Acórdão nº 112/14.3GBMDL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 11 de Janeiro de 2016

Magistrado ResponsávelDOLORES SILVA E SOUSA
Data da Resolução11 de Janeiro de 2016
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em Conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães.

Secção criminal.

I-Relatório.

No Processo Comum Colectivo nº 112/14.3GBMDL da Comarca de Bragança, Instância Central Cível e Criminal, Juiz 3, foi submetido a julgamento o arguido Luciano M.

, melhor identificado a fls. 587 dos autos.

O Acórdão de 22 de Setembro de 2015, depositado no dia seguinte, tem o seguinte dispositivo: «Pelo exposto, este Tribunal decide: 1.

Absolver o arguido Luciano M.

da prática em autoria material e em concurso efetivo de três crimes de Abuso Sexual de Crianças, previstos e punidos pelo artigo 171.º, n.º3, alínea b), do Código Penal.

  1. Absolver o arguido Luciano M.

    da prática em autoria material, e em concurso efetivo, de dois crimes de Abuso Sexual de Crianças Agravado, previstos e punidos pelo artigo 171.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal.

  2. Condenar o arguido Luciano M.

    pela prática, em autoria material e em concurso efetivo, de um crime de Abuso Sexual de Crianças, previsto e punido pelo artigo 171.º, n.º1, do Código Penal, na pessoa de C..., na pena de dois anos de prisão.

  3. Condenar o arguido Luciano M.

    pela prática, em autoria material e em concurso efetivo, de um crime de Abuso Sexual de Crianças, previsto e punido pelo artigo 171.º, n.º1, do Código Penal, na pessoa de E..., na pena de dois anos de prisão.

  4. Em cúmulo jurídico das penas parcelares supra referidas, condenar o arguido Luciano M.

    na pena única de três anos e seis meses de prisão.

  5. Condenar o arguido no pagamento das custas, fixando em três unidades de conta a taxa de justiça devida.

  6. Manter a medida de coação de obrigação de permanência na habitação com acompanhamento de meios de controlo à distância aplicada ao arguido Luciano M..»*Inconformado com a decisão veio o arguido interpor recurso, apresentando a motivação de fls. 655 a 660 (fax), original a fls. 662 a 672, que remata com as seguintes conclusões: «1. O tribunal valorou prova proibida, na medida em que a reconstituição de facto levada a cabo pelo arguido, além de não estar na presença de defensor, só poderão ser entendidas como resultado das declarações do mesmo.

  7. Por força do disposto no artigo 357º do C.P.P. a leitura ou reprodução destas declarações não é permitida sem consentimento prévio do arguido ou a solicitação deste, o que não se verificou.

  8. Violou pois nesta parte o douto acórdão o disposto no artigo 357° ao tê-lo feito e ao ter considerado prova fundamental dos factos que deu como provados.

  9. Incorre o douto acórdão em contradição insanável entre a fundamentação e a decisão (art. 410º nº 2 b) do C.P.P.) na medida em que a fundamentação deveria conduzir a uma decisão contrária àquela que foi tornada.

  10. Da análise aos exames periciais juntos aos autos, das declarações do arguido e das vítimas e de outras testemunhas resulta contradição insanável na medida em que os exames periciais não comprovam nem indiciam a autoria do recorrente, nem tão pouco atestam lesões ou sequelas recentes e compatíveis temporalmente com os factos.

  11. No mais, aludem também à pouca credibilidade das vítimas que em declarações para memória futura mereceram por parte do perito a conclusão de inverosímeis sendo de registar a total ausência de sinais/lesões/sequelas/indicadores deste tipo de crime e por ultimo o depoimento da testemunha progenitor da menor Erica que veio esclarecer que a menor já havia sido abusado pelo padrasto.

  12. A sufragar tudo isto, não podemos olvidar o depoimento da própria vítima que inocenta o arguido dando o dito por não dito, corroborando a analise clínica medico legal efectuada sobre os factos e a sua personalidade 8. Entendemos igualmente verificar-se erro notório na apreciação da prova (art. 410° n° 2 c) do C.P.P.) uma vez que o tribunal efectuou urna apreciação manifestamente incorrecta, desadequada, baseada em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios.

  13. Pois que, dos relatórios de perícia médico legais realizados às vítimas não resulta quem tenha sido o seu autor, nem tal se pode depreender.

  14. De facto, do relatório à menor que apresentava soluções de continuidade cicatrizadas tão pouco consta data provável das lesões/sequelas e foi declarado pelo pai da mesma que esta já havia sido vítima de abuso sexual por parte do padrasto.

  15. O douto acórdão de todo o modo, contra as regras da lógica dá como provado nos pontos 11 e 12 que as soluções de continuidade cicatrizadas, foram consequência de actos levados a cabo pelo recorrente, o que não podemos conceder, atenta a prova em sentido contrário 12. Deveria pois, em obediência ao principio “in dubio pro reo”, ser o arguido absolvido da prática dos crimes pelos quais foi condenado.

    Sem, prescindir, 13. O douto tribunal violou o disposto no artigo 50° do C.P. ao não decidir pela suspensão da execução da pena de prisão.

  16. A nosso ver, todo o circunstancialismo relativo às razões de prevenção apontam para um juízo de prognose favorável que poderia e deveria ter levado o tribunal a optar pela suspensão da execução da pena de prisão.

  17. O recorrente é pessoa de idade avançada, sendo este o primeiro contacto com a justiça, não possuindo quaisquer antecedentes criminais.

  18. Sofre sentimento de vergonha desde a sua reclusão.

  19. Não existem processos pendentes ou notícia de que o arguido possa estar envolvido noutras actividades delituosas.

  20. A reclusão de que está a ser alvo, permitiu-lhe interiorizar desvalor da conduta, e tem em nosso entendimento a virtualidade de o dissuadir da prática de novos crimes.

  21. E pessoa estimada no meio em que insere, tendo a situação causado surpresa.

  22. Não pode pois, concluir-se por um juízo de prognose desfavorável com os elementos constantes dos autos, nomeadamente lançando mão apenas do facto do recorrente não ter confessado a prática dos crimes que se lhe imputavam.

  23. Violou pois o douto acórdão o disposto no artigo 50º do C.P Normas jurídicas violadas Artigos 357º do C.P.P., 410º nº 2 b) e c) do C.P.P. e artigo 50º do C.P.»*Admitido o recurso a fls. 674, veio o MP oferecer a sua resposta conforme fls. 677 a 693, tendo sumariado as seguintes conclusões: «I – Não houve qualquer valoração de prova proibida, nomeadamente, da reconstituição, pois a mesma foi realizada no respeito dos pressupostos e procedimentos a que está vinculada, obtida de forma legal e válida, sendo certo que a mesma não foi posta em causa e o arguido prescindiu da presença de advogado.

    II – Não foram tidas em conta as declarações que o arguido prestou aquando da realização da reconstituição, tendo o Tribunal “a quo” valorado somente as fotografias conjugadas com as declarações que o mesmo prestou perante o Mmo JIC, aquando do 1º interrogatório judicial, não havendo assim violação do art. 357º do C.P.P.

    III – O tribunal não deu como provado que o arguido tivesse mantido relações de cópula com qualquer uma das menores, pura e simplesmente deu como provado que o arguido manteve com as menores actos sexuais de relevo, pelo que não existe qualquer contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão.

    IV – Não houve por parte do Tribunal “a quo” “…a imputação grosseira que o resultado do exame efectuado à menor diga respeito a uma conduta menos própria por parte do arguido”, não existindo qualquer erro na apreciação da prova.

    V - O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 3 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que simples censura do facto e ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição - art.º 50.º n.º 1 do Código Penal. Não é o caso dos autos, pois o arguido negou os factos; não mostrou qualquer arrependimento; a idade das menores, 8 e 10 anos e, o facto do arguido não ter evidenciado capacidade de análise critica face à natureza dos factos em discussão que assumem uma gravidade assinalável.

    VI – Assim são prementes as exigências de prevenção geral, pela fortíssima repulsa com que tais crimes são encarados pela sociedade e elevadas às exigências de prevenção especial, face á completa falta de arrependimento do arguido – particularmente chocante, face à idade das menores e à falta de revelação de qualquer juízo crítico ou de autocensura, não fazem concluir que simples censura do facto e ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

    Assim, deverá o presente recurso ser julgado não provido e improcedente, mantendo-se, em conformidade com o exposto, os termos da decisão recorrida.»*Nesta Relação, o Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto emitiu Parecer no sentido da improcedência do recurso.

    Foi cumprido o artigo 417º, n.º 2, do Código de Processo Penal.

    Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

    * II- Fundamentação.

  24. É pacífico que, para além das matérias de conhecimento oficioso [v.g. nulidades insanáveis, da sentença ou vícios do art. 410º n.º 2, do citado diploma legal], são apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar [v. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Tomo III, 2ª ed., pág. 335 e Ac. do STJ de 20/12/2006, Processo n.º 06P3661, in dgsi.pt].

    Assim, no caso em apreço, são as seguintes as questões a decidir: - Averiguar da violação do artigo 357º, do CPP.

    - Analisar o acórdão em recurso a fim de verificar se padece dos vícios da contradição insanável da fundamentação ou entre esta e a decisão ou, de erro notório na apreciação da prova.

    - Averiguar da suspensão da pena de prisão aplicada ao arguido, aqui recorrente.

    *2. Factualidade.

    Segue-se a enumeração dos factos provados, não provados e respectiva motivação.

    A) Factos Provados Discutida a causa resultaram provados os seguintes factos: 1.

    C..., nascida a .. de .. de 2005, está registada como sendo filha de Francisco M. e de Maria C..

    2.

    E..., nascida a .. de .. de 2003, está registada como sendo filha de André...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT