Acórdão nº 197/13.0TTSTS.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 06 de Outubro de 2016

Magistrado ResponsávelVERA SOTTOMAYOR
Data da Resolução06 de Outubro de 2016
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães I – RELATÓRIO Frustrada a tentativa de conciliação, B. e C., ambos residentes no Largo…, em … intentaram a presente ação especial emergente de acidente de trabalho contra D., COMPANHIA DE SEGUROS, S.A,, com sede em… e E., LDA., com sede … pedindo a condenação da 1ª Ré e subsidiariamente da 2ª Ré a pagar: a) A cada um dos autores, respectivamente, as quantias de € 6.542,50 (seis mil quinhentos e quarenta e dois euros e cinquenta cêntimos) e de € 4.361,67 (quatro mil trezentos e sessenta e um euros e sessenta e sete cêntimos), a título de pensão por morte do cônjuge e progenitor; b) A ambos os autores, na proporção de metade para cada um, a quantia anual de € 5.533,70 (cinco mil quinhentos e trinta e três euros e setenta cêntimos), a título de subsídio por morte; c) À autora, a quantia de € 20,00 (vinte euros), a título de despesas de deslocações obrigatórias no âmbito dos presentes autos; d) Os juros de mora a calcular à taxa legal supletiva desde a citação até integral pagamento.

Alegaram para o efeito o trabalhador F., marido e pai dos Autores, exercia a actividade profissional de motorista de pesados como funcionário da segunda Ré.

No dia 22 de Abril de 2013, na Suíça, enquanto exercia a sua actividade profissional, ao serviço da segunda Ré e se encontrava a aguardar a hora que havia sido estabelecida para efectuar uma descarga do veículo que conduzia, sofreu em enfarte agudo do miocárdio, que lhe determinou como consequência direta a morte.

O acidente que vitimou o F. ocorreu no local e durante o tempo de trabalho e ficou a dever-se ao grande stress em que vivia conjugado com o receio de não cumprir de forma rigorosa as tarefas excessivas que ultimamente lhe atribuía o empregador conjugado com o cansaço acumulado devido às constantes viagens, o que lhe provocou o colapso cardíaco, vindo a falecer vítima de enfarte do miocárdio.

Concluem que o acidente é de trabalho e como tal devem ser indemnizados pela Ré Seguradora uma vez que a 2ª Ré tinha transferido a sua responsabilidade infortunística pela reparação de acidentes de trabalho para a Ré Seguradora, pela totalidade da retribuição auferida pelo sinistrado.

* Ambas as Rés contestaram, não aceitando a caraterização do acidente como de trabalho, por entenderem que o sinistrado faleceu por morte natural, não havendo assim lugar à sua reparação.

Ambas as Rés concluíram pela improcedência da acção com a sua absolvição do pedido.

Os AA. vieram responder pugnando pela improcedência das exceções e concluindo como na p.i.

Foi proferido despacho saneador, no qual foi proferida decisão sobre a exceção da ilegitimidade da Autor, que foi julgada de improcedente, selecionou-se a matéria de facto, com organização dos factos assentes e da base instrutória.

Realizou-se a audiência de discussão e julgamento com gravação da prova nela produzida.

Foi proferida sentença que julgou a ação totalmente improcedente por não provada e consequentemente absolveu as Rés dos pedidos: * Os Autores inconformados interpuseram recurso da sentença, formulando as seguintes conclusões: “1ª – Os autores alegaram na p.i. que o sinistrado, F., trabalhava para além das horas legalmente permitidas (item 33), o que lhe causou um cansaço acumulado, porém na base instrutória, por lapso, que perdurou até ao julgamento, o meritíssimo juiz fez menção apenas a “horas de condução”, pelo que, não tendo os AA. apercebido ou alertado dessa situação, no prazo referido pelo tribunal a quo, também ao abrigo do disposto no n.º 4 do artigo 72.º do CPT, o meritíssimo juiz devia ter em conta essa matéria, tanto mais que é manifesto o caracter angular e pertinente que a mesma aporta para a boa decisão da causa, ademais, prosseguindo o processo laboral o apuramento da verdade material e o facto da lei conceder ao juiz poderes-deveres com vista a alcançar essa finalidade.

  1. - Se no processo de trabalho é admitido, a “condenação extra vel ultra petitum”, art.º 74.º, também deve ser admitido a ampliação da matéria de facto apesar de não ter sido objecto de reclamação, tanto assim que se discute a morte de uma pessoa, in casu, de um trabalhador, F., e o que se visa é o apuramento da verdade material.

  2. - O princípio do inquisitório congrega a essência desses poderes-deveres, os quais se concretizam em vários momentos processuais, mormente no artigo 72.º do CPT, justificado pelo carácter público dos interesses que a lei adjectiva laboral procura acautelar com vista a uma melhor realização da justiça e da harmonia sociais», tanto mais que o n.º 4 permite que, finda a produção da prova, o juiz possa ainda ampliar a matéria de facto.

