Acórdão nº 675/13.0TAPTL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 10 de Outubro de 2016

Magistrado ResponsávelFERNANDO CHAVES
Data da Resolução10 de Outubro de 2016
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães I – Relatório 1.

No processo comum singular n.º 675/13.0TAPTL, que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo – Ponte de Lima – Instância Local – Secção de Competência Genérica – J1, realizado o julgamento, foi proferida a sentença de fls. 259 a 279 com o dispositivo seguinte: «Por tudo o exposto, o Tribunal decide: Julgar a acusação pública procedente, por provada e, em consequência: a) Condenar a arguida A....Lda., pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de abuso de confiança contra a segurança social, previsto e punido pelos artigos 7.º, n.º 1, 12.º, n.º 3 e 105.º, n.ºs 1, 4 e 7 ex vi do artigo 107.º, n.ºs 1 e 2, do Regime Geral das Infrações Tributárias, aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 05/06, na pena de 240 (duzentos e quarenta) dias de multa, à taxa diária de 5 € (cinco euros), o que perfaz a quantia de 1.200 € (mil e duzentos euros); b) Condenar o arguido José G. pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de abuso de confiança contra a segurança social previsto e punido pelos artigos 6.º e 105.º, n.ºs 1, 4 e 7 ex vi do artigo 107.º, n.ºs 1 e 2, do Regime Geral das Infrações Tributárias, aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 05/06, na pena de 120 (cento e vinte) dias de multa, à taxa diária de 6 € (seis euros), o que perfaz a quantia de 720 € (setecentos e vinte euros); c) Condenar os arguidos nas custas criminais, fixando-se a taxa de justiça devida por cada um deles em 2 UC – artigos 513.º, n.ºs 1 a 3 do Código de Processo Penal e artigo 8.º, n.º 9 e tabela III anexa do Regulamento das Custas Processuais.

Notifique.

Após trânsito: Remeta boletins ao Registo Criminal (artigo 6.º, alínea a) da Lei n.º 37/2015, de 05 de maio).

Vai proceder-se ao depósito da presente sentença na secretaria do Tribunal, conforme disposto no artigo 372.º n.º 5 do Código de Processo Penal.» 2.

O arguido José G. recorreu da sentença, terminando a sua motivação com as seguintes conclusões (transcrição): «1. O arguido foi condenado por um crime de abuso de confiança contra a segurança social previsto e punido pelos artigos 6.º e 105.º, n.ºs1, 4 e 7 ex vi do artigo 107.º, n.ºs 1 e 2, do Regime Geral das Infrações Tributárias, aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 05/06, na pena de 120 (cento e vinte) dias de multa, à taxa diária de 6 € (seis euros), o que perfaz a quantia de 720 € (setecentos e vinte euros).

  1. A conduta típica do nº 1 do art. 105º do RGIT, reconduz-se agora à não entrega à administração tributária, no prazo legalmente previsto, de prestação tributária deduzida, o certo é que a “apropriação”, pese embora tenha sido eliminada do texto da lei, está nele implícita, pelo que continua a fazer parte do tipo legal do crime de abuso de confiança fiscal.

  2. O arguido como sócio gerente da arguida, não entregou e não se apropriou das prestações tributárias de 9.265,68€, por dificuldades de tesouraria, para as afectar ao pagamento das necessidades correntes da arguida sociedade, designadamente, ao pagamento de fornecedores e ao pagamento dos salários dos trabalhadores.

  3. Sendo o crime de abuso de confiança fiscal doloso, é necessário que o agente tenha representado a violação da relação de confiança que consiste no dever de entregar a prestação tributária deduzida e não a queira entregar, no caso concerto, o elemento subjectivo do crime não se verifica.

  4. A omissão do comportamento devido não chega para definir a ilicitude sendo necessário o aspecto subjectivo, o juízo de reprovação e de culpa, pois é necessário ficar provado que existe um juízo de reprovação e de culpa sobre o concreto comportamento adoptado pelo arguido, o que entendemos não ter sucedido.

  5. Não ficou provado o dolo do arguido, que aliás não existiu, pois este não criou voluntariamente a situação de não entrega das prestações tributárias, mas sim o fizeram as condições de mercado, que ao provocarem quebra nos proventos da sociedade arguida, aquele teve a necessidade de afectar os recursos para a sobrevivência da empresa e postos de trabalho, criando-se um verdadeiro direito de necessidade, que ficou provada em sentença.

  6. Nos termos do disposto nº 1 do art. 36º do C. Penal “Não é ilícito o facto de quem, em caso de conflito no cumprimento de deveres jurídicos … satisfazer o dever … de valor igual ou superior ao dever … que sacrificar”, o que é reiterado pelo Prof. Taipa de Carvalho “… não pode, sem mais, negar-se a existência de um verdadeiro conflito de deveres, e eventual exclusão da ilicitude penal, na hipótese em que o patrão, na impossibilidade de pagar os salários e os impostos, cumpre o dever jurídico-laboral de detrimento do dever jurídico-penal fiscal”, Américo Taipa de Carvalho, Direito Penal, parte Geral, Volume II, Publicações Universidade Católica, 2004, pag. 222.

