Acórdão nº 2847/14.1TBBRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 09 de Junho de 2016

Magistrado ResponsávelFRANCISCO XAVIER
Data da Resolução09 de Junho de 2016
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

ACÓRDÃO DA 2ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES I – RELATÓRIO 1. MARILDA R intentou acção de processo comum contra FRANCISCO M, alegando, em síntese que ambos viveram em situação análoga à dos cônjuges, em absoluta comunhão de vida entre o dia 9 de Novembro de 1998 e o dia 10 de Março de 2013, que dessa união nasceu uma filha de nome Beatriz A, em 19/01/1999, e um filho de nome Gustavo A, em 25/05/2005, sendo a Autora protésica de profissão e o Réu médico dentista.

Acrescenta que, a Autora durante a união de facto contribuiu para a formação e aumento do património inscrito em nome do Réu e este, após a ruptura da união de facto, apossou-se de todo o património no valor global de € 526.230,00.

Mais alega que atenta a sua prestação para o incremento patrimonial do casal tem direito a pelo menos 50% daquele valor, que fundamenta no instituto do enriquecimento sem causa.

Assim, conclui, pedindo a condenação do Réu (i) a reconhecer que, com início em 9/11/1998 e terminus em 10/03/2013, Autora e Réu viveram em condições análogas às dos cônjuges, e (ii) que naquele período Autora e Réu contribuíram na mesma proporção e em partes iguais para a formação do património mobiliário e imobiliário, depósitos bancários e bens indiferenciados, de valor não inferior a €526.230,00, pelo que o Réu se encontra injustamente enriquecido à custa da Autora na proporção de 50% do referido capital ou da correspondente meação nos imóveis, com a consequente (iii) condenação do Réu a restituir à Autora 50% do indicado capital ou da correspondente meação nos ditos imóveis em valor não inferior a €263.115,00 (duzentos e sessenta e três mil cento e quinze euros), (iv) bem com 50% de todo os bens que se encontrem na sua posse adquiridos durante a união de facto, para além dos já peticionados e 50% dos saldos bancários que se vierem a apurar em outras instituições bancárias e que existiam à data da separação, e (v) no pagamento de juros de mora sobre o montante peticionado, desde a data de citação até efectivo e integral pagamento.

  1. O réu contestou, alegando, além do mais, que todos os meses entregava à Autora, para além do seu salário, a quantia de €800,00, sendo que €300,00 se destinavam a entregar à Segurança Social Brasileira para que a Autora pudesse vir a beneficiar de uma reforma nesse país, que suportou sozinho todas as despesas e que para esse efeito entregava à autora o seu cartão bancário para que esta pudesse adquirir tudo o que fosse necessário sem qualquer custo para si.

    Mais alegou que a Autora é possuidora de um imóvel no Brasil, mas que o custo com a sua aquisição e obras foram suportados quase exclusivamente pelo Réu e que o seu património não foi adquirido pelo esforço comum mas só com seu esforço individual pelo que se não verifica qualquer enriquecimento sem justa causa.

  2. Foi realizada audiência prévia e proferido despacho saneador a fls. 184 e seguintes, tendo sido identificado o objecto do litígio e enunciados os temas da prova.

    Instruídos os autos procedeu-se à audiência de discussão e julgamento, após o que veio a ser proferida a sentença de fls. 293 a 312, na qual se decidiu julgar a acção totalmente improcedente e, em consequência, absolver o Réu dos pedidos formulados pela Autora.

  3. Inconformada veio a Autora interpor recurso, pedindo a revogação da sentença e a condenação do Réu, com os seguintes fundamentos [segue transcrição das conclusões do recurso]: 1.ª Nos termos do disposto nos artigos 615º, 627º, 629º, 631º, 637º, 638º, 639º, 645º do C.P.C., vem a Autora/Recorrente interpor recurso da decisão proferida pelo Tribunal de 1ª Instância, por violação da lei processual e da lei substantiva.

    2.ª O Tribunal a quo julgou totalmente improcedente por não provada a acção intentada pela ora Recorrente contra o ora Recorrido, por entender não existir qualquer enriquecimento sem causa por parte deste à conta daquela.

    3.ª Contudo, os factos dados como provados teriam, forçosamente, que levar a decisão diversa.

    4.ª Diz o artigo 615º, nº 1, al. c) do C.P.C. que “É nula a sentença quando: c) os fundamentos estejam em oposição com a decisão (...)” 5.ª No caso em apreço, o Tribunal a quo violou esta disposição legal, 6.ª Bem como o disposto no artigo 473º do Código Civil.

    7.ª O Tribunal a quo deu como provados certos factos, tendo depois decidido contra os mesmos.

    8.ª Na verdade, entendeu o Tribunal a quo que a Recorrente e o Recorrido viveram em união de facto por mais de 14 anos, 9.ª Que durante esse período a Autora contribuiu para o bem estar dos filhos de ambos e do próprio casal, que comprou alimentação, vestuário e calçado e brinquedos, pagou algumas contas de telefone, que para além da sua actividade profissional (protésica) realizava tarefas domésticas, preparava refeições, acompanhava os filhos na e à escola, ao médico e em actividades extracurriculares que estes praticassem.

