Acórdão nº 165/16.0T8VVD-J.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 30 de Novembro de 2016

Magistrado ResponsávelPEDRO DAMI
Data da Resolução30 de Novembro de 2016
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães.

  1. RELATÓRIO.

Recorrente(s): -Herança Ilíquida e Indivisa aberta por óbito de B.; Recorrente(s) Subordinado(s) Subsidiário: C. e mulher, D.

* A Herança Ilíquida e Indivisa aberta por óbito de B., Autora nos presentes autos, representada por E., F., G., veio intentar a presente acção que segue a forma de processo comum contra C. e mulher, D., pedindo que seja: a) declarado e reconhecido que a A. é dona e legítima possuidora do prédio supra melhor identificado no artigo 5º da petição inicial; b) declarado e reconhecido que não há marcos e nem quaisquer sinais demarcatórios que definam a linha limite divisória entre o prédio da A. e o prédio dos RR.; c) declarado e reconhecido que o prédio dos RR. só tem a área de 624,18 m2, sendo toda a parte restante de área do prédio mãe “…”, propriedade da A.; d) demarcada a linha limite divisória dos prédios da A. e dos RR., nos termos supra referidos, em conformidade com os títulos de cada um, mormente quanto às áreas e confrontações; e) os RR. condenados nos termos das alíneas anteriores; f) os RR. condenados a construírem a parede de blocos de cimento pertencente à A. que destruíram e no local que venha a ser determinado como linha divisória de ambos os prédios; ou g) os RR. condenados a pagar à A. a quantia de € 7.000,00 (sete mil euros), correspondente ao custo daquela parede, acrescida de juros à taxa legal contados desde a citação e até efectivo pagamento; e h) os RR. condenados nas custas e demais encargos legais.

Devidamente citados, os réus apresentaram contestação, onde excepcionaram, impugnaram e deduziram reconvenção.

A autora deduziu resposta a tal contestação.

As partes foram ainda devidamente notificadas para se pronunciarem sobre a eventual falta de legitimidade da autora “Herança Ilíquida e Indivisa aberta por óbito de B.”, de molde a garantir o respeito pela proibição das chamadas decisões surpresa, tendo a autora se pronunciado por requerimento.

* De seguida, o Tribunal de Primeira Instância proferiu a seguinte decisão: “Cumpre apreciar a decidir da personalidade judiciária da autora herança ilíquida e indivisa aberta por óbito B..

A personalidade judiciária consiste na possibilidade de requerer ou de ser requerida contra si, em próprio nome, alguma tutela jurisdicional prevista na lei, cfr. art. 11.º do CPC, ou seja, é a susceptibilidade de ser parte.

Em princípio, personalidade jurídica e judiciária coincidem, cfr. art. 11.º, n.º 2, do CPC.

Vigora assim o denominado princípio da equiparação.

Assim, a regra é no sentido de que todos os indivíduos, independentemente da sua nacionalidade, maioridade, menoridade, capacidade ou incapacidade, têm personalidade judiciária por virtude de, em princípio, poderem ser sujeitos de relações jurídicas (artigos 14º, nº 1, e 67º do Código Civil).

A referida regra é extensível às associações e fundações e às sociedades a quem a lei reconheça personalidade jurídica, embora só possam estar em juízo através dos seus representantes estatutários (artigos 157º, 158º do Código Civil e 5º do Código das Sociedades Comerciais).

No entanto, por razões de ordem prática, a lei estende a personalidade judiciária a entes que, de acordo com o direito substantivo, não têm personalidade jurídica e, por isso, também não teriam personalidade judiciária. São os casos do art. 12.º, onde figura, na al. a), a herança jacente.

O referido normativo atribui, assim, excepcionalmente, personalidade judiciária, por um lado, à herança jacente e, por outro, aos patrimónios autónomos semelhantes cujo titular não esteja determinado.

Diz-se jacente, a herança aberta mas ainda não aceite nem declarada vaga para o Estado, nos termos do art. 2046.º do CC (Código Civil). Ou seja, é a herança cujos titulares ainda não estão determinados, ou porque não se sabe se há sucessíveis ou os sucessíveis ainda a não aceitaram.

A figura da herança jacente designa o património da pessoa falecida durante o período de crise que decorre entre o chamamento do sucessível e a aceitação efectiva da herança ou legado, ou seja entre o momento da vocação sucessória e a devolução efectiva dos bens e dos deveres que integram a herança.

É pela aceitação efectiva que a herança deixa de estar jacente, assim perdendo a susceptibilidade/capacidade de ser parte.

A aceitação da herança pode ser expressa ou tácita, cfr. art. 2056.º do CC.

“A herança indivisa ou não partilhada apenas enquanto se mantiver na situação de jacente goza de personalidade judiciária, passando a partir da cessação daquela situação, operada mediante a sua aceitação por parte dos sucessíveis chamados, a não dispor de tal prerrogativa processual pelo que não poderá, em seu próprio nome, desempenhar o papel de parte processual em lide forense, demandar ou ser demandada”, (cfr. Ac. da RP, processo n.º 52/03.1TBMDR-A.P1, www.dgsi.pt).