  7. O arguido efectuou efectuou pagamentos dos impostos em dívida, praticamente metade do valor em dívida, aquando da suspensão provisório do processo, mas deixou de ter liquidez para conseguir liquidar os restantes pagamentos, priorizando o pagamento a funcionários e fornecedores.

  8. Por força do preceituado nos arts. 34º, e 36º do CP e art. 105º do RGIT, os elementos subjectivos e objectivos, tipificados neste último preceito legal, não se encontram preenchidos, pelo que deverá ser revogada a Douta sentença, e por conseguinte, o arguido absolvido.

    Mas, caso assim não se entenda 10. Sempre deverão os valores de multa pelos quais foi o arguido condenado serem reduzidos ao mínimo legal, atentas as séries dificuldades financeiras do mesmo, aliás constantes dos autos.

  9. O arguido já vê descontados do seu salário, pouco acima do valor mínimo, montante para pagamento de processos executivos, ficando somente com o montante do salário mínimo nacional.

  10. Face ao disposto no art. 15º do RGIT, somos do entendimento que ao arguido nunca poderá ser aplicado valor de multa diária no valor máximo de 3€, e nunca de 6€ conforme considerou o tribunal a quo.

  11. Para além disso, atenta a muito reduzida ilicitude, a existir, nunca deverá o arguido ser condenado em mais de 50 dias de multa, o que desde já se requer.

    Nestes termos e demais de Direito aplicáveis deverá ser dado provimento ao presente recurso e por via dele ser: A. O arguido absolvido, a. Ou caso assim não se entenda: B. Reduzido o montante de multa aplicada ao arguido, ao valor máximo de 3€ diários; C. Reduzido o número de dias de multa aplicados ao arguido, nunca superior a 50 dias.

    O arguido requereu a concessão de apoio judiciário nas modalidades de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo.

    TERMOS EM QUE, E NOS DEMAIS DE DIREITO QUE Vª EXC.ª DOUTAMENTE SUPRIRÃO, deve ser dado provimento ao presente recurso e em consequência ser o arguido absolvido.

    FAZENDO-SE A HABITUAL E NECESSÁRIA JUSTIÇA!!!» 3.

    O Ministério Público junto do tribunal recorrido respondeu ao recurso, formulando no termo da contramotivação as seguintes conclusões (transcrição): «1. O bem jurídico protegido pelo crime de abuso de confiança fiscal é a verdade na situação fiscal do contribuinte ligado à integridade do património fiscal do Estado.

  12. O novo tipo legal do crime de abuso de confiança fiscal/contra a Segurança Social, aprovado pela lei 5/2001, de 05/06, não contém na sua formulação literal a exigência da “apropriação”, ao contrário do que sucedia com o artigo 24º do RJIFNA.

  13. Em consequência da referida alteração legislativa, vinha existindo discussão ao nível jurisprudencial respeitante à questão de saber se, ainda que não literalmente exigida, se a apropriação continua a fazer parte do tipo objetivo do ilícito em apreço.

  14. No sentido positivo, veja-se o Acórdão do STJ, de 23-04-2003, in www.dgsi.pt e, em sentido negativo, o Acórdão do TRC, de 23-04-2003, in CJ, Tomo II, 2003.

  15. A apropriação consiste na não entrega da prestação devida à Segurança Social com quem se estabelece, nos termos legais, uma relação de confiança.

  16. O crime em apreço consuma-se com a não entrega, total ou parcial, das prestações devidas à segurança social, nos 90 dias seguintes ao terminus do prazo legalmente estabelecido para o efeito.

  17. Trata-se de um crime omissivo puro, que se consuma com a não entrega da prestação devida. Cfr. Acórdão do TRC, de 11-03-2009, Rel. Ribeiro Martins, in www.dgsi.pt.

  18. A apropriação não tem de ser reconduzida ao gasto ou consumo em proveito próprio ou alheio, podendo traduzir-se na mera fruição ou na disposição “ut dominus”.

  19. Por outro lado, a motivação ou finalidade do agente e a consequente afectação que fez das quantias de que se apropriou, são irrelevantes para este efeito.

  20. Perante os factos dados como provados, o recorrente reteve e não entregou à Segurança Social a importância global de 9265,68€, que havia sido previamente descontada, ao longo do referido período, para tal efeito, às remunerações dos respectivos trabalhadores e dos membros dos órgãos sociais, subsumindo os mesmos ao preceituado no artigo 107º, nº1 do RGIT, pelo que se mostram preenchidos os elementos objectivos e também o elemento subjectivo do tipo- o dolo, uma vez que o arguido sabia que a importância acima referida devia ser entregue à Segurança Social, por ter sido descontada para tal efeito, e, não obstante, não o fez, dando-lhe outro destino, assim se apropriando das mesmas.

  21. As causas de justificação são normas que, em situações de conflitos de interesses jurídicos, protegem o que, na concreta situação, é considerado o interesse mais valioso.

  22. Segundo o artigo 34º do Código Penal: “Não é lícito o facto praticado como meio adequado para afastar um perigo actual que ameace interesses juridicamente protegidos do agente ou de terceiro, quando se verificarem os seguintes requisitos: Não ter sido voluntariamente criada pelo agente a situação de perigo, salvo tratando-se de proteger o interesse de terceiro; Haver sensível superioridade do interesse a salvaguardar relativamente ao interesse sacrificado; e Ser razoável...

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