    10.ª Para além disso, ficou provado em sede de primeira instância que o Réu/Recorrido, é proprietário de dois imóveis: um sito na Rua José Afonso, freguesia de São Vicente, em Braga, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº 3, fracção “AB”, segundo andar esquerdo, tipo T4, destinado exclusivamente a habitação, 11.ª E outro sito na Rua de Santa Margarida, freguesia de São Vicente, também em Braga, correspondente a fracção autónoma designada pelas letras “AQ”, tipo T4 duplex, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº 800, com garagem, bem como 7/300 indivisos do prédio urbano composto de parcela de terreno para construção destinada a jardim e infra-estruturas de lazer, nomeadamente piscina e parque infantil, tudo no valor de €: 200.000,00 (duzentos mil euros).

    12.ª Baseia a sua convicção nas escrituras públicas de compra e venda de ambos os imóveis e entende que não se prova o valor do primeiro quando do referido documento consta que o mesmo é de vinte e dois milhões e quinhentos mil escudos (ou seja, €: 112.230,00 (cento e doze mil duzentos e trinta euros), sendo certo que quinze milhões de escudos foram aplicados na compra do imóvel e sete milhões e quinhentos mil escudos em obras de beneficiação do mesmo).

    13.ª Mais deu como provado o Tribunal a quo que o Recorrido tem várias contas bancárias, designadamente no D Bank, no Millennium e na Caixa G, cujo somatório ascendia, à data da união, a €: 265.514,36 (duzentos e sessenta e cinco mil quinhentos catorze euros e trinta a seis cêntimos).

    14.ª O Tribunal a quo considerou provado que a Autora/Recorrente é legítima proprietária de um imóvel sito em Santos, São Paulo, no Brasil.

    15.ª Contudo, não atendeu ao valor do mesmo, que é manifestamente inferior ao do Réu, e podia tê-lo feito, uma vez que o valor consta do documento junto aos autos.

    16.ª Entendeu que a aquisição do mesmo e as obras a que foi sujeita a fracção foram pagas pelo Recorrido. Contudo, não fundamenta no seu aresto o que levou o Tribunal a tal conclusão. Nem podia, uma vez que tal não foi provado na presente acção.

    17.ª O Tribunal a quo, ao decidir como decidiu, não teve em conta toda a colaboração prestada pela Recorrente para o bem do casal e dos filhos de ambos, 18.ª Nem tão pouco a discrepância injustificada entre o património da Recorrente e do Recorrido após 14 anos de vida em comum.

    19.ª Enquanto a primeira, não obstante a sua dedicação e desempenho, ter ficado com um património de cerca de € 20.803,07 (vinte mil oitocentos e três euros e sete cêntimos).

    20.ª O Recorrido ficou com um património de pelo menos, € 486.486,93 (quatrocentos e oitenta e seis mil quatrocentos e oitenta e seis euros e noventa e três cêntimos).

    21.ª Dúvidas não podiam restar ao Tribunal a quo, ao dar como provados os factos que deu, que houve enriquecimento sem causa por parte do Recorrido, 22.ª À custa do contributo da Recorrente para a vida em comum de ambos e dos filhos.

    23.ª A conduta da Recorrente durante os anos de vivência comum, designadamente no trabalho, em casa, com os filhos e com o casal, permitiram ao Recorrido ficar com mais tempo para se dedicar ao seu trabalho e aumentar o seu património.

    24.ª O Tribunal a quo deu como provado a participação da Recorrente nesse aumento patrimonial do Recorrido, tanto de forma directa (pelo trabalho que desenvolvia na sociedade), 25.ª Como indirecta (através do seu contributo em casa, nas lides domésticas e no acompanhamento dos filhos).

    26.ª Por tal motivo, impunha-se que a decisão fosse outra: deveria o Tribunal a quo ter reconhecido o direito da Recorrente ao ressarcimento por conta do enriquecimento sem causa do Recorrido, à conta daquela.

    27.ª Diz o artigo 473º, nº 1 do Código Civil que “Aquele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou.” 28.ª Ora, não obstante ter sido reconhecido pelo Tribunal a quo toda a colaboração e participação da Recorrente para a vida do casal e dos filhos 29.ª Decidiu que o Recorrido não se locupletou injustificadamente à sua custa, o que não se pode admitir.

    30.ª Ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 615º, nº 1, al. c) do C.P.C., bem como o artigo 473º do Código Civil, 31.ª Pelo que deverá este Tribunal da Relação revogar a sentença proferida e estipular a medida do enriquecimento injustificado do Recorrido à custa da Recorrente, atento o contributo directo e indirecto da mesma no aumento patrimonial daquele.

    TERMOS EM QUE e nos melhores de Direito e que V. Exas. doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta sentença recorrida, e, consequentemente, reconhecer-se o direito da Autora/Recorrente a parte do património do Réu/Recorrido, por conta do enriquecimento sem causa, fazendo-se assim a habitual a sã JUSTIÇA! 5. Contra-alegou o Réu, pugnando pela confirmação da sentença, invocando que a recorrente não impugnou a matéria de facto, que a sentença não enferma de qualquer nulidade e que da factualidade provada não resultam provados os requisitos do...

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