  3. - O tribunal a quo ao, não admitir a alteração/ampliação dos quesitos/artigos 2.º e 3.º dos factos controvertidos, incluindo no primeiro a palavra “trabalhava” (item 33 da p.i.), bem como a ampliação do art.º 5.º da B.I. com a matéria do item 43.º da p.i. (dada a relação com o item 44 da p.i.), que, por força do seu trabalho e das tarefas que lhe eram confiadas, entrega de mercadorias e carregamento de outras, tudo com prazos rígidos de cumprimento, o F. estava constantemente sujeito a situações de stress e de angústia, relevantes para a boa decisão da causa, e especialmente para o apuramento cabal da verdade material, violou previsto no artigo 72º do CPT., podendo, este venerando Tribunal, aditá-los, ampliando a matéria de facto provada, como é consentido pelo disposto no art.º 662.º, n.º 2, alínea c) do CPC., a contrario sensu, com relação com o art.º 72.º, n.º 4 do CPT.

  4. - O tribunal a quo incorreu também em erro de julgamento da matéria de facto, pois, face ao alegado pelos AA. na p.i. bem como o depoimento das testemunhas, os factos constantes pontos/artigos 2, 3, 4, 5, 6 e 7 da matéria dada como não provada, salvo o devido respeito, deviam ter sido julgados como provados.

  5. Relativamente aos factos não provados em 2 e 3, que corresponde aos art.º 2.º e 3.º da Base Instrutória, sustenta o tribunal a quo tal convicção nos depoimentos das testemunhas R. e M., bem como S. e V., porém, como melhor resulta da motivação deste recurso, face à prova produzida, testemunhal e documental (registos de tacógrafos), devia ter dado como provado que o motorista, sinistrado, F., há alguns meses antes do falecimento, por indicação e conhecimento da Ré, conduzia, se não mais, uma média de nove horas por dia, como trabalhava mais de nove horas diárias.

  6. - De todo o modo, o horário de trabalho de um motorista de transportes internacionais não se circunscreve ao tempo de condução efectiva, o que resulta, desde logo, da prova documental consubstanciada nos registos de tacógrafos (ex. fls. 1016 e 1017; fls., 1031 e 1032; fls., 1105 e 1106; 18.04.2013, fls. 356 e 357; 22.04.2013, fls., 351 e 352; 30.03.2013, fls.. 432 e 433…), analisada em audiência de discussão e julgamento, em que se extrai que o sinistrado não só excedia as horas legais como realizava curtas pausas para descanso, inclusive para as refeições.

  7. - Embora admitido na fundamentação da douta sentença, pelo menos, que “o excesso que ocorria era somente que nos períodos em que os veículos estavam a aguardar para carregar ou descarregar as mercadorias o aparelho de tacógrafo era colocado em descanso quando devia estar em outros trabalhos”, o certo é que os excessos, que foram muitos, ocorreram com muita constância e não só nestas ocasiões, pelo que deve ser alterada a resposta à matéria de facto em causa e dado como provado a matéria de facto do art.º 2.º e 3.º da base Instrutória.

  8. - O tribunal a quo incorreu igualmente em erro de julgamento da matéria de facto, ao dar como não provados os itens 4 e 5, correspondentes ao art.º 5.º e 8.º da B.I., [que tinham a seguinte formulação: (4) “O trabalhador estava constantemente sujeito a situações de ansiedade pelo receio de não conseguir cumprir de forma rigorosa e pontual os serviços para que era escalado pela segunda ré porque lhe era exigido que impedisse e contornasse atrasos no transporte e nas operações de carga e descarga provocados por motivos a que era alheio?”; (5) “Esta situação provocou um acumular de stress mental e emocional no trabalhador?”], 10ª -Tal matéria de facto deve ser articulada com os artigos 6.º e 7.º da base instrutória, a que corresponde os itens 4 e 5 dos factos provados, a recordar: “Antes do falecimento, o trabalhador havia estado ao serviço da segunda ré cerca de quinze dias” (item 6.º base instrutória);“O trabalhador esteve apenas alguns dias em Portugal, tendo sido novamente escalado pela segunda ré para efectuar um serviço com destino à Suíça” (item 7.º base instrutória).

  9. - Também neste particular não esteve bem o tribunal a quo ao dar como provado tais artigos, 4 e 5 e, não bastasse, sustentasse que tal situação não provocou um acumular de stress mental e emocional no mesmo, fundamentando para o efeito, erradamente, que este “(…) tinha iniciado estas viagens depois de ter estado de férias cerca de um mês, ou seja, depois de um período de descanso junto da família”, para mais, como se demonstra na motivação deste recurso, quando tal é contrariado pela prova documental junta aos autos, o registo de tacógrafos, bem como a prova testemunhal, a mesma que havia formado a convicção do tribunal, como S., R., M., J., V..

  10. - Dessa prova, consta-se que o sinistrado, D., tinha estado em período de férias do dia 01 a 17 de Março de 2013 - e não um mês como consta da douta sentença – efectuando, de seguida, um serviço de transporte para a Inglaterra, que teve a duração de 13 dias, viagem essa onde, de acordo com o relato das testemunhas, teve uma avaria no seu camião, que originou que tivesse que aguardar (sozinho) a chegada de um colega motorista da segunda ré que o traria para Portugal, seguindo-se uma nova viagem para o estrangeiro de 1 a 12/13 de Abril, e em 18 de Abril a fatídica viagem para a Suíça, o que, mesmo segundo a experiência comum, não é nem foi indiferente ao relatado estado emocional...

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