Acórdão nº 1154/13.1TBVCT.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 30 de Novembro de 2016
Magistrado Responsável | HELENA MELO |
Data da Resolução | 30 de Novembro de 2016 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam em conferência no Tribunal da Relação de Guimarães: I – Relatório B., Lda, instaurou ação declarativa sob a forma ordinária, contra C. e D., pedindo que os RR. sejam condenados solidariamente a: - restituir-lhe o quantitativo global já apurado de € 396.889,05 (correspondente aos prejuízos ou passivo do estabelecimento “Farmácia …” na data de 31/12/2010, que o R. regularizou em 2011 com capitais da herança e da A., e às importâncias de que se apropriou até Outubro de 2011 provenientes de pagamentos por TPA) e os demais valores que se venham a apurar em sede de liquidação, a que deverão acrescer os competentes juros moratórios à taxa legal desde o momento em que tais quantitativos foram transferidos, ou apropriados pelo R., ou assim não se entendendo desde a citação; - a pagar-lhe os “lucros” de exploração do estabelecimento “Farmácia …” desde 02/01/2001 a 31/12/2010, em conformidade com o estatuído na cláusula quinta do aditamento ao “contrato de cessão de exploração” e na proporção aí fixada (20% para cada um dos aí intervenientes – 80% para a sociedade A.), a determinar em sede de liquidação, acrescidos dos competentes juros moratórios à taxa legal, e desde a data em que os mesmos lucros deveriam ser apurados (31 de Dezembro de cada ano), até integral pagamento.
Para fundamentar tais pretensões, a A. alegou que, não obstante o clausulado no aditamento ao contrato de cessão de exploração celebrado entre os sócios da A. (na altura na qualidade de herdeiros de E.) e o R. no sentido de que o mesmo geria em conjunto com um dos herdeiros (F.) a “Farmácia …”, a verdade é que toda a gestão do estabelecimento “Farmácia …”, durante a vigência daquele contrato (de 02/01/2001 a 31/12/2010), foi da exclusiva responsabilidade do R. .
Entende, por isso, que os RR. devem restituir o valor do passivo ou prejuízos que a “Farmácia …” apresentava quando o contrato findou, que a herança e a A. suportaram (mormente os decorrentes do pagamento de dívidas de fornecimentos respeitantes ao ano de 2010, descontos perdidos dos fornecedores, falhas de caixa e outras importâncias que o R. transferiu para a sua conta bancária) e os montantes de que o R. se apropriou provenientes de pagamentos por TPA (Multibanco) após 31/12/2010, os quais ascendem até à data ao montante de € 396.889,05, e ainda a pagar à A. todos os montantes de “lucros” de exploração do estabelecimento “Farmácia …” durante todo o período em que se verificou a sua exploração pelo R. previstos na cláusula quinta do aditamento ao contrato de cessão de exploração.
Citados, os RR. apresentaram contestação, na qual impugnaram a versão dos factos apresentada pela A. e alegaram que o R. apenas assumiu a direcção técnica da farmácia, tendo ficado acordado que as responsabilidades financeiras seriam da responsabilidade exclusiva dos herdeiros; que todas as compras e compromissos com os fornecedores tinham o conhecimento dos herdeiros F. e G.; que foram feitas transferências da conta do estabelecimento para a conta pessoal dos herdeiros, sem qualquer autorização do R.; que da conta do estabelecimento era efectuados pagamentos, sem o conhecimento ou a autorização do R., do telefone da residência da herdeira H., do vencimento da empregada de limpeza e da empregada doméstica, do combustível para as viaturas dos herdeiros, do gás da residência, e dos jardineiros; que os herdeiros levantavam dinheiro da caixa do estabelecimento para pagamento de almoços, revistas e jornais; que era o herdeiro F. quem levantava e fazia o apuro do caixa diário e guardava o dinheiro no cofre; que, sem a autorização do R., saíam da farmácia produtos e medicamentos para os herdeiros, sem serem pagos; que, a partir de 21 de Dezembro de 2010, a conta corrente da farmácia foi só movimentada pelo herdeiro F., sem a autorização ou o conhecimento do R.
Deduziram ainda reconvenção pelos danos não patrimoniais que alegaram ter sofrido com a propositura da presente acção e que fixaram em € 75.000.
Concluíram pela improcedência da acção e pela procedência da reconvenção.
* A A. apresentou réplica, na qual impugnou a matéria alegada pelos RR., pugnou pela inadmissibilidade da reconvenção e reafirmou a posição já assumida na petição inicial.
Alegou ainda que os RR. litigam com má fé processual, pelo que deverão, juntamente com o seu mandatário, ser condenados em multa e indemnização não inferior a € 5.000,00.
Conclui pela improcedência do pedido reconvencional e pela condenação dos RR. e do seu mandatário como litigantes de má fé em multa e indemnização não inferior a € 5.000,00.
* A reconvenção deduzida pelos RR. não foi admitida e foi designada dia para a audiência prévia, na qual as partes requereram a suspensão da instância.
* Decorrido o prazo da suspensão da instância, sem que as partes chegassem a um acordo, foi proferido o despacho saneador, identificado o objecto do litígio e enunciados os temas de prova.
