Acórdão nº 1564/14.7T8VCT.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 30 de Junho de 2016

Magistrado ResponsávelMIGUEL BALDAIA MORAIS
Data da Resolução30 de Junho de 2016
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães: I- RELATÓRIO B. intentou a presente ação declarativa com processo comum contra o Estado Português, na qual conclui pedindo que se reconheça e seja declarado, nos termos do disposto no art. 15º da Lei nº 54/2004, de 15.11, o direito de propriedade privada do autor sobre o prédio rústico constituído por uma leira de lavradio, no lugar de …, inscrito na matriz predial rústica respetiva sob o artigo …e descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o nº ….

Impetra igualmente que o réu seja condenado a ver reconhecido esse direito e a abster-se da prática de atos que o possam perturbar, com exclusão dos que estritamente lhe assistem nos termos legais.

Para tanto alega ser, por si e antepossuidores há mais de 150 anos, dono e legítimo possuidor do identificado prédio rústico, o qual confronta com a margem esquerda do Rio Lima, encontrando-se, pois, dentro do designado domínio hídrico, uma vez que dista menos de 50 metros das águas do leito do rio, sendo que foi por força da ação humana que tal prédio se encontra localizado dentro do que é hoje considerado margem desse rio.

Citado o Ministério Público (em representação do Estado), apresentou contestação na qual, para além do mais, invocou a ineptidão da petição inicial, alegando que o autor não localiza em termos de área, configurações, limites, coordenadas geográficas, levantamento topográfico, mapas ou medições, nenhum terreno ou parcela de terreno que possa integrar o domínio público hídrico.

Respondeu o autor pugnando pela improcedência da suscitada exceção dilatória.

A fls.70, foi proferido despacho de convite ao aperfeiçoamento da petição inicial, nos termos do qual foi o autor notificado para concretizar “a concreta delimitação do prédio descrito no artigo 1º da petição inicial, com especial incidência nas zonas de confrontação com o Rio Lima”.

O autor não enjeitou tal convite, apresentando o articulado que se mostra junto a fls. 71 vº a 72 vº, fazendo acompanhar o mesmo de suportes documentais tendentes a identificar os limites e os contornos do ajuizado imóvel.

Foi proferida decisão que julgou procedente a exceção de ineptidão da petição inicial, em consequência do que foi o réu absolvido da instância.

* Não se conformando com o assim decidido veio o autor interpor o presente recurso, que foi admitido como apelação, a subir nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Com o requerimento de interposição do recurso apresentou alegações, formulando, a final, as seguintes CONCLUSÕES: 1. A presente acção parte da regra geral que determina quais são as parcelas de leitos ou margens das águas do mar ou de quaisquer águas navegáveis ou flutuáveis, que constituem o domínio público hídrico, para, em concreto e mais directamente, pretender obter o reconhecimento do direito de propriedade sobre o prédio que porventura constitua parcela de leitos ou margem de águas navegáveis ou flutuáveis, ao abrigo do disposto no artigo 15º da Lei nº 54/2005 de 15 de Novembro.

  1. Constituem factos essenciais individualizadores do tipo legal, por um lado, a verificação da existência de domínio público hídrico sobre determinada parcela de terreno e, por outro lado, a invocação, reconhecimento e declaração do direito de propriedade de um particular, relativamente a um prédio que coincide com aquela parcela.

  2. Deve, ainda, esse direito de propriedade ter sido adquirido por título legítimo antes de 31.12.1864, ou se se tratar de alcantiladas, antes de 22.03.1868, salvo se o particular fizer prova da sua aquisição originária por usucapião que expressamente deve invocar.

  3. No caso dos autos, tinha o Autor o ónus de alegar, na sua causa de pedir, os factos fundamentais da aquisição do domínio e posse sobre determinado prédio e alegar e provar que o mesmo pela sua localização e extensão ocupa uma parcela de domínio marítimo.

  4. Estes factos essenciais estão alegados pelo autor, de forma exaustiva, clara, completa e inequívoca nos artigos 1, 2, 3, 5, 7, 12 a 37, 39 a 47 da petição inicial e nos artigos 1 a 14 do articulado de convite ao aperfeiçoamento, reproduzidos supra, que se acham documentalmente comprovados nos autos, mediante a junção de plantas de localização e de implantação, bem como no respectivo levantamento topográfico, dos quais resulta a inequívoca localização do rio, da respectiva margem, sendo que do referido levantamento constam as coordenadas dos vértices da poligonal do terreno para as quais se remete no articulado de convite ao aperfeiçoamento.

  5. A concretização do local “onde nasce e finda a margem do rio” no prédio do Autor e onde a mesma se inicia e a identificação da concreta parcela da margem do Rio Lima que ocupa o prédio do Autor descrito na petição inicial, constituem factos concretizadores daqueles factos essenciais.

  6. Os quais terão de resultar de uma verificação pelo Tribunal através de uma inspecção ao local e de uma peritagem, para além da eventual prova testemunhal a levar a efeito durante a instrução do processo.

  7. O Tribunal ao decidir vai ter de se basear, efectivamente, nos factos essenciais alegados e nos concretizadores que forem provados, porque também estes são essenciais, independentemente de terem sido ou não alegados na petição inicial.

  8. O Juiz é obrigado a considerar os factos que sejam concretizadores dos factos essenciais alegados pelas partes.

  9. Não há preclusão quanto a factos que, embora essenciais, sejam complementares ou concretizadores de outros inicialmente alegados.

  10. Assim, o recorrente não pode conformar-se com a douta decisão proferida, porquanto, no seu modesto entender, a mesma assenta numa rigidez do processo quanto ao lastro fáctico dos autos que não se coaduna com as novas regras do novo Código de Processo Civil de 2013, cujo regime “permite esperar que a petição inicial se torne uma peça menos extensa, menos prolixa, uma peça em que o autor concentre a alegação em factos susceptíveis de preencher o tipo legal de que pretende prevalecer-se, dispensando-se de uma alegação pormenorizada e atomística, uma alegação pejada de referências laterais, circunstanciais ou meramente instrumentais" - João Correia, Paulo Pimenta e Sérgio Castanheira, na “Introdução ao Estudo e à Aplicação do Código de Processo Civil de 2013.

  11. Estabelece o artigo 5º, nº1 do actual Código de Processo Civil que “às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as excepções invocadas”.

  12. O artigo 552º, nº 1, al. d) do mesmo Código, em consonância com a regra geral acima citada, estabelece que “na petição deve o Autor expor os factos essenciais que constituem a causa de pedir e as razões de direito que servem de fundamento à acção”.

  13. Aquele artigo 5º, na sua actual redacção, consagra uma alteração fundamental relativamente ao regime e às regras...

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