Acórdão nº 3605/12.3TBVCT.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 28 de Janeiro de 2016

Magistrado ResponsávelJO
Data da Resolução28 de Janeiro de 2016
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães: I- Relatório 1- C…, residente na Quinta da Barca, n.º 5, Gemeses, Esposende, instaurou a presente acção declarativa, com processo ordinário, contra J…, residente no Lugar do Moreno, Quinta de S. Roque, Serreleis, Viana do Castelo, alegando, em breve resumo, que, na sequência de solicitação do R. nesse sentido, autorizou-o a utilizar, gratuitamente, o seu cavalo, de nome “Paxá”, num espectáculo, que teve lugar em Paris, nos dias 17 e 18 de Junho de 2011.

Trata-se de um cavalo de raça cruzado português, pelagem russa, nascido no dia 13/06/1996, e que, devido à sua boa forma física, características e beleza, sempre participou em competições, feiras e outros espectáculos.

Ora sucede que, não obstante nada ter recebido pela já referida utilização do “Paxá” e do R. se ter comprometido a suportar todas as despesas com o transporte, seguros e alojamento do animal, garantindo-lhe igualmente que todos os cuidados seriam tomados para que o animal regressasse a Portugal de boa saúde, a verdade é que assim não aconteceu.

Efetivamente, após aquele regresso, o “Paxá” coxeava ligeiramente da mão direita.

Quando foi recepcionado no picadeiro do R., momento em que a A. tomou conhecimento da situação do cavalo, verificou-se que o mesmo apresentava um hematoma de grandes dimensões na articulação direita e dificuldades de locomoção, o que o incapacitava para ser montado ou sequer trabalhado.

Consciente dessa realidade e assumindo-se como responsável pela mesma, o R. prontificou-se a providenciar pelo tratamento e recuperação do equídeo, uma vez que, na sua versão, o mesmo teria sofrido uma luxação que seria debelada com a terapia adequada, ou seja, muito descanso.

Certo é que a saúde do referido cavalo não melhorou. O que levou a A. a socorrer-se de um médico veterinário da sua confiança que, após exames efectuados, veio a constatar que o cavalo em causa tinha sofrido uma fractura e que, tendo em conta a localização e estado da mesma e o facto de não ter sido alvo de uma intervenção cirúrgica atempada, acabou por o inutilizar definitivamente para a prática desportiva.

Reclama, assim, o pagamento de despesas que se viu obrigada a suportar com o referido cavalo, as que vai ter de despender ainda durante o período provável de vida do mesmo, o valor comercial que ele tinha antes de se ter lesionado, uma vez que agora esse valor inexiste, e ainda um montante relativo ao desgosto por si sofrido pelo facto de ver o “Paxá”, animal de que muito gostava, totalmente incapacitado.

A todos estes títulos, pede a condenação do R. a pagar-lhe uma indemnização no valor global de 224.478,70€.

2- Contestou o R., começando por arguir a sua ilegitimidade para esta demanda, uma vez que sempre atuou em nome e no interesse da sociedade, T, Ldª, da qual é o único sócio.

Por outro lado, embora admita que o já referido animal lhe foi cedido a título gratuito e que se lesionou quando ainda estava sob a sua disponibilidade, a verdade é que ignora as circunstâncias em que tal lesão ocorreu, sendo certo que nada foi feito que não correspondesse utilização normal do dito animal, tendo em conta a finalidade para a qual tinha sido cedido.

Por outro lado, depois de se aperceber da lesão, tudo fez para ela fosse tratada e debelada de forma eficaz e no mais curto espaço de tempo possível.

Por isso mesmo, além de defender a procedência da excepção de ilegitimidade, pede, subsidiariamente, a improcedência desta acção.

3- A A. replicou, impugnando a matéria de excepção alegada pelo R. e concluindo como na petição inicial.

4- Findos os articulados, foi elaborado despacho saneador (julgando, além do mais, improcedente a exceção de ilegitimidade arguida pelo R.) e seleccionada a matéria de facto assente e a controvertida.

5- No desenvolvimento da instância, foi realizada a audiência final, finda a qual, foi proferida sentença que julgou a presente ação parcialmente procedente, por provada, e condenou o R. a pagar à A., a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, uma indemnização no montante de 22.168,90€, acrescida de juros moratórios, à taxa legal sucessivamente em vigor, contados desde a citação e até efectivo e integral pagamento.

6- Inconformado com esta sentença, dela recorre o R., terminando as suas alegações recursivas com as seguintes conclusões: “1) Concorda-se com a qualificação jurídica, como comodato, do contrato existente entre a autora e o réu concernente à detenção por parte deste do cavalo em causa.

2) O regime jurídico de tal contrato encontra-se previsto nos art.º 1129.° a 1141.º doCC.

3) No caso de deterioração casual da coisa emprestada, o comodatário será responsável por ela, se estava no seu poder tê-la evitado. (Art. ° 1136.°1 CC) 4) Estava o réu obrigado a restituir o cavalo à autora no estado em que o recebeu, ressalvadas as deteriorações inerentes a uma prudente utilização. (Art.º 1135.º/h e 1043.°/1 CC) 5) Todavia, em circunstâncias ignoradas, o cavalo lesionou-se em França.