* Procedeu-se à realização da audiência de julgamento e a final foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente, e em consequência: a) condenou os RR. a pagar à A.: 1.- a importância correspondente a 20% do valor do passivo da Farmácia …na data de 31/12/2010, a determinar em sede de liquidação, acrescida dos juros, à taxa de 4%, vencidos desde a citação até integral pagamento; 2.- a importância correspondente a 80% dos “lucros” de exploração do estabelecimento “Farmácia …” desde 02/01/01 a 31/12/10, a determinar em sede de liquidação, acrescida dos juros, à taxa de 4%, vencidos desde a citação até integral pagamento.
b)- absolveu os RR. do demais peticionado, mormente do pedido de condenação como litigantes de má fé.
Os RR. não se conformaram e interpuseram o presente recurso de apelação, onde formularam as seguintes conclusões: A. Vem o presente Recurso de Apelação interposto da sentença proferida no dia 4 de Janeiro de 2016, pela Secção Cível (J3) da Instância Central da Comarca de Viana do Castelo, que julgou a presente ação parcialmente procedente e com a qual não se conformam os Réus, ora Recorrentes, porquanto B. Ficou evidenciado que o Réu em nada contribuiu para os prejuízos da “Farmácia …”, nunca desviou qualquer montante ou adoptou qualquer conduta contrária à lei ou aos seus deveres de gerência; C. Nunca houve qualquer distribuição de lucros da “Farmácia …”, pelo que o Réu não recebeu qualquer montante a título de dividendos; D. Provou-se que os herdeiros subtraíam dinheiro e produtos da Autora, para seu uso pessoal e sem o consentimento do Réu; E. Ficou provado que da “Farmácia …” era subtraído dinheiro para efectuar pagamentos pessoais, nomeadamente de telefone e gás, de empregada de limpeza e doméstica, bem como de jardineiro, da residência pessoal da herdeira H..; F. Por sua vez, o herdeiro F. retirava dinheiro diretamente da caixa para pagar os seus almoços, revistas, jornais; G. Os herdeiros retiravam produtos e fármacos da “Farmácia …”, sem por estes pagarem, tudo sem autorização do Réu – Factos Provados 19, 20 e 21 da Sentença.
H. O pedido formulado na Petição Inicial pela Autora, ora Recorrida, advém directamente da celebração do “Contrato de Cessão de Exploração de Estabelecimento Comercial” e respetivo aditamento, que teve como Partes, por um lado, o Réu, e, por outro lado, H., F., por si e na qualidade de gestor de negócios de …, e G. (conforme Facto Provado 1 da Sentença); I. Por conseguinte, a Autora é terceiro na relação jurídica contratual estabelecida entre os Outorgantes e de cujo alegado incumprimento, ou cumprimento defeituoso, vem agora reclamar e fundar a sua pretensão; J. O referido contrato, de harmonia com o princípio da relatividade, é, no tocante à Autora, ora Recorrida, res inter alios acta, pelo que a Autora não é, manifestamente, sujeito ativo dos direitos de crédito que se arroga.
K. Nos termos dos artigos 577.º, alínea d), a falta de legitimidade da Autora configura uma exceção dilatória que, ao abrigo do n.º 2, obsta a que o tribunal conheça do mérito da causa e dá lugar à absolvição dos Réus da instância, e que, por força do artigo 578.º, é de conhecimento oficioso, podendo – e devendo – ser apreciada pelo tribunal ad quem, conforme n.º 2, do artigo 573.º, todos do CPC; Para além disto, L. Não podem os Réus concordar com a conclusão a que chega a decisão recorrida, que qualifica o contrato como “inominado”; o contrato celebrado entre os sócios da Autora e o Réu, M. Tendo em conta as cláusulas contratuais ali apostas, o mesmo configura inequivocamente um contrato de sociedade, previsto nos artigos 980.º, e seguintes, do Código Civil; N. Trata-se de um contrato plurilateral, em que os Outorgantes se obrigaram a fazer contribuições para o fundo comum (entradas em espécie, como o estabelecimento comercial, pelos Primeiros Outorgantes, e know-how e entrada em indústria, por parte do Segundo Outorgante, aqui Réu), para o exercício de uma atividade económica, no caso, a exploração do estabelecimento comercial, com o objetivo de realização de lucro e sua repartição por todos os sócios, tendo-se estabelecido a sua distribuição em partes iguais por todos os contraentes/sócios; O. A exploração de uma farmácia é uma atividade comercial, pelo que esta sociedade deveria adoptar a forma comercial e sujeitar-se ao regime previsto no Código das Sociedades Comerciais (cfr. artigo 1.º, n.º 3 CSC); P. Porque tal não sucedeu, a sociedade constituída pelos sócios da Autora e o Réu é uma sociedade comercial irregular, à qual, nos termos do n.º 2, do artigo 36.º CSC, se devem aplicar as regras das sociedades civis; Q. Donde, a decisão do caso em juízo deve assentar nesta qualificação do contrato como um contrato de sociedade comercial, irregularmente constituída, devendo, por isso, ser regulada pelos artigos 980.º e seguintes, do Código Civil, com todas as consequências legais daí advenientes e que se alastram à parte dispositiva da Sentença; R. Nunca foi deliberado nem distribuído o eventual lucro gerado por aquela sociedade, conforme, aliás, foi...
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