Acórdão nº 27/14.5T8MNC.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 24 de Novembro de 2016

Magistrado ResponsávelFERNANDO FERNANDES FREITAS
Data da Resolução24 de Novembro de 2016
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

-ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES-

  1. RELATÓRIO I.- A Autora, “Fábrica da Igreja Paroquial de C”, com sede na freguesia de C, em Monção, representada pelo Padre José C, instaurou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra os Réus Delfim B; António F e mulher Maria D; António A e mulher Maria E, todos residentes no Lugar dos Milagres, da referida freguesia de C, pedindo que estes sejam condenados a: - reconhecerem que ela, Autora, é dona e legítima possuidora dos prédios que designa por “Capela de Nossa Senhora dos Milagres”, bem como todos os objectos de culto religioso existentes no seu interior, dois cruzeiros e um coreto em pedra implantados no seu logradouro envolvente e anexo, e “Capela do Senhor da Boa Morte”, bem como os terrenos anexos e um nicho das almas junto aos terrenos da mesma capela, na sua extremidade poente, e ainda todos os bens de culto religioso existentes no interior da capela; e - entregarem-lhe, a ela Autora, os supramencionados prédios bem como todos os bens e valores existentes no seu interior e todas as chaves de acesso a eles; e ainda - a indemnizarem-na, a ela Autora, “a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, que o comportamento deles, Réus, lhe tem causado, em quantias que se propõe liquidar em execução de sentença.

Fundamenta alegando, em síntese, que os supramencionados prédios já existem há várias centenas de anos e sempre foram havidos como propriedade da Igreja Católica da freguesia de C. Com a Lei da separação dos bens da Igreja e do Estado, foram apropriados por este último, vindo-os, porém, a devolver em 31 de Janeiro de 1935, como consta do Auto de Posse e Entrega que junta. Assim, mesmo não se considerando os tempos anteriores à dita Lei da Separação dos Bens da Igreja e do Estado, datada de 20/04/1911, pelo menos desde a data em que tais bens lhe foram restituídos, tem a Autora estado na sua usufruição e detenção plena, assim como plena é a sua administração, utilizando-os para a realização de todos os actos de culto católico, o que tudo faz à vista de toda a gente da freguesia de C, designadamente dos Réus, bem como de toda a população de Monção, sem qualquer interrupção temporal e sem oposição de ninguém, na convicção de exercer um pleno e exclusivo direito de propriedade.

Ora, os Réus, intitulando-se membros e directores da Confraria dos Milagres, têm vindo a gerir a vida dos prédios em causa, realizando obras de manutenção, organizando procissões, compassos na visita Pascal, sempre sem padre a presidir, efectuando funerais, detendo as quantias depositadas nas caixas de esmolas recebendo os votos e as promessas, tudo contra a vontade e sem autorização da Autora. Tais comportamentos violam o seu direito de propriedade e têm-lhe causado “avultados” danos patrimoniais e não patrimoniais, os primeiros em quantia não inferior a € 20.000,00, e os segundos concretizados em preocupações, transtornos, desgosto e arrelias por si sofridos.

Regularmente citados, vieram os réus contestar, arguindo as excepções da ilegitimidade activa e passiva, e a litispendência, impugnando os factos vertidos na petição inicial e deduziram pedido reconvencional.

Na contestação, recusaram os Réus que a Autora tenha praticado qualquer acto sobre as capelas referidas, e que o documento que esta apresenta seja idóneo para lhe transmitir a propriedade reivindicada. Alegam que quem é dono dos ditos prédios é a Confraria de Nossa Senhora dos Milagres que foi quem desde sempre providenciou pela sua conservação e deteve as chaves respectivas.

A Autora respondeu às excepções arguidas pelos Réus e contestou o pedido reconvencional que estes formularam.

Os autos prosseguiram os seus termos e foi proferido douto despacho saneador que julgou improcedentes todas as excepções invocadas pelos Réus – de ilegitimidade e de litispendência – e julgou ainda inadmissível a reconvenção.

Procedeu-se ao julgamento que culminou com a prolação de douta sentença que julgou a acção improcedente por não provada, absolvendo, consequentemente, os Réus dos pedidos formulados pela Autora.

Esta, inconformada, traz o presente recurso pretendendo que, reapreciada a decisão da matéria de facto, seja revogada aquela sentença e se julguem procedentes e provados os pedidos que formulou.

Contra-alegaram os Réus propugnando para que se mantenha o decidido.

O recurso foi recebido como de apelação, com efeito meramente devolutivo.

Foram colhidos os vistos legais.

Cumpre apreciar e decidir.

** II.- A Apelante funda o seu recurso nas seguintes conclusões: 1-) Sempre com o maior respeito, porém, a verdade é que a recorrente se sente obrigada a dizer que o decidido nesta acção é uma pura caricatura da verdade dos factos.