6) Aceita-se que sobre o réu impendia o ónus de provar os factos excludentes da sua responsabilidade na não devolução à autora do cavalo no estado em que o recebeu, isto é, sem lesões.

7) Mas já não aceita que se diga, que não fez ele tal prova.

8) Basta atestar na matéria dos itens “AA”; “SS”; “TT”; 8.° e 9.° dos Factos Provados, para necessariamente se concluir de forma contrária.

9) Não se sufraga o entendimento do tribunal a quo de que o risco de deterioração do cavalo corre pelo réu.

10) Com efeito, tratando-se, como se trata, de uma lesão casual do cavalo, e não sendo esta imputável nem ao réu, nem à autora, nem a terceiro, o risco pela sua eclosão corre por conta do proprietário (autora) e não do réu, seguindo assim, a regra geral de que “o risco corre por conta do proprietário”.

11) É que todos os casos de responsabilidade do comodatário previstos na lei - art.º 1136.° CC - têm carácter excepcional e fundam-se na atribuição a este de culpa, embora indirecta (n.º 1 e 2) ou na presunção de uma convenção estre as partes nesse sentido (n.º 3). (CC Anotado, Pires de Lima, Antunes Varela, vol. II, 2.a edição., pág. 593) 12) Uma vez que o cavalo se lesionou casualmente, o réu só será responsável pela lesão, por aquele animal sofrida, se tivesse podido evitá-la e não o tivesse feito.

13) Da matéria provada resulta que o réu agiu de modo diligente e prudente e fez aquilo que um homem médio faria, em semelhante circunstância, para tratar a lesão do cavalo e evitar as sequelas permanentes dela. (Cfr. “AA”; “55”; “TI”; 8.°; 9.°; 33.°; 34.° dos Factos) 14) Nem se diga que se o réu tivesse providenciado pela sujeição do cavalo a uma intervenção cirúrgica, em vez de o ter submetido a terapia “tradicional”, e 15) se tivesse informado a autora, logo em Julho de 2011, que o animal tinha uma fractura cominutiva do carpo, (v. “O”, “LL” e 15.° do “Factos”) 16) teria evitado que este ficasse a sofrer, como ficou, de lesão irreversível.

17) É que, não há garantias de que a cirurgia para colocação de parafusos corresse bem ou que o desfecho viesse a ser diferente do actual.

18) Quer isto dizer que ainda que o animal tivesse sido submetido a intervenção cirúrgica, nada garante, que o resultado fosse diferente do alcançado com os tratamentos providenciados e ministrados pelo réu.

19) Ou seja, não estava ao alcance do réu evitar as consequências da lesão para que não contribuiu.

20) Ora, assim sendo, não poderá ele ser responsabilizado pelos “danos resultantes de não ter feito a devolução da coisa (cavalo Páxá)”, à autora, no estado em que desta o recebeu. (Art. ° 1136.°/1 CC) 21) De resto, o réu provou que a falta de cumprimento da obrigação de restituir o cavalo à autora em tal estado, isto é sem a lesão/fractura, não procedeu de culpa sua, pois diligenciou pelo seu tratamento e erradicação, como o faria um bom pai de família: seguiu as orientações do médico veterinário. (v. “AA”, “55”, “TI”, 8.°,9.°, 33.°, e 34.° dos “Factos”) 22) Destarte, ao entender que o réu deverá indemnizar a autora pelos danos resultantes de não ter feito a devolução do animal no estado em que esta lho emprestou, violou o tribunal a quo o disposto nos art.º 1136.°/1 e 799.°/1 CC).

23) Mas ainda que se entenda ser o réu responsável pelos danos, sempre este não deveria ter sido condenado a indemnizar a autora pelo valor comercial do animal (15.000,00€) e pelos danos morais no montante de 3.000,00€.

24) Na verdade, a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que a autora provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão. (Art.º 563.° CC) 25) Ora quanto à indemnização de 15.000,00€ pelo valor comercial, nada dos autos resulta que teria alguma vez a autora intenção de vender o cavalo.

26) Antes pelo contrário, vê-se da p.i que a intenção da autora era a de utilizar e usufruir do cavalo durante os 10 anos de vida que para ele calculava.

27) O fim do animal nunca seria a venda, mais cedo ou mais tarde, mas sim a sua utilização em competições e obstáculos.

28) Daí que, se a autora tivesse pedido uma indemnização pelos danos resultantes do impedimento da sua utilização em competições e espectáculos, que era o fim a que aquele se destinava, isso sim, aceitava-se com pretensão legítima, porque respeitadora do princípio da causalidade adequada.

29) Mas, não foi nem é isso que acontece.

30) A autora nunca referiu ser sua intenção vender o animal e que, quando isso ocorresse, iria sofrer um prejuízo, por causa da lesão.

31) Com efeito, apenas naquele articulado alega que o valor comercial do animal ronda os 66.000,00€ e que, actualmente lesionado, não tem qualquer valor.

32) Mas se nunca teve a intenção de o vender, porque há-de ser ressarcido, do dano da perda de valor da venda? 33) Entendendo-se, por isso, que para ser ressarcida dos danos resultantes da perda do valor comercial do animal, a autora deveria ter alegado e provado que era seu intuito, antes da lesão, vendê-lo.

34) E como a autora não alegou, nem provou, o valor dos danos por si...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT