em causa, pouco tempo antes do falecimento do pai das mesmas, em 2009 - facto, esse conjugado com um acidente datado de 2008 que colocou a inventariada numa situação de total debilitação, tendo a inventariada ficado plenamente dependente das suas filhas/interessadas, pelo que foi conjuntamente decidido que todas as interessadas seriam titulares da conta, de modo a auxiliar a inventariada nos afazeres e lides económicas diárias.

  8. Como tal, as interessadas somente figuravam como titulares “de direito” da conta em causa, mas não como efetivas titulares “de facto” da mesma, pelo que à morte da inventariada, as interessadas decidiram dividir o saldo remanescente da conta pelas 3 herdeiras, tendo a conta sido posteriormente encerrada.

  9. A transferência em causa foi efectuada com conhecimento de todas as interessadas e herdeiras e, à data dos acontecimentos, todas as interessadas evidenciaram à inventariada que concordavam com a compra do terreno em causa, bem como com a referida transferência, tendo até reforçado que o dinheiro em causa pertencia à inventariada, que podia fazer com o mesmo o que achasse conveniente, sem a necessidade de aprovação das suas filhas – ora...

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