Assim, estando os sucessores já determinados, ainda que a herança continue indivisa, deixa esta de ter personalidade judiciária, passando a mesma a caber ao conjunto dos herdeiros. Assim refere o art. 2091.º do CC, segundo o qual “os direitos relativos à herança só podem ser exercidos conjuntamente por todos os herdeiros ou contra todos os herdeiros”, (neste sentido, o Ac. STJ de 15 de Janeiro de 2004, processo n.º 03B4310, www.dgsi.pt).

Isto porque, enquanto a herança permanece numa situação de indivisibilidade, os herdeiros não têm qualquer direito próprio a qualquer dos bens que a integram, exercendo o seu direito em conjunto, o que os coloca numa situação de litisconsórcio necessário.

Como refere o Acórdão da Relação do Porto de 19-05-2010, (Processo n.º JTRP00043925, in www.dgsi.pt.), jurisprudência com a qual se concorda: “no caso de estarmos perante uma herança indivisa - ainda não partilhada - mas cujos herdeiros já estão determinados, não detém a mesma personalidade judiciária, não podendo subsumir-se ao conceito legal de património autónomo semelhante cujo titular não esteja determinado. O simples facto da acção ter sido proposta, em representação da herança, por duas pessoas que se assumiram como herdeiros dela, revela que esta herança se assumiu como uma herança já aceite pelas referidas pessoas, não sendo, pois, uma herança jacente, mas sim uma herança indivisa. Nestes casos, a legitimidade para intentar acções para defesa de interesses da herança não pertence a esta mas sim, conjuntamente, a todos os seus herdeiros, sendo estes as partes na acção, ou ao cabeça de casal — art. 2091.º, do C. Civil”.

No caso em apreço, e feita uma leitura atenta da petição inicial – e ao contrário do que é alegado no requerimento sob referência 3937979 - verificamos que quem intenta a acção é a herança ilíquida e indivisa deixada por óbito de B. ainda que representada pelos herdeiros.

De facto, tal decorre desde logo da identificação efectuada no cabeçalho relativamente às partes.

Mais acresce que em todos os requerimentos dirigidos ao tribunal quem se assume como autora é a referida herança, tal como de resto, nos pedidos formulados nos autos é sempre por referência à herança (cfr., a titulo de exemplo, o pedido formulado na alínea a) da petição inicial: “seja declarado e reconhecido que a A. é dona e legitima possuidora do prédio supra melhor identificado”).

Ora, conforme já se referiu, a herança só teria personalidade judiciária caso fosse jacente, ou seja, ainda não aceite. Tendo já sido aceite – o que pode ser tacitamente, bastando, por exemplo que os herdeiros intentem uma acção em representação da herança -, ainda que indivisa, a herança já não pode demandar nem ser demandada; terão que ser todos os herdeiros da herança a ser parte na acção.

“A herança indivisa ou não partilhada apenas enquanto se mantiver na situação de jacente goza de personalidade judiciária, passando a partir da cessação daquela situação, operada mediante a sua aceitação por parte dos sucessíveis chamados, a não dispor de tal prerrogativa processual pelo que não poderá, em seu próprio nome, desempenhar o papel de parte processual em lide forense, demandar ou ser demandada”, (cfr. Ac. RP de 09-06-2009, processo n.º JTRP00042690, in www.dgsi.pt).

Assim não sendo, a presente acção teria de ter sido intentada por todos os herdeiros de B., e pela não Herança ilíquida e indivisa deixada pelo seu óbito, que já não tem personalidade judiciária pois já foi aceite.

E não é possível entender-se que houve um mero lapso na identificação da autora sendo os verdadeiros demandantes os herdeiros que apenas disseram actuar em representação da herança.

Na verdade, tendo começado a sua petição inicial com a identificação supra referida, a qual, de resto, é descrita ao longo de todo o processado porquanto nos requerimentos dirigidos ao tribunal é sempre identificada como “a autora” (herança), não é possível concluir pela existência de uma imperfeição da identificação, mas sim por uma opção jurídica perfeitamente consciente, nada nos permitindo aquela interpretação, a qual a ser efectuada conduziria, inevitavelmente, a uma alteração subjectiva da acção, violando-se o princípio da estabilidade da instância.

É que, citado o réu, de harmonia com o princípio processual da estabilidade da instância, salvo as possibilidades de modificação legalmente consignadas, deve aquela manter-se quanto às pessoas, ao pedido e à causa de pedir (artigo 268º do Código Civil).

E tanto é assim que os réus, ao deduzirem contestação, fizeram-no por referência à acção que “contra si foi instaurada por Herança Ilíquida e Indivisa de B. (…)” , (cfr. fls. 46 verso).

No quadro da excepção do princípio da estabilidade da instância, ela só pode modificar-se no plano subjectivo em consequência da substituição, na relação jurídica substantiva, de alguma das partes, por sucessão ou por acto entre vivos, dos incidentes de intervenção de terceiros ou no caso de alguma das partes haver sido...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT