Acórdão nº 1122/11.8TBBCL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 27 de Outubro de 2016
Magistrado Responsável | ANA CRISTINA DUARTE |
Data da Resolução | 27 de Outubro de 2016 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Processo n.º 1122/11.8TBBCL.G1 2.ª Secção Cível – Apelação Relatora: Ana Cristina Duarte (R. n.º 527) Adjuntos: João Diogo Rodrigues Anabela Tenreiro *** Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I.RELATÓRIO “R – Instituição Financeira de Crédito, SA” deduziu ação declarativa contra “V – Unipessoal. Lda.”, Joaquim R, “R – Automóveis, Lda.” e Paulo J pedindo que se declare a nulidade dos contratos celebrados, a que aludem os artigos 17.º a 19.º da petição inicial, ordenando o cancelamento do registo de propriedade inscrito a favor dos réus, que se reconheça judicialmente o direito de propriedade da autora sobre a viatura de marca Renault, modelo Megane Break II, chassi/n.º série: VF1KMSEC640026683 e matrícula 43-HB-06, condenando-se os réus a proceder á restituição da referida viatura à autora, em bom estado de conservação.
Alegou que celebrou contrato de locação financeira com a 1.ª ré, tendo esta deixado de pagar as rendas respetivas, o que conduziu à resolução do contrato. Acontece que, falsificando assinaturas e documentos, a 1.ª ré vendeu a viatura ao 2.º réu que, por sua vez, a vendeu à 3.ª ré e esta ao 4.º réu, em nome de quem se encontra registada.
Contestou a ré “R – Automóveis, Lda.” afirmando ter adquirido a viatura ao 2.º réu, pelo preço de € 14.000,00, depois de se certificar junto da CRA que, sobre o veículo em questão, não existiam quaisquer ónus ou encargos, estando registada a favor do vendedor e, posteriormente, vendeu-a ao 4.º réu por € 18.000,00, na prossecução da sua atividade de comércio de automóveis.
Contestou, também, o réu Paulo J afirmando ter adquirido a viatura de boa fé, a um stand de automóveis – a 3.ª ré – pelo preço de € 18.000,00, confiando na aparência do registo e tendo procedido ao registo da aquisição em seu nome, pelo que a mesma deve ser declarada sua propriedade. Para o caso de se vir a julgar procedente a ação, invoca o direito de retenção sobre o veículo até ser restituído de tudo quanto nele despendeu – preço, seguro, imposto -, invocando, ainda o enriquecimento sem causa para o caso de ter de restituir o veículo à autora.
Contestou, ainda, Joaquim R, alegando que comprou a viatura por € 10.000,00 a Aníbal S que se intitulava proprietário da mesma, tendo-se certificado que sobre a mesma não impendiam quaisquer ónus ou encargos no registo e tendo procedido ao registo da sua aquisição, desconhecendo as relações existentes entre o Aníbal e a 1.ª ré e entre esta e a autora. Posteriormente, vendeu a viatura à 3.ª ré, por € 14.000,00.
A 1.ª ré foi citada editalmente.
A autora respondeu, mantendo o já alegado.
Após audiência de julgamento, foi proferida sentença que julgou a ação totalmente procedente, declarando a nulidade dos contratos celebrados, a que aludem os artigos 16.º, 17.º e 19.º, ordenando-se o cancelamento do registo de propriedade a favor dos réus, declarando o direito de propriedade da autora sobre o veículo e condenando os réus a procederem à restituição do mesmo à autora.
Discordando da sentença, dela interpôs recurso o réu Paulo J, tendo finalizado a sua alegação com as seguintes Conclusões: I. Em sede de contestação o Réu, alegou e provou o pagamento da viatura e da sua boa-fé, desconhecendo a origem primária da viatura, e em síntese, concluindo, solicitou a atuação do juiz a quo nos seguintes termos: “Finalmente e, na eventualidade de V/ Exa. decretar a procedência dos presentes autos, o que não se consente, perante a obrigação que recai sobre o 4.º Réu de restituir à Autora o veículo deverá aquele ser ressarcido da quantia de € 19.472,37, sob pena de enriquecimento sem causa quer da Autora, quer do 1.º Réu, quer da 3.º Ré II. A sentença recorrida opta por ignorar e omitir a sua actuação, não se pronunciando quanto ao direito de crédito do Recorrente, nem quanto ao instituto do enriquecimento sem causa.
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Os artigos 6º e 547º do C.P. Civil atribuem ao juiz o poder de direcção do processo, deferem-lhe a competência para, em superação da omissão da parte, providenciar pelo suprimento dos pressupostos processuais susceptíveis de sanação e convidar as partes a praticar os actos necessários à modificação subjectiva da instância.
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Mais do que isso, prescreve ainda (nº1 do art. 6º) que ao juiz cabe providenciar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer.
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Este dever de gestão é concretizado, por exemplo no art. 590º (Gestão inicial do Processo), no âmbito da intervenção do Juiz na fase anterior à audiência prévia, e a propósito do indeferimento da petição, da diligência pelo suprimento de excepções dilatórias, do aperfeiçoamento dos articulados e da instrução da causa para conhecimento de excepções ou do seu mérito.