2-) Sendo verdadeiramente insólito que 2 grandes e valiosos edifícios religiosos, que sempre, ao longo de séculos, foram de grande frequência religiosa e católica de C, se encontrem na gestão e administração, feita por 3 pessoas que se arvoram em Confraria, sem quaisquer estatutos próprios nem autorização nem tutela da hierarquia religiosa da freguesia e que assim se deixem ficar, mesmo perante a reivindicação que deles faz a Igreja católica, que sempre, até então, os havia possuído como património eclesiástico, propriedade da mesma Igreja Católica da freguesia, exactamente como tal acontece, afinal, com a própria Igreja matriz local.

3-) Para chegar a tão grande falta de reflexão e ponderação dos factos, perdeu-se a douta sentença em considerações inadequadas à presente lide, designadamente evocando a comparação com a existência de capelas particulares, onde também se celebram missas e actos religiosos, quando ninguém pode ignorar que as Capelas particulares pertencem aos respectivos donos dos prédios onde se implantam, e não ao público católico da freguesia, como é o caso das Capelas questionadas nesta acção, funcionando aquelas apenas para satisfazer desejos pessoais dos seus donos, que, para o efeito, convidam quem querem, de acordo com os seus desejos, intenções ou interesses.

4-) As Capelas questionadas, a da Boa Morte e aquela a que também chamam, pela sua grandeza, Santuário de Nossa Senhora dos Milagres, são edifícios religiosos, com várias centenas de anos, onde acorriam diariamente, pelo menos até há cerca de 7 anos, centenas de católicos da freguesia de C e onde a Igreja, através do seu pároco e de todas as estruturas eclesiásticas comuns e reconhecidas da Igreja Católica local, celebrava sempre todos os actos comuns da religião católica, como missas, confissões, pregações, festas religiosas, anúncios de factos de interesse da freguesia, homilias, etc., edifícios religiosos que o povo frequentava livremente e com a plena consciência de frequentar Templos religiosos que à Igreja pertenciam e em que a Igreja superintendia, tal como vai acontecendo, afinal, em todo o país católico e em todas as suas Capelas e Igrejas Católicas, espalhadas por todas as freguesias, do Minho ao Algarve.

5-) Não se vislumbra mesmo onde, como e porquê a douta sentença não viu diferenças na propriedade dos edifícios religiosos que nesta acção se questionam, apelando à comparação com aquelas Capelas particulares, mas assentando tal decisão, pelos vistos, na simples existência de divergências do procedimento que ocorreram, há cerca de 7 anos, entre os então 3 membros da Comissão Fabriqueira que, então, cuidava do zelo e conservação de tais edifícios e o pároco e Vigário Geral da Diocese; 6-) Sendo certo, aliás, que foi mesmo a própria Igreja quem determinou que o pároco deixasse de efectuar naqueles locais as celebrações religiosas tradicionais porque não terá aceitado a forma como tais membros trataram tanto o Padre como aquele Vigário Geral, o qual terá chegado a ser insultado, e sempre tudo por questões de gestão e conservação dos prédios, concretamente de obras a realizar nos mesmos e para as quais o estado havia disponibilizado já à Igreja o valor financeiro necessário.

7-) E tais antigos membros da Comissão Fabriqueira de C assim se vêm mantendo no exercício da gestão diária da vida dos referidos edifícios, sem eleições, sem sequer permitir que outrém lhes suceda, arvorados em Confraria dos Milagres, Confraria que não é reconhecida pela Igreja católica, sendo certo que as Confrarias têm estatutos e reconhecimento próprios, a cargo da hierarquia da igreja e, em consequência, com direitos e obrigações que estão estabelecidos no direito eclesiástico, factualidade que, na presente situação nem existe nem os Réus, aqui recorridos, alguma vez fizeram, ou tentaram sequer fazer, a mínima prova da sua existência.

8-) Lamenta-se é que, não obstante ser esta a verdade dos factos, que sempre se revelou incontornável, a douta sentença recorrida tenha persistido, com manifesta frequência, em apelidar de Confraria de Milagres a simples existência de 3 Réus, que se juntaram, na pretensa defesa de 2 edifícios religiosos, que se limitam a apregoar ser do Povo Católico de M (lapso de escrita, querendo dizer-se, “Milagres”) e a ele doado, há mais de 400 anos, por uma conhecida família, dita do Sopegal, quando, na realidade, ninguém pode negar e ninguém nega que tais edifícios são frequentados pelo povo católico, que os usufrui no exercício da sua religiosamente católica, como acontece em todas as Igrejas e Capelas Católicas públicas deste país e sabendo-se ainda que quase todas terão sido fruto de donativos dos fieis, designadamente em cumprimento de promessas por reais ou pretensas “graças divinas” recebidas !...

9-) E lamenta-se ainda que a douta sentença recorrida não tenha, afinal, considerado provado que esses tais “assumidos” membros dessa dita “Confraria dos Milagres” se apoderaram das Capelas em causa nesta acção, quando são eles, e apenas eles, quem abre as suas portas (quando entendem fazê-lo), quem recebe os donativos concedidos por fieis católicos, quem destina tais dinheiros para os fins que entendem, quem tem as chaves das portas de tais edifícios e...

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