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Toda a marcha processual deverá ser orientada para propiciar a obtenção de decisões que privilegiem o mérito ou a substância sobre a forma, ou seja, deverá suprir-se o erro na qualificação pela parte do meio processual utilizado e evitar deficiências ou irregularidades puramente adjectivas que impeçam a composição do litígio ou acabem por distorcer o conteúdo da sentença de mérito, condicionado pelo funcionamento de desproporcionadas cominações ou preclusões processuais.
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O juiz a quo não atuou em conformidade com os poderes que lhe são conferidos.
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Na verdade o Réu, peticionou e alegou o instituto do enriquecimento sem causa, dando lhe o devido fundamento, socorrendo se dos fundamentos do art. 552º, nº 1, al. d). A insuficiência de qualquer destes articulados poderá ser suprida antes da audiência prévia, a convite do tribunal, com sujeição aos limites da alteração do pedido e da causa de pedir e ao condicionamento da defesa pela contestação apresentada, como se retira da remissão feita no art. 590º, nºs 3, 4 e 5, para o art. 265º e para os arts. 573º e 574º, respectivamente.
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Destarte, sempre se defenderá que se encontram reunidas as condições do enriquecimento sem causa, porquanto considerando o teor do artigo 473º n.º 2 “a obrigação de restituir, por enriquecimento sem causa, tem de modo especial por objeto o que for indevidamente recebido, ou o que for recebido por virtude de uma causa que deixou de existir ou em vista de um efeito que não se verificou.” X. São pressupostos da verificação do enriquecimento sem causa e, bem assim, da restituição do recebido indevidamente a verificação cumulativa dos seguintes requisitos: a) Que haja um enriquecimento; b) que o mesmo não tenha causa que o justifique; c) Que o mesmo seja obtido à custa do empobrecimento de quem pede a restituição e que - em razão da subsidiariedade do instituto, artigo 474º do Código Civil d) não exista outro meio jurídico para que o Autor possa obter o respectivo ressarcimento.
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O recorrente confronta-se, agora, com um empobrecimento do seu património, pois pagou uma viatura que deverá restituir por imperativos legais, sem agilização da restituição do que lhe é devido!!!!! XII. O poder judicial foi chamado a intervir nesta causa, possui todos os dados e factos que possam avaliar a questão que lhe foi submetida e mesmo assim conclui, alegando uma questão meramente formal em detrimento direto e evidente dos factos que constam da acção.
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O recorrente invocou todos os elementos consubstanciadores da sua situação e do enriquecimento de outrem à custa do seu património, após entrega da viatura mas o tribunal precludiu a matéria pela formalidade.
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No que respeita ao direito de retenção exposto nos artigos 754º e seguintes do código civil é um regime flexível no sentido da não imposição de requisitos cumulativos para o seu exercício, e consiste na faculdade que o devedor de uma coisa possui de a não entregar enquanto não for pago do crédito que por sua vez lhe assiste.
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A este propósito veja-se o Ac. Do Supremo Tribunal de Justiça de 04.10.2005, - “O direito de retenção traduz-se no direito conferido ao credor, que se encontra na posse de coisa que deva ser entregue a outra pessoa, de não a entregar enquanto esta não satisfizer o seu crédito, verificada alguma das relações de conexidade entre o crédito do detentor e a coisa que deva ser restituída a que a lei confere tal tutela - arts. 754º e 755º C. Civil. (…) Assim, desde que o credor tenha um crédito relacionado, nos termos legalmente previstos, com a coisa retida, reconhece-se-lhe o direito de garantia, válido erga omnes e atendível no concurso de credores. Com efeito, o retentor não pode opor-se à execução, singular ou universal, movida por outros credores, mas é-lhe assegurada a posição preferencial que legitima a recusa em abrir mão da coisa até ao pagamento do seu crédito XVI. Conclui-se pois pela legitimidade do direito de retenção do Recorrente enquanto este não vir satisfeito o seu crédito e regularizado o seu património.
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Resulta dos factos provados que a recorrida foi representada por um falso procurador e cuja assinatura foi reconhecida por advogada, e faz fé pública em função da atribuição de poderes aos advogados, perante entidades públicas e privadas da regularidade do registo e dos poderes para o acto.
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Em bem da verdade, não resulta do processo que tenha sido assacada ou haja tal pretensão, responsabilidade ao dito procurador e à ilustre mandatária.
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Ora, este comportamento omissivo da Autora e com a conivência do Tribunal, coloca em causa a posição jurídica do Recorrente, que alheio à, alegada, falsificação, adquiriu o veiculo de forma onerosa, de boa-fé e fazendo fé no registo público, do qual não constava nenhum registo de locação financeira.
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Por força do n° 2 do art. 17° do Código do Registo Predial, a declaração de nulidade do registo de aquisição a favor do 1° Réu nunca poderá implicar a nulidade ou o cancelamento do registo de aquisição a favor do 4º Réu, aqui Recorrente, na medida em que se verificam todos os requisitos exigidos